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Seminário em Belo Horizonte vai debater os principais obstáculos para a real implementação da Lei Maria da Penha
*Atualizada em 28/11/2019
Acontece nesta sexta-feira, 29, às 8h, o I Seminário Justiça Seja Feita. O evento, que será realizado no auditório do Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG, em Belo Horizonte, é promovido pelo movimento feminista mineiro Quem Ama Não Mata – QANM e trará debates sobre os principais obstáculos a uma real implementação da Lei Maria da Penha em Minas Gerais e no País. A entrada é gratuita.
O seminário terá dois painéis de discussão. O primeiro, “Reflexos sociais da violência doméstica e das decisões judiciais”, contará com a participação da promotora de Justiça de São Paulo, Valéria Scarance; da desembargadora federal Daldice Santana e da secretária da Cidadania de Mato Grosso do Sul, Luciana Azambuja, associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.
Apesar dos muitos avanços nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres, para Luciana Azambuja um longo caminho ainda precisa ser traçado para maior garantia de igualdade de gênero. Por isso, afirma, as discussões do seminário podem proporcionar novos paradigmas, a troca de experiências e de boas práticas entre as participantes.
“Todas temos um mesmo objetivo, que é prevenir e erradicar a violência de gênero, construindo uma sociedade justa e igualitária. Tenho certeza que das discussões sairão ótimas recomendações. A efetiva implementação da Lei Maria da Penha nos estados e nos municípios, principalmente nos de pequeno e menor porte, ainda é um desafio. Precisamos lutar para que isso aconteça”, declara.
O segundo painel, “A legalidade das decisões judiciais e a Lei Maria da Penha – Avanços e Desafios”, será comandado pelas defensoras públicas de Minas Gerais e do Mato Grosso, respectivamente Samantha Vilarinho e Rosana Leite, e pela ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça – STJ, Eliana Calmon.
A solenidade de abertura receberá a desembargadora Alice Birchal, a vice-presidente da OAB-MG, Helena Delamonica, e a coordenadora geral do Movimento QANM, jornalista Mirian Chrystus.
Para Eliana Piola, advogada e co-coordenadora do evento, o seminário é de suma importância porque é um resgate do movimento Quem Ama Não Mata, que marcou na década de 1980, com a sua atuação tendo reflexos importantes no que diz respeito a política para as mulheres e o enfrentamento à violência.
Segundo ela, o seminário irá reunir, em suas palestras e colocações, “o que há de melhor no Brasil em termos de enfrentamento de violência contra a mulher para que possamos embasar e trazer essas experiências a serem implantadas aqui em Minas Gerais”, destaca.
Já a jornalista e também co-coordenadora Dorinha Aguiar, o evento foi elaborado para descortinar para a sociedade civil e para os públicos de interesse da Lei Maria da Penha a falta de cumprimento desta norma.
“A expectativa é contribuir para que o Art. 14 da Lei Maria da Penha passe a ser realidade em Minas, da mesma forma que o é em Mato Grosso, dentre outras medidas para atendimento da lei”, ressalta.
Proteção e direito de igualdade às mulheres
A defensora pública Samantha Vilarinho, que participará do segundo painel, afirma que o real enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher depende do combate a fatores estruturais como o machismo e o racismo.
“Vivemos em uma sociedade patriarcal e colonial em que os homens brancos heteronormativos exercem relações de poder e opressão sobre as mulheres, sobretudo as negras. A violência é muitas vezes invisibilizada, naturalizada nos comportamentos humanos. Precisamos reverter a lógica do sistema a fim de provocarmos a redução dos índices de feminicídio”, diz.
Por isso, ela revela que a participação e apoio de institutos, como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é extremamente importante para dar ainda mais força ao movimento que busca maior proteção e direito de igualdade às mulheres.
“O apoio do TJMG indica que os juízes e desembargadores estão se abrindo ao debate de tão tortuoso tema. É marcante na medida em que possibilitará a tomada de compromissos para a melhoria do serviço prestado à jurisdicionada em situação de violência”, afirma.
QANM
O movimento Quem Ama Não Mata surgiu na década de 1980. De acordo com a coordenadora geral, Mirian Chrystus, em 18 de agosto de 1980 realizou-se o ato na Igreja São José, em Belo Horizonte, que foi um protesto para publicizar a existência da violência contra as mulheres, o que marcou o início do movimento.
Ela relata que duas mulheres haviam sido mortas, por seus respectivos maridos, em um espaço de 15 dias, o que foi considerado absurdamente chocante à época. O ato reuniu cerca de 400 pessoas, a maioria mulheres portando rosas vermelhas e velas nas mãos, quase como um espetáculo teatral para tocar as pessoas pela emoção e mostrar a gravidade do que estava ocorrendo.”
“Esse ato, que reuniu personalidades de várias partes do Brasil, em plena Ditadura Militar, colocou na mídia a questão da violência contra a mulher. Porque até então o que se via nas propagandas e nos discursos era aquela ideia de ‘família de margarina’. Todos felizes no reduto onde a mulher reinava, a rainha do lar. E nós mostramos que a mulher na verdade era violentada, abusada, espancada e morta dentro do lar”, conta.
Ela lembra que na época não havia estudos, números, dados e muito menos a concepção do que é feminicídio. Assim, a questão da violência contra a mulher virou pauta nacional graças ao QANM e outros movimentos sociais feministas.
Com o passar dos anos, o movimento foi se dispersando até que, em novembro de 2018, ele voltou a se reunir e fazer um novo ato rememorando aquele da Igreja São José. O motivo desse retorno foi principalmente o crescimento exponencial da violência contra a mulher.
Atualmente, o movimento QANM segue atuando em prol de ações contra o feminicídio e a violência doméstica. “Estamos vivendo um momento de perigo e retrocesso, com muitas das nossas conquistas ameaçadas por um governo intolerante. Mas, ao mesmo tempo, um momento de muita atividade e luta”, enfatiza.
Mirian Chrystus diz que o seminário é a última atividade do QANM neste ano enquanto organizador de eventos. E que ele é importante porque coloca o dedo na ferida, fazendo uma crítica positiva ao Judiciário através dos seus operadores de Justiça, que precisam tomar conhecimento da questão da violência de gênero.
“Os advogados, juízes, desembargadores etc. precisam aprender mais sobre essa questão. Se não houver uma série de mudanças ligadas a mentalidade, a Lei Maria da Penha não terá uma real implementação em toda sua grandeza e importância. É por isso que nós estamos investindo nesse diálogo, que é crítico com o Judiciário, mas com vistas a mudanças que promovam a real implementação da LMP”, finaliza.
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