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STF concede habeas corpus coletivo a pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência; especialista comenta
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – STF concedeu habeas corpus coletivo (HC 165.704) para determinar a substituição da prisão cautelar por domiciliar a pais e responsáveis por crianças menores de 12 anos e pessoas com deficiência. Para isso, devem ser cumpridos os requisitos previstos no artigo 318 do Código de Processo Penal – CPP e outras condicionantes. A decisão unânime foi proferida em sessão nesta terça-feira (20).
Impetrante do habeas corpus, a Defensoria Pública da União – DPU sustentava que a decisão proferida pelo STF no HC 143.641, em favor das mulheres presas gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, deveria ter seu alcance estendido a todos os presos que sejam únicos responsáveis por pessoas nas mesmas situações.
Segundo a DPU, a decisão, ao tutelar direito das crianças filhas de mães presas, acabou por discriminar as que não têm mãe mas encontram, em outros responsáveis, o sentimento e a proteção familiar. Desta forma, feria-se o princípio constitucional da igualdade.
Proteção aos vulneráveis
O relator, ministro Gilmar Mendes, observou que, assim como no precedente destacado, o direito à prisão domiciliar deve ser examinado sob a ótica do melhor interesse das crianças ou das pessoas com deficiência. No artigo 318 do CPP, por sua vez, estabelece a substituição da prisão preventiva por domiciliar quando o contexto familiar demonstra a importância do investigado ou réu para criação, suporte, cuidado e desenvolvimento de indivíduos naquelas condições.
Para Mendes, a compreensão da norma passa necessariamente pela compreensão de sua finalidade. Apesar de beneficiar os presos, “é preciso entender que, antes de qualquer coisa, o dispositivo tutela os nascituros, as crianças e os portadores de deficiência que, em detrimento da proteção integral e da prioridade absoluta que lhes confere a ordem jurídica brasileira e internacional, são afastados do convívio de seus pais ou entes queridos, logo em uma fase da vida em que se definem importantes traços de personalidade”, frisou.
O ministro também destacou o momento de pandemia da Covid-19 enfrentado no Brasil. A Resolução 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ recomenda a adoção de medidas preventivas por juízes e tribunais, entre elas a reavaliação de prisões provisórias de gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência.
De acordo com o presidente da Segunda Turma, a não concessão da prisão domiciliar mantém o dependente vulnerável desamparado durante o período em que a exigência de cuidado e supervisão é ainda maior. Além disso, a prisão em regime fechado coloca a vida de tal responsável em risco, consequentemente afetando aqueles que deles dependem.
Condicionantes e exceções
Para Gilmar Mendes, a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, nos casos dos incisos III e VI do artigo 318 do CPP, deve ser a regra. A exceção deve ser amplamente fundamentada pelo magistrado e restrita a casos graves, como a prática de crime com violência ou grave ameaça à pessoa.
O voto prevalecente do relator do habeas corpus, em caso de concessão da ordem para pais, deve ser demonstrado que se trata do único responsável pelos cuidados do menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência. Em caso de concessão para outros responsáveis que não sejam a mãe ou o pai, deverá ser comprovado que se trata de pessoa imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência.
A decisão prevê, ainda, as mesmas condições estabelecidas no julgamento do HC 143.641, especialmente no que se refere à vedação da substituição da prisão preventiva pela domiciliar em casos de crimes praticados mediante violência ou grave ameaça ou contra os próprios filhos ou dependentes. Para mais informações sobre o HC 165.704, acesse o site do STF.
Decisão concretiza princípios constitucionais, segundo especialista
Para Fernando Gaburri, promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia e membro da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do STF "concretiza o princípio da igualdade material e beneficia principalmente a criança e a pessoa com deficiência que está sob responsabilidade exclusiva do acusado que aguarda preso o desfecho do processo e que, portanto, ainda não sofreu condenação".
Ele destaca que a Constituição, em seu artigo 227, atribuiu com absoluta prioridade direitos fundamentais às crianças e adolescentes, tais como a convivência familiar e comunitária, direito de ser posta a salvo de qualquer tipo de negligência, receber afeto e cuidado e respeito à sua condição de pessoa em formação. Por sua vez, os direitos da pessoa com deficiência estão tratados na Convenção de Nova Iorque, ratificada pelo Brasil no plano internacional e aprovada internamente com status de emenda constitucional, bem como na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).
"A decisão da Segunda Turma do STF merece destaque por ter alcance coletivo e por ser proferida diante do cenário de pandemia de importância mundial, já que as crianças e pessoas com deficiência integram o grupo de risco e estão mais vulneráveis ao contágio pelo novo coronavírus, merecendo, portanto, maiores cuidados", frisa Fernando Gaburri.
Prisão domiciliar não implica em impunidade
O promotor de Justiça acrescenta: "O propósito da lei processual é proporcionar que o acusado que tem um vulnerável sob seus cuidados aguarde o julgamento em prisão domiciliar – o que não significa liberdade – assim lhe possibilitando dispensar o afeto, cuidado e zelar pelo melhor interesse da criança ou pessoa com deficiência que comprovadamente esteja sob sua responsabilidade, independentemente de ser seu genitor e desde que comprovada a necessidade dos cuidados e o atendimento ao melhor interesse da pessoa a ser cuidada".
"A prisão domiciliar não deverá ser concedida, se não resguardar os interesses da criança ou da pessoa com deficiência, como no caso de o crime ter sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa; quando a criança ou a pessoa com deficiência ser a vítima e o responsável o agressor, ou do agressor praticar os crimes na própria residência onde convive com a criança ou pessoa com deficiência", saliente Gaburri.
É importante esclarecer, segundo o especialista, que a decisão não implica em impunidade. "As mulheres grávidas, pais ou pessoas imprescindíveis aos cuidados de crianças de até 6 anos de idade ou por pessoa com deficiência que aguardarão o final do processo em prisão domiciliar ainda não foram condenados e, por isto, gozam do direito fundamental à presunção de inocência até que contra eles haja uma sentença condenatória, conforme previsão do artigo 5º, LVII da Constituição e do artigo 8º, § 2º, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos."
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