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STJ: Lei Maria da Penha não incide em violência familiar sem motivação de gênero; especialista contesta
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ negou provimento a recurso especial interposto pelo Ministério Público – MP que visava a aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006), sob competência do Juizado Especial de Violência Doméstica, a réu que agrediu a própria mãe.
De acordo com o entendimento da Corte, para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se também que a motivação do acusado seja de gênero ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher.
O MP alegou que a vulnerabilidade física da vítima em relação ao réu seria suficiente para a aplicação da Lei Maria da Penha, norma que tem como pressuposto justamente a presunção de hipossuficiência da mulher. No entanto, ao analisar o caso, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, apontou que o acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás – TJGO seguiu a jurisprudência do STJ. As provas, segundo a decisão, indicam que a agressão decorreu do vício do réu em álcool, sem relação com gênero.
Para especialista, caso é uma situação de violência doméstica e familiar
Luciana Azambuja Roca, advogada e presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família na Seção do Mato Grosso do Sul – IBDFAM-MS, reflete que não são todas as situações de violência contra mulher que se enquadram no conceito abrangido pela Lei Maria da Penha.
No entanto, é no âmbito doméstico que as mulheres têm sofrido mais violência e das formas mais diversas. “A ligação familiar, a convivência e a dependência afetiva e/ou econômica existem. Somadas ao poder masculino do agressor sobre a vítima e a relação de dominação/submissão que se construiu com o passar do tempo no ciclo da violência, são razões que podem ser agravados por fatores externos, como uso de álcool e drogas”, explica.
Pelo que se extrai da leitura do voto proferido pelo relator, a especialista afirma que o caso em questão trata-se de agressão praticada por filho dependente químico à genitora, idosa e deficiente auditiva, ocorrido nos limites da residência, sem qualquer justificativa que afastasse a violência de gênero.
“Ao meu ver, estamos diante de uma situação clássica de violência doméstica e familiar a atrair a incidência da Lei Maria da Penha, pois estão presentes os requisitos decorrentes de uma relação de poder onde há vulnerabilidade e inferioridade da mulher. Seja pela idade, pela compleição física ou, ainda, pela deficiência noticiada no voto proferido”, destaca a advogada.
Ela enfatiza: “Há ainda a evidente relação de opressão e superioridade do filho sobre a mãe, já que ele se aproveitava da ingestão de bebida alcoólica para violar os direitos humanos de sua genitora. Ou seja, numa perspectiva de gênero, a agressão se deu em razão da vítima ser mulher e vista como a parte ‘mais frágil’ dessa relação”.
Problema de saúde pública
A violência de gênero contra a mulher apontada como um problema de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde – OMS e que se agravou devido à pandemia do novo Coronavírus, , uma vez que as pessoas estão mais tempo em casa e próximas aos agressores.
Por isso, Luciana Azambuja diz que não se pode naturalizar a violência e nem atribuir ao álcool a violência machista que agride e mata mulheres todos os dias. “Em crimes praticados em ambiente doméstico e familiar, a palavra da vítima possui especial relevância, não havendo de se falar em ‘prova’ da motivação de gênero, quando inexiste outra causa ou motivo a ensejar a agressão. Muito menos pode servir a presente decisão para desencorajar outras mulheres a buscarem o acesso à Justiça e denunciarem as violências sofridas”, conclui a advogada.
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