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Homem transexual impedido de acessar sala de cinema é indenizado: “evidente caso de discriminação”, apontou juiz
O respeito ao nome social e à identidade de gênero garante a dignidade da pessoa humana e o direito de cada um viver sua individualidade. Apesar de a alteração do registro ser relativamente fácil, possível de ser realizada em cartório por qualquer pessoa capaz e maior de 18 anos, não se trata de um procedimento obrigatório para fazer valer seus direitos fundamentais.
Na última semana, a 3ª Vara Cível de São José do Rio Preto, em São Paulo, condenou um shopping center e uma rede cinematográfica a indenizar em R$ 10 mil, por danos morais, um homem transexual impedido de entrar na sala de cinema em razão de divergência de gênero com o documento de identificação.
De acordo com os autos, o homem comprou dois ingressos, mas não pôde entrar na sala porque apresentou documento de identidade constando como sendo do sexo feminino. Na ocasião, ele explicou que fazia tratamento hormonal para a readequação sexual, mas ainda assim não teve autorização para acesso ao cinema, tampouco foi ressarcido do valor dos ingressos.
Em sua decisão, o juiz responsável pelo caso ressaltou: “Comprovado o preenchimento do requisito idade, não havia motivo para que a parte autora fosse barrada de ter acesso à sala de cinema, o que ocorreu por mero espírito emulativo dos prepostos da empresa, em evidente caso de discriminação sexual por gênero”.
“Não resta dúvida de que a negativa de acesso ocorreu por divergência ou infundada suspeita de ser a parte autora ‘transexual’, tanto que os prepostos nem se deram conta de ouvir ou acolher as justificativas da parte autora no sentido de que passava por tratamento hormonal”, concluiu o magistrado ao fixar a indenização por danos morais. Ainda cabe recurso da decisão.
Transfobia mata: índices no Brasil são os maiores do mundo
“A decisão da 3ª Vara Cível de São José do Rio Preto foi exemplar, vez que detectou a presença de transfobia no ato dos funcionários dos estabelecimentos”, comenta o advogado Vladimir Fernandes Mendonça Costa. Ele integra a Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
O especialista aponta que a discriminação dessa população ainda é um problema longe de ser superado no Brasil. Em 2019, pelo menos 124 pessoas transgênero, entre homens e mulheres transexuais e travestis, foram assassinadas no Brasil por transfobia. Os dados são do relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – Antra.
“É de se deixar claro que transfobia é tudo aquilo que vai desde a repulsa emocional, medo, violência, raiva ou desconforto sentidos ou expressos em relação a pessoas transgênero. No Brasil, infelizmente, temos o maior índice mundial de crimes contra transgêneros”, ressalta Vladimir.
Decisões como a proferida pela Justiça de São Paulo contribuem para o enfrentamento desse cenário, segundo o advogado. “Medidas como essa brilhante decisão servem, assim esperamos, para que haja uma conscientização da população em geral para que entendam que as pessoas transgêneros são como qualquer outro cidadão e como tal devem ser respeitados, em sua essência, individualidade e em especial como ser humano”, assinala.
Avanços na luta de transexuais e travestis
A alteração de nome e gênero pode ser feita em cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais – RCPN, sem presença de advogado ou defensor público. O Supremo Tribunal Federal – STF trouxe essa possibilidade em março de 2018, afastando a necessidade de autorização judicial, laudo médico ou comprovação de cirurgia de redesignação sexual para o procedimento.
Em 2019, foi a vez da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça – CNJ publicar ato normativo estabelecendo regras para a mudança na certidão de nascimento ou casamento nos cartórios de todo o Brasil. Qualquer oposição a essas garantias por parte dos profissionais de registro civil deve ser denunciada, pois configura descumprimento das normas.
Também no ano passado, o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989). O julgamento, que teve o IBDFAM como amicus curiae, determinou que discriminações e ofensas às pessoas LGBTI podem ser enquadradas no artigo 20 da referida norma, com punição de um a três anos de prisão. O crime é inafiançável e imprescritível.
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