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A mediação como um caminho possível para os casos de violência conta a mulher na justiça criminal.
Contextualizando a violência contra a mulher
O fenômeno da violência contra a mulher ocorre principalmente no espaço doméstico, geralmente é cometida por parceiros, ou outras pessoas com quem as vítimas mantêm relações afetivas ou íntimas, incluindo filhos, sogros, primos e outros parentes. Está profundamente arraigada nos hábitos, costumes e comportamentos sócio-culturais, de tal forma que, as próprias mulheres encontram dificuldade de romper com situações de violência, e entre outras coisas, por acreditarem que seus companheiros têm direito de puni-las, se acham que elas fizeram algo errado ou infringiram as normas que eles determinaram.
A violência afeta mulheres de todas as idades, raças e classes sociais e tem graves repercussões sociais. Agravos à saúde física e mental, dificuldades no emprego, na aprendizagem, riscos de prostituição, uso de drogas e outros comportamentos de risco. Segundo diversos estudos, com populações de várias partes do mundo, e em diferentes culturas, um grande número de mulheres relata que já foi agredida física, psicológica ou sexualmente, pelo menos uma vez na vida. A violência física, no mínimo é acompanhada da violência psicológica. Essa diferenciação faz sentido apenas na discussão da abordagem, para que se possa compreender melhor a necessidade que a vítima apresenta ao buscar ajuda. Em qualquer situação, porém, o olhar sobre o problema deve ser o mais amplo possível, para que a mulher, criança ou adolescente agredida, seja vista e acompanhada na sua integralidade.
Nas últimas décadas, por força das militantes feministas e provavelmente pela constatação das perdas sociais e econômicas, a violência contra a mulher foi incluída na agenda política dos governos e nos acordos internacionais.
A Convenção de Belém do Pará (1994), define que "a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades". (...) "violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado".
O que dizem os especialistas
"As pessoas envolvidas na relação violenta devem ter o desejo de mudar. É por esta razão que não se acredita numa mudança radical de uma relação violenta, quando se trabalha exclusivamente com a vítima. Sofrendo esta algumas mudanças, enquanto a outra parte permanece o que sempre foi, mantendo seus hábitos, a relação pode inclusive, tornar-se ainda mais violenta. Todos percebem que a vítima precisa de ajuda, mas poucos vêem esta necessidade no agressor. As duas partes precisam de auxílio para promover uma verdadeira transformação da relação violenta."
"É preciso trabalhar com os homens, estimulando que eles reflitam acerca de suas fraquezas e seus impulsos. O que se quer é que eles se conscientizem de que há outras formas de resolução de conflito. Tentamos mostrar que a violência doméstica também é ruim para eles. A violência doméstica contra a mulher prejudica toda a família. Sofrem os filhos, as filhas, os parentes próximos e até mesmo o autor da violência."
"Ao trabalhar com autores de violência, compreende-se que eles não são agressores vinte e quatro horas por dia. Eles podem e devem passar por um processo de responsabilização do seu ato. Eles podem mudar de comportamento."
"A violência não é natural. É um comportamento aprendido. Quando um menino apanha na escola de outro menino, ele recebe mensagens dentro da sua casa: ‘amanhã, você vai lá e morde ou bate nele também'. Com isso, acabamos criando uma cultura da violência. A violência fica tão banalizada, que determinadas atitudes violentas passam como não sendo. Acredito que a violência doméstica possa ser prevenida "
"As duas partes precisam de auxílio para promover uma verdadeira transformação na relação violenta em que vivem. Não se defende aqui a impunidade e a negação do delito que deve ser sancionado. Mas, por outro lado, aparece claro que o problema é mais global do que pensamos. Enquanto não construirmos uma sociedade mais justa e pacífica em todas as suas dimensões, infelizmente não conseguiremos convencer os homens de que "em uma mulher não se bate nem com uma flor".
"O que faz a diferença e traz mudanças é a capacidade de se questionar, ter uma escuta às suas insatisfações e, a partir daí, buscar uma forma de se relacionar que se manifeste numa livre expressão dos sentimentos e emoções, solidariedade e respeito ao jeito do outro ser, cada um permanecendo inteiro no espaço que ocupa.
E a nova lei
Resultado de movimentos em prol do resgate à cidadania, no dia 22 de setembro, entrou em vigor a lei 11.340/06, conhecida como lei Maria da Penha. Antes dela, os casos de violência contra mulher eram tratados no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, onde punições como pequenas multas, cestas básicas e a prestação de serviços à comunidade banalizavam a gravidade do problema.
A nova lei dispõe sobre a criação de juizados especialmente voltados para a assistência e a proteção das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, e enfatiza a utilização da prisão preventiva e em flagrante nos casos em que a vítima tem sua integridade ameaçada, além de prevê medidas protetivas à vítima, as quais deverão ser operacionalizadas através de políticas públicas num sistema organizado e harmônico envolvendo o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Segurança Pública, Assistência Social, Saúde, Educação, Trabalho e habitação.
O que a experiência tem mostrado
O surgimento da nova lei é uma resposta convencional a um fenômeno que exige soluções mais criativas. Considerando que a raiz do problema é social a busca de soluções também deve caminhar nesta direção. Uma das grandes lições que os movimentos de mulheres têm aprendido é que quando trabalhamos com homens autores de violência contra mulheres este acerto de contas não deverá ser realizado utilizando noções tradicionais de justiça.
Em primeiro lugar, a prisão do agressor não garante que em seu retorno ao convívio social ele irá apresentar comportamento diferente em relação à sua companheira. A maioria das prisões brasileira não desenvolve programas de ressocialização que promovam a recuperação dos detentos e geralmente as relações estabelecidas neste regime são desprovidas de dignidade.
Isto não significa que os agressores não devam ser responsabilizados pelos seus atos, mas devemos repensar que as punições ortodoxas, crivadas de miopia social, não se mostram eficazes na medida em que tratam apenas dos aspectos formais do processo judicial, "sem tocar na face oculta, muitas vezes determinantes dos conflitos interpessoais".
Direitos humanos e a volúpia punitiva
Os Direitos Humanos pregam valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, entretanto hoje no Brasil os direitos humanos são considerados "privilégios", "defesa de bandidos", conforme ressalta Helena Singer ao abordar a questão da volúpia punitiva. Vários autores, segundo ela, tentam explicar essa deturpação. Faz referência a Renato Janine Ribeiro, por exemplo, que diz que esse discurso tem a ver com a construção dos nossos costumes, que é apoiada na heteronomia e opressão e levará um tempo para ser rompido, exige um forte investimento na educação para cidadania.
A professora Helena Singer, no entanto, traz uma reflexão interessante, diz que "a luta pelos direitos humanos no Brasil não supera seu isolamento porque tem carregado uma contradição básica: o debate em torno dos valores de liberdade, felicidade e igualdade está se restringindo ao tema da penalização, que é fundamentalmente, conservador".
Defende-se atualmente a penalização para tudo como se só isso fosse suficiente para restituir as vítimas e a sociedade como um todo, os danos causados a elas. Aqueles que mostram que a prisão é ineficaz, cara,desumana e degradante, são identificados como " defensores de bandido".
A proposta da autora é mostrar que devemos centrar esforços para construir outras formas de lidar com os que atentam contra os princípios dos direitos humanos, uma delas é tornar a própria sociedade intolerante com esse discurso meramente punitivo e exigir investimento na educação para a cidadania.
O anseio punitivo
O debate em torno da penalização não é um fenômeno isolado, segundo Singer, mas uma tendência da sociedade civil que emerge de um novo tipo de Estado, o Estado penal e policial, que vem ganhando contornos mais nítidos com o enfraquecimento do Estado caritativo, o qual tem por objetivo primeiro, reforçar os mecanismos de mercado e, notadamente, impor às populações marginais a rude disciplina do salário desqualificado.
Percebe-se hoje um processo de criminalização da miséria, que deu configuração ao Estado penal, o qual se apresenta sob duas formas: a transformação dos serviços sociais em instrumentos de controle e vigilância e o recurso massivo ao encarceramento.Nesta as idéias de reabilitação vão se enfraquecendo e as de repressão ganham apoio generalizado.
Dados internacionais e nacionais mostram que as taxas de encarceramentos cresceram em todo o mundo, o que não significou a redução das taxas de criminalidade. As populações marginalizadas passaram a ser alvo de dispositivos de repressão, como por exemplo toque de recolher, batidas policiais que contribuíram para o aumento da possibilidade de encarceramento deste segmento.
O fortalecimento do Estado penal responde assim não à criminalidade, mas aos efeitos causados pela redução do Estado caritativo, que gera insegurança e violência.
Outro fator destacado por Singer, é que "o encarceramento tornou-se uma verdadeira indústria do crime, com interesses econômicos próprios", que vão desde os serviços de construção de prisões até o fornecimento de equipamentos de segurança, alimentação, levando a grandes somas de dinheiro público e privado envolvidas na execução das penas. Essa indústria está em franca expansão porque existe uma abundância de oferta.
É importante ressaltar que no Brasil os estados dobraram seus gastos com presos e prisões. Existe uma mobilização em torno do endurecimento da lei em relação aos comportamentos desviantes, mostrando o anseio da população por punição, que acaba recaindo apenas sobre os mais pobres, pois o crime de colarinho branco continua passando incólume pela justiça.
No caso da violência doméstica contra a mulher devemos perguntar: porque uma reação punitiva seria mais adequada do que uma resposta não punitiva?
Se de fato desejamos construir novos cenários para promover a eqüidade entre homens e mulheres, devemos nos basear no respeito aos direitos humanos de todos os envolvidos nestas situações: mulheres, homens e familiares, pois a violência doméstica traz conseqüências nefastas a todos os membros da família, em especial aos filhos.
Outro ponto a considerar é que na sociedade contemporânea, a ordem jurídica por si só não tem sido eficaz para garantir a Paz . Na dinâmica social, onde as relações interpessoais são variadas, os meios convencionais de superação de conflitos já não satisfazem as atuais demandas, requerendo novos instrumentos de pacificação social condizentes com a rapidez e eficácia que a realidade requer.
Conclui-se, portanto, que o Sistema Jurídico normativo, binário, onde sobressai o dualismo, tem falhado na efetiva prestação jurisdicional, pois nem sempre a sentença judicial imposta resulta na solução do problema.
Segundo Bacellar, o modelo tradicional de jurisdição ainda carrega consigo a característica da conflituosidade (ganha/perde), enquanto surgem experiências que propõem um modelo consensual (todos ganham) para solução das demandas.
Neste contexto, sob a luz da recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, na tentativa de diminuir o distanciamento da comunidade e do Direito e pensando numa forma mais ampla de direito construída e legitimada pelos próprios usuários, surge a mediação como uma possibilidade não impositiva de compreender e reorganizar os conflitos trazidos no âmbito da justiça, aqui especificamente nas situações de violência contra a mulher, atualmente tratada como crime pela Lei Federal 11340/06, conhecida como lei Maria da Penha.
A mediação no judiciário
A mediação é um método por meio do qual uma terceira pessoa, especialmente formada para este mister, colabora com as partes para resgatar ou restabelecer a comunicação a fim de compreender as raízes dos conflitos que se apresentam.
A mediação fundada no princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se como uma ferramenta capaz de traduzir o conteúdo da norma em concretude de comportamento humano superando a visão dogmática tradicional da justiça.
A prática da mediação traz o resgate da cidadania a partir do momento em que o indivíduo toma para si, através de sua vontade, a condução de seu destino de forma livre, através de um processo mais rápido e menos oneroso, porque possibilita às partes envolvidas participarem da busca de solução tornando-os co-responsáveis pela mesma.
A mediação familiar, conforme Barbosa propicia a recuperação das relações afetivas, promovendo a recuperação do abandono afetivo decorrente da comunicação inadequada que se desenvolveu na reorganização da família, permitindo uma real mudança na dinâmica das relações familiares.
Como bem diz Márcia dos Santos Eira "apresenta a possibilidade de se dar a cada um aquilo que é seu, não através de soluções impostas, mas sim consensuais", o que a nosso ver significa uma mudança de paradigma e uma alternativa para que às partes em conflito construam suas próprias soluções.
A mediação tem aplicabilidade em vários contextos relacionais: famíla, escola, instituições, empresas, comunidade tendo em vista o reconhecimento da autonomia da vontade dos interessados e da sua capacidade de resolução de seus próprios conflitos. No âmbito familiar ela foi concebida inicialmente para prevenir os danos causados por divórcios litigiosos, mas atualmente ela pode ser aplicada em todas as situações de conflito familiar, inclusive nos casos de violência contra a mulher.
È justamente nestes casos específicos, onde sobressai o aspecto psicológico das partes, onde manifesta os ressentimentos e o desgaste mental gerado pelo processo é que a mediação atua como uma prática restaurativa, oportunizando às partes envolvidas expressarem seus sentimentos e desenvolverem um plano para reparar os danos ou prevenir novos acontecimentos, evitando assim a repetição de questões que não foram trabalhadas, reconhecidas e que passam de geração a geração.
É necessário, entretanto, diferenciar a mediação de práticas como arbitragem e conciliação: tanto uma como outra tem uma postura intervencionista, utilizando-se linguagem binária, com o objetivo de resolver o conflito.
A mediação por outro lado, utiliza a linguagem ternária, não contém julgamento e tem uma proposta mais ampliada de ver o conflito o qual tem várias motivações que podem ser conscientes e inconscientes que precisam ser reconhecidas. O conflito quando chega no judiciário ele tende a engessar, porque usualmente só é observado o nível sócio-jurídico. O que se busca na mediação é a transformação do conflito.
Outra diferença a ser ressaltada é em relação ao sigilo que atende a natureza da mediação, onde as partes envolvidas se sentem mais seguras para expressarem seus sentimentos, favorecendo também a possibilidade de ser desenvolvida a empatia, procedimento que requer um clima de privacidade e confiança.
Abre-se, portanto, um leque de possibilidades, não impositivas, sem juízos de valores. Não há verdades absolutas. Busca-se, através da intervenção ternária, o restabelecimento do diálogo, não só como um instrumento de paz, mas como uma possibilidade de novos entendimentos e como forma de prevenir novas contendas relativas ao mesmo problema.
Desta forma, entendemos que a implantação da prática da mediação no âmbito da justiça rondoniense será uma ferramenta inovadora no trato das questões familiares.
Torna-se de fundamental importância que os operadores do direito compreendam que os conflitos familiares quando chegam até o judiciário já ocorreu grande movimento da família, nem sempre expresso através de palavras, buscando reordenamento interno, clamando por ordem e justiça para suas dores.
É perceptível nas entrelinhas processuais a grande expectativa depositada pelas partes em um agente externo, no caso a decisão judicial, da mesma forma como vêem como "externa" sua própria história familiar, sendo comum verificar-se o sentimento de frustração e decepção que ela causa nos indivíduos, frente a não solução dos conflitos quando envolvem relações interpessoais, principalmente familiares.
Segundo Andolfi, trata-se portanto de um tema ético; espera-se do julgamento a "dissolução" definitiva da desordem e da injustiça.
Espera-se do profissional judiciário, que no atendimento dêem atenção aos aspectos subliminares presentes nas relações, como forma de evitar-se o reducionismo das demandas familiares.
Quando propomos implantar a mediação interdisciplinar como alternativa para estas questões, lembramos o que diz Maurizio Andolfi em seu livro o casal em crise."Almejamos deslocar o foco de atenção das famílias marcadas pela violência para dar maior importância às relações familiares", mesmo tratando-se de famílias em via de dissolução de contratos conjugais, vítimas de maus-tratos psicofísicos, porque a possibilidade de separação remete aos envolvidos a processos de múltiplas separações: emocional, física, financeira, das famílias de origem e da rede de amigos, além do psíquico. Estas etapas são simultâneas e ultrapassam o momento da legalização da separação.
Todo cuidado dispensado à família nesta fase de ruptura da própria história familiar, de fratura conjugal é enfatizado por Bowen e Boszarmenyi-nagy quando evidencia as conseqüências nefastas para o desenvolvimento psicoemocional dos filhos e os modelos relacionais futuros, sem querer "patologizar" em todos os casos a dor sempre presente na separação. Quando os filhos fazem parte desta história e ainda não ocorreu o divórcio emocional, há a possibilidade dos mesmos serem usados como objetos de barganha, possibilitando o surgimento de disfuncionalidades .
A mediação familiar contribuirá para a família fazer um balanço entre dívidas e créditos oportunizando-os voltar-se para o futuro focando o vínculo parental, sem perder de vista que não trata-se de uma intervenção psicoterápica, na medida que se propõe abordar os eventuais problemas concretos que surgem a partir da separação.
A proposta de atendimento
O trabalho ora apresentado deverá ser implantado no âmbito das varas criminais da comarca de Porto Velho, no estado de Rondônia, nos casos de violência doméstica contra a mulher, possibilitando uma abordagem interdisciplinar no atendimento as famílias.
A partir do encaminhamento do caso pela delegacia da mulher, independente dos procedimentos legais a serem adotados, a mediação poderá ser oportunizada durante a intervenção jurisdicional.
Outro momento previsto para o atendimento terá como foco conhecer e intervir no contexto psicossocial no qual está inserida a família, usando para tal instrumentais específicos do Serviço social e da Psicologia, os quais possibilitarão desenvolver um estudo minucioso da situação.
Fluxo do atendimento
Delegacia da mulher
Medida Protetiva > Ministério Público
Vara Criminal
Atendimento psicossocial > < Mediaçao Familiar
O Serviço de Mediação será facultado à família com base nos princípios deontológicos da mediação: "A mediação é um procedimento facultativo que requer concordância livre e expressa das partes concernentes de se engajarem numa ação (mediação) com a ajuda de um terceiro independente e neutro (mediador) especialmente formado para esta arte. A mediação não pode ser imposta. Ela é aceita, decidida e realizada pelo conjunto dos protagonistas".
Será um espaço onde o judiciário não terá que usar sua "espada", símbolo da coercibilidade e tem como objetivo primordial o resgate da dignidade humana, diante de situações onde o desrespeito e a violência estiveram presentes.
Segundo Jean Pierre Bonafé, a mediação surge também com o desaparecimento das estruturas tradicionais de regulação de conflitos. Ela cria um quadro de intervenção que antes de procurar o consensus , procura o dissensus (dissenção), ou seja efetua um trabalho de desconstrução de separação para reconhecer o outro na sua alteridade ou seja de criar uma intercompreensão. O encontro de mediação visa criar um quadro de intervenção que possibilita o reconhecimento do outro na sua alteridade.
Considera-se terapêutico a participação da vítima, mulher agredida, neste espaço de diálogo que passa de expectadora a protagonista de sua própria história e do agressor, que sem ser coagido, pode perceber o transtorno que seu ato acarretou para a vítima e sobretudo para sua família tendo a oportunidade de mudar o rumo de sua vida,na medida que lidará com questões inerentes ao momento de luto que a família está vivenciando.
Vale ressaltar que contrapondo ao sistema judicial tradicional, onde a escrita assume papel de destaque, nas sessões de mediação a palavra ganha destaque e neste momento, o juiz e o promotor não participam, sendo o conteúdo trabalhado sigiloso, de forma que qualquer declaração do infrator não poderá ser usada contra ele.
Outro aspecto a ser destacado refere-se à temporalidade, pois como a mediação não visa descongestionar os tribunais, o tempo decretado pelo magistrado para a suspensão do processo, enquanto às partes estão participando das sessões de mediação, pode não corresponder ao tempo necessário pelos mediados para restabelecer o diálogo nas relações.
Neste contexto, a natureza restauradora do círculo faz com que a sinceridade, transparência e diálogo sejam as peças que movem à pacificação do conflito, já que o afastamento do caráter apenas retribuitivo da pena, faça o agente do crime se sentir mais responsabilizado por seus atos. A participação dos envolvidos no problema traz uma solução mais eficaz, e estabelece metas para que o infrator possa se direcionar para o convívio social saudável.
Embora, nas ultimas décadas o Direito tenha evoluído bastante, trazendo mecanismos modernos e eficientes para aplicar a lei com justiça e possibilitar a recuperação do agente, ainda assim, algo mais poderá ser feito, de modo a prevenir as reincidências.
Reconhecemos que não há uma boa mediação e uma má justiça. È necessário acabar com modelos maniqueístas, não são modelos em oposição, são modelos complementares.
É importante lembrar que tanto na perícia como na mediação a conclusão sobre o caso acompanhado pode ser a mesma, o importante é levar à reflexão do juiz, a quem vai sentenciar, um olhar mais amplo sobre o conflito.
Para tanto, exige-se do mediador uma postura ética, onde não cabe o julgamento crítico, como também, é necessário que ele se aproprie de sua história de vida para que as suas ressonâncias pessoais não interfiram no processo, evitando prescrever o que é melhor para o outro. Ele deve atuar no sentido do empoderamento dos mediandos.
O profissional deve trabalhar na perspectiva de trazer um elemento novo que os mediandos não têm, a fim de transformar os conflitos criando outras possibilidades, além de possibilitar a parte se ouvir na voz do mediador.
O que se quer na mediação é a equalização do poder através da palavra fazendo com que o atendimento seja sempre voltado para as partes e nunca individual.
Nesta perspectiva ela trabalha a cultura de paz considerando que o ser humano deve ser reconhecido em suas possibilidades e dificuldades , visando alcançar pequenas mudanças para alterar a realidade.
Enfim, é hora de dar cor ao judiciário, inovar, inovar, inovar...agregando saberes através de intervenções interdisciplinares.Como diz Roberto Portugal Bacelar "abrir as portas da Justiça é uma prioridade; entretanto, incentivar a saída da justiça com soluções pacíficas gerais é uma necessidade"
O grande desafio então para o judiciário, no tocante às decisões que envolvem conflitos de famílias, é aplicar a lei tendo a consciência de que o homem é sobretudo um ser afetivo.
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