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Do não enriquecimento indevido da mãe, decorrente de gravidez não planejada pelo pai
“Não almejo estimular convicção. Almejo estimular o pensamento e perturbar preconceitos.”
Sigmund Freud
Torna-se cada vez mais comum, em nossa sociedade, o hábito de “ficar”. O relacionamento sexual já não decorre de um projeto de vida em comum, de amor ou até mesmo de afeto. E não raro, deste relacionamento surge uma gravidez. Nove meses depois, nossas já congestionadas Varas de Família recebem mais uma ação de alimentos — muitas envolvendo também o pedido de reconhecimento de paternidade —, em que à evidente falta de desejo de formar uma família soma-se o manifesto abuso na cobrança de alimentos contra o pai — e até mesmo contra o avô.
São comuns os casos em que, baseando-se na condição econômica do ramo paterno, os alimentos são arbitrados na casa dos milhares de reais para um único filho recém-nascido, decisão que se transforma comumente em instrumento de ascensão social, verdadeira “ficada premiada”.
Diante desse paradoxo, questiona-se: a lei deve tomar partido das mães que engravidam sem qualquer planejamento, e sem o consentimento do pai? Essa posição realmente ajuda a criar famílias unidas e a estimular os laços de afeto entre pais e filhos? Não seria o caso de se estabelecer um critério diferencial entre os alimentos prestados aos filhos nascidos de um casamento — ou de uma união estável — e os alimentos prestados aos filhos oriundos de uma relação fortuita, máxime quando esta foi mantida com claro indício de se tirar proveito da situação econômica do pai?
É indiscutível que o filho não pode ficar sem alimentos. Desejada ou não a concepção, impõe-se o dever de alimentar. O valor, contudo, deve ser repensado. Na hipótese, não se trata de “direito de família” — pois claramente não houve a intenção de formá-la! —, mas sim de mero dever social. Esta obrigação, a meu ver, deveria ter por base o rendimento da mãe, e não o do pai. Assim, por exemplo, se a mãe ganha salário mínimo, esta é a sua condição para manter o filho. Este parâmetro deveria ser considerado na fixação dos alimentos, sendo repartido em partes iguais, pouco importando o rendimento do pai.
Claro está que, se forem criados os desejáveis laços de afeto e o pai quiser dar mais que a quantia fixada, todos sairão ganhando. Mas esta é uma situação bastante diferente da que ocorre quando da exigência de alimentos sob as penas coercitivas da lei, situação em que, como se sabe, é mais fácil o juiz mandar prender o “mau pai” que o “bom ladrão”.
É hora de se dar um “basta” ao enriquecimento indevido da mulher que engravida para se aproveitar da situação financeira de um homem que não deseja esse filho, e que com esse comportamento transforma o filho em um explorador involuntário do próprio pai, com abusos e exageros. A prática forense mostra que os alimentos, além de proverem o sustento do filho, freqüentemente proporcionam luxos à guardiã do menor e administradora da pensão.
Sem dúvida, o art. 227, § 6.° da Constituição Federal, e o artigo 1.596 do Código Civil apontam para a igualdade de filiação. Sabe-se que os julgados mandam que prevaleçam os rendimentos do pai na fixação da pensão; daí, a questão de diminuí-la por não ter havido seu consentimento para a concepção soa como uma heresia, pois “ninguém pediu para nascer”, “o nenê não tem culpa” etc. Contudo, não seria o caso de se repensar esta orientação, apontando-a para deveres iguais para ambos os sexos, quando do processo de alimentos, e tomando-se como base o padrão daquele com menos recursos, nos casos em que a concepção não foi precedida de união estável?
Afinal, todas as crianças merecem nascer em uma família na qual homem e mulher se juntam com o objetivo e a consciência das realizações e sacrifícios inerentes ao processo de paternidade e de maternidade. Aplicar a tese do enriquecimento ilícito por parte daquela que engravida e usa a criança como caça-níqueis, não é ser contra a família, mas sim encarar a paternidade e a maternidade conscientemente, e como decorrência da decisão conjunta do casal, como um valor a ser reconhecido e tutelado por lei.
Desestimular qualquer tipo de vantagem para a mãe que engravida de maneira não desejada pelo pai é uma ferramenta importante para coibir um comportamento anti-social, e contrário à idéia da verdadeira família.
Deve-se levar em conta, sobretudo, que o direito de família é o mais dinâmico de todos os direitos, e que, se há cem anos falássemos em equiparação de direitos entre a união estável e o casamento, esta seria tomada como idéia de um apedeuta. E hoje, no entanto, a igualdade entre ambas as situações é uma garantia constitucional. Isto sem falarmos em casamento entre pessoas do mesmo sexo, que, se ainda não é aceito em nossa legislação, já é comum em vários países.
Está lançada a discussão. Desde a epígrafe deixei claro que não desejo afirmar verdades. Pretendo apenas alimentar o debate.
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