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As espécies de guarda, a questão da alienação parental e o abandono afetivo no direito das famílias
As espécies de guarda, a questão da alienação parental e o abandono afetivo no direito das famílias.
Kelly Moura Oliveira Lisita [1]
RESUMO
O referido artigo tem por objetivo suscitar um tema gerador de muitas polêmicas e dúvidas na seara do Direito de Família: a guarda unilateral e a alienação parental. A guarda compartilhada tem sido aplicada com o intuito de não somente prevenir mas também solucionar práticas desrespeitosas e abusivas contra a criança e o adolescente vitimizados pela ausência de discernimento do pai ou mãe inconformados com a ruptura da dissolução conjugal,principalmente quando uma terceira pessoa foi considerada a causadora da dissolução.Sem medir esforços ,o genitor alienante inicia um processo de desqualificação em desfavor do outro genitor em relação ao menor,que passa a sofrer distúrbios psicológicos e apresenta reações físicas diversas. Infelizmente a guarda unilateral na maioria das vezes foi uma grande colaboradora para o referido abuso moral.
Palavras chave: Guarda, menor, alienação, síndrome, respeito, sentimentos
ABSTRACT
The purpose of this article is to raise a theme that generates many controversies and doubts in the area of Family Law: unilateral custody and parental alienation.
Shared custody has been applied in order not only to prevent but also to solve disrespectful and abusive practices against the child and the adolescent victimized by the lack of discernment of the father or mother dissatisfied with the rupture of the conjugal dissolution, especially when a third person was considered The cause of the dissolution. Without measuring efforts, the alienating parent initiates a process of disqualification of one parent relative to the other before the minor, who undergoes psychological disorders and presents diverse physical reactions.
Unfortunately the unilateral guard most of the time was a great collaborator for the referred moral abuse.
Keywords: guardian, minor, alienation, syndrome, respect, feelings
1- Introdução
O Direito Civil Brasileiro objetivando tutelar o direito da criança e do adolescente preocupou-se em tratar da guarda dos mesmos tendo como interesse maior protegê-los e coibir qualquer conduta que lhes desabone seja física ou psicologicamente.
Infelizmente muitos genitores não sabem distinguir o seu papel como autores no exercício do poder familiar quando se vêem inconformados com a dissolução da sociedade conjugal e como consequência disso passam a ter determinadas condutas em que a parte mais frágil e prejudicada são os próprios filhos.
Com o objetivo de estabelecer igualdade na divisão das tarefas dos genitores com os pupilos e para prevenção e solução do processo de alienação, o legislador criou a figura da guarda compartilhada, que desde então tem sido a regra geral quando os pais não possuem uma relação amigável entre si, mas que também pode ser requerida por ambos ou um deles quando a amizade prevaleceu em benefício ainda que por conta dos filhos.
Para o Direito das Famílias deve prevalecer o interesse do menor, no sentido de seu bem estra ser presevado, nele incluídos seus sentimentos, seu estado emocional e consequentemente físico.
No Brasil temos duas espécies de guarda, a unilateral e a compartilhada, sendo essa última confundida com a guarda alternada.
2-Poder Familiar e Guarda
Compreende-se por poder familiar ou autoridade parental o conjunto de direitos e deveres inerentes aos pais no que concerne à criação dos filhos, sejam biológicos ou adotivos.O Código Civil de 2016 utilizava-se da expressão “pátrio poder” para designar que os pais como figura paterna, tinham responsabilidade pelos filhos e que a mulher era também submissa aos seus cuidados e ordens.
Atualmente o poder familiar é exercido pelos pais (Figuras paterna e materna) e na ausência deles, pelo tutor ou curador, enfim por quem legalmente seja responsável pelo menor, abrange cuidados materiais, morais e tambem afetivos.
Importangte destacar que a tutela é o instituto que protege o menor em caso de orfandade, destituição dos pais do poder familiar ou ainda pais declarados judicialmente ausentes.Já a curatela protege o maior incapaz.
Nesse sentido é importante transcrever o artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Poder Familiar será exercido em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de divergência recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da lide”
A legislação civilista pátria dispõe atualmente de duas espécies de guarda: a unilateral e a compartilhada, in verbis:
Artigo 1583. ”A guarda será unilateral ou compartilhada”.
§1ºCompreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (Artigo 1584, §5º), por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernente ao poder familiar dos filhos comuns.
“A guarda unilateral perdurou com mais ênfase até o advento da lei 11.698/08, quando muitos casos de alienação puderam juridicamente ser comprovados e a guarda compartilhada ou conjunta passou a ser a modalidade preferível em nosso sistema, passando então com alei 13058/2014 a ser o regime prioritário, salvo manifestação de recusa expressa”, conforme aludem PABLO STOLZE GAGLIANO E RODOLFO PAMPLONA FILHO (2017, p.1338)
Na guarda compartilhada ambos genitores deverão ter um equilíbrio na convivência com a prole, que inclusive será domiciliada na comarca que melhor atender seus interesses, trata-se, pois, de modalidade de responsabilização aplicada pelos juízes das Varas de Família com a finalidade de estabelecer igualdade entre os pais no que pertine à educação dos seus pupilos e para que findassem de forma considerável casos de Alienação Parental.
Nessa espécie de guarda não há “divisão de casas”, ou seja, o menor não terá dois domicílios e outro genitor conviverá com mais frequência e assiduidade com sua prole, inclusive evitando que também ocorra o abandono afetivo e ou a alienação parental.
A guarda compartilhada não deve ser confundida com guarda alternada.Essa última é adotada nos países europeus, assim como a guarda por nidação ou aninhamento.Exemplo de guarda alternada ocorre quando o menor passa quinze dias com a mãe e os outros quinze dias com o pai ou ainda em alternância seis meses com um genitor e os outros seis meses com o outro.
Acreditam várias pessoas que somente ex casais que mantém relação amigável teriam legitimidade para requerê-la, no entanto a guarda compartilhada pode ser deferida pelo juiz quando requerida em consenso pelos genitores ou quando não há possibilidade de acordo entre os mesmos.
O pedido de guarda pode ser feito por casais que não tenham sido casados ou por aqueles que estejam pleiteando o divórcio,desde que haja a cumulação do pedido na Ação de Divórcio.Importante observação deve ser feita no sentido de que quando houver filhos menores ou maiores incapazes o divórcio deve ser feito via judicial em decorrência da presença Ilustre do Ministério Público,que atuará como custus legis,ou seja fiscal da lei para que haja os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos sejam respeitados e aplicados conforme a lei.
3-Alienação Parental
Alienar significa transferir.No caso da alienação parental o que ocorre é a transferência de sentimentos negativos e vingativos de um genitor em relação ao outro, tendo como pessoa receptiva de tais sentimentos, os próprios filhos daqueles que um dia tiveram inacreditavelmente, um relacionamento baseado no amor, nas trocas de carinho.
A referida expressão foi criada por um professor do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade da Colômbia e médico psiquiatra chamado Richard Gardner, no ano de 1985,que por intermédio de estudos e pesquisas verificou que crianças e adolescentes filhos de pais separados desenvolviam comportamentos diferenciados .O referido médico em seus estudos pôde comprovar que existiam os níveis I,II E III da Alienação,sendo que no primeiro nível ou estágio a dificuldade fazia-se presente quando da troca de genitores,já no segundo estágio o alienador utilizava argumentos prejudiciais e maldosos em relação ao genitor alienado e no estágio três os filhos já estavam em estado de pânico só de imaginar que poderiam ter contato com o genitor alienado. (STOLZE E PAMPLONA FILHO 2017, p.1343-1344)
Alienação Parental está prevista pela lei 12.318 de 26 de agosto de 2010 e é a descaracterização negativa de um genitor em relação ao outro com a intenção de ocasionar o afastamento do genitor alienado de sua prole.A criança e o adolescente sofrem interferência em sua formação psicológica podendo desenvolver inclusive sequelas de natureza física manifestadas pelas doenças ditas psicossomáticas.A legislação civil brasileira compreende que tal conduta constitui abuso moral e absurdo descumprimento dos deveres atribuídos à autoridade parental ou nas relações decorrentes do exercício da tutela ou guarda.
Importante esclarecer que a tutela e a curatela são institutos do Direito Civil e constituem um múnus público.Quando o menor se tornou órfão ou se os genitores foram destituídos do poder familiar é cabível a tutela; quando o assunto recai sobre os maiores incapazes temos a aplicabilidade da curatela.
Em relação ao processo da alienação, engana-se o genitor alienador ao acreditar que seria impossível detectar traços dessa conduta perniciosa. Felizmente o PoderJudiciário pode contar com o auxílio de uma equipe multidisciplinar,como a atuação dos conselhos tutelares,dos psicólogos e assistentes sociais.Havendo pois indícios de alienação poderá o juiz solicitar perícia psicológica ou laudo biopsicossocial cujo prazo para sua apresentação será de 90 dias.O psicólogo tem legitimidade para realizar perícias psicológicas e consequentemente é um grande colaborador para a detecção da alienação e é extremamente habilitado para com certeza esclarecer quando há alienação parental ou caso de abandono afetivo.
No abandono afetivo o outro genitor não é participativo na vida da prole, ou faz-se presente raramente e nessa situação, tal genitor não poderia alegar ser vítima de alienação, haja vista não contribuir para o processo de formação da personalidade e caráter de seu pupilo, por não lhe dispensar a atenção e o cuidado devidos.
A avaliação feita por psicólogo analisará a forma como procedeu o relacionamento entre os pais, desde o dia em que se conheceram até como findou o relacionamento, entrevista pessoal, exame dos autos, a forma como o menor se apresenta diante da desqualificação feita ao outro genitor, análise do contato do menor com cada genitor.
São exemplos da prática da alienação, à luz do artigo 2º da lei 12.318/2010:um genitor achincalhar o outro diante do menor ,não permanecer com o menor em casa no horário de visita do pai com o mesmo com a intenção de prejudicar tal convivência, dizer ao menor que todo o presente que o pai lhe oferecer é para recusar(alimentos contaminados),não permitir que os avós paternos visitem o neto,contar mentiras sobre o pai ou outro genitor colocando-o como pessoa maldosa,mudança do local de endereço para que ocorra o afastamento,apresentação de falsas denúncias contra o outro..Míster faz-se observar que é mais comum que a mãe era com mais frequência, autora da alienação,pois antigamente era a mesma quem exercia a guarda unilateral .
Conforme o artigo 6º da lei 12.318/10, quando caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - Declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - Ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.
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4- Da Síndrome da Alienação Parental- SAP
Conhecida como “SAP”, a Síndrome da Alienação Parental é o conjunto de sequelas verificadas no âmbito psicológico e físico pertinentes às vítimas da Alienação Parental.
Citemos, pois, alguns exemplos das sequelas da síndrome: baixa estima, depressão, complexo de inferioridade e rejeição, ansiedade, isolamento, insegurança, insatisfação pessoal, propensão ao suicídio, fugas do domicílio e da vida real, impossibilidade de relação estável na fase adulta, transtornos de identidade, dupla personalidade
Na fase da adolescência o menor manifesta interesse por embebedar-se ou ainda fazer uso de substâncias entorpecentes como forma de fugir do complexo de culpa que o ronda em decorrência da verificação que foi vítima da alienação e por ter agido de forma negativa com o pai ou a mãe alienada.
O tratamento para o menor alienado consiste em psicoterapias e utilização de remédios como antidepressivos e antisiolíticos a serem ministrados por um médico psiquiatra, em casos mais graves.
4-Considerações Finais
Concluie-se, pois, que o presente artigo teve como séria missão colaborar para o entendimento do quão é necessário o Estado por intermédio de seus legisladores abraçar as inúmeras causas que envolvem crianças e adolescentes por vezes vítimas de seus próprios genitores, imaturos e despreparados para enfrentarem situações que culminam em ruptura da sociedade conjugal e que fazem de seus pupilos objetos de aplicação de vingança.
A Alienação Parental é um abuso de natureza moral e que traz sequelas muitas vezes irreversíveis tanto ao menor alienado como também em relação ao outro genitor que inevitavelmente também é vítima da referida alienação.
A decisão judicial favorável a guarda compartilhada visa proteger e defender os interesses em primeiro lugar do menor e não a vontade por vezes egoísta de um dos genitores.
Estimular aos pais que ambos são importantes na criação dos filhos para que os mesmos tenham segurança, auto estima e tenham personalidade e poder de decisão é um dos objetivos da aplicabilidade da guarda em questão. Dissolve-se o casamento, a união estável mais jamais o elo entre pais e filhos.
O exemplo da boa convivência entre ex cônjuges é grande fator contribuinte para a boa educação dos filhos, para a formação de seu caráter e discernimento em relação às questões familiares que o envolvem.
Tanto alienação parental como abandono afetivo são situações repugnantes na criação da prole.A maior vítima inclusive são os filhos, que sofrem muitas vezes calados, mas tem seus entimentos exarados em decorrência da já mencionada SAP Síndrome da Alienação Parental.
Referências bibliográficas
_______, Alienação Parental Lei n.12.318, de 26 de agosto de 2010
Disponível em http://www.planalto.gov.br
Brasil, Código Civil, lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Saraiva,2015
______, Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069, de 13 de julho 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona.Manual de Direito Civil, Editora Saraiva, 2017.p,1338-1343.
[1] Advogada.Pós-Graduada em Docência Universitária pela UCAM RJ.Pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UCAM Prominas.Docente Universitária nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em Educação à Distãncia.Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB GO.
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