Direito de Família na Mídia
Publicação de apelido (Hélio Bicha) gera reparação por danos morais
31/05/2005 Fonte: Espaço Vital em 01/06/05A simples reprodução, no jornal, das informações constantes do processo ou do boletim de ocorrência policial se insere no exercício do direito de informar. Mas, ao reproduzir o apelido do autor com evidente propósito econômico, a empresa jornalística atua com abuso de poder e fere o direito dele ao segredo da vida privada. Essa conjunção leva ao dever de reparar os danos morais causados.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do STJ, com base em voto da ministra Nancy Andrighi, acolheu, por maioria, recurso de pecuarista do interior de Minas Gerais, para garantir-lhe indenização de R$ 5 mil, a ser paga pela Empresa Jornalística Santa Marta Ltda.
O pecuarista ingressou em Juízo alegando haver sido surpreendido com manchete ("Hélio Bicha é preso a 550 km de Passos") de primeira página do jornal Folha da Manhã, editado pela empresa Santa Marta Ltda. O adjetivo "Bicha" foi usado não só na manchete, mas também duas vezes no corpo da matéria. O jornal é de grande circulação não apenas na cidade, mas em todo o sul e sudoeste de Minas Gerais.
A sentença julgou procedente em parte o pedido, condenando a empresa jornalística ao pagamento de reparação de R$ 16,2 mil, a título de danos morais. A 6ª Câmara Cível do TJ de Minas Gerais acolheu a apelação da empresa jornalística e julgou improcedente a ação. Conforme o acórdão, "não constitui abuso da liberdade de imprensa, nem gera qualquer obrigação de indenizar a publicação de notícia veiculando o apelido que consta não só do inquérito policial, mas da própria denúncia apresentada contra o acusado pelo Ministério Público Federal".
Para o tribunal mineiro, se o apelado já era conhecido no meio policial por aquela alcunha e nessa condição foi denunciado pelo Ministério Público, é evidente que a notícia publicada pelo jornal não foi o único veículo a torná-lo afamado por esse cognome. "Não houve, portanto, qualquer violação da lei de imprensa ou qualquer abuso de poder na publicação, que se limitou a publicar apenas o que constava de documentos oficiais, sem nada inventar e sem extravasar qualquer sentido pejorativo ou depreciativo da preferência sexual do acusado" - resume o julgado.
No recurso especial, o pecuarista mineiro argumentou que, como destacou a sentença, a identificação do autor pelo apelido sem dúvida é pejorativo e ofensivo à sua honra, pois - mesmo admitida a sua condição de homossexual - trata-se de uma condição de sua vida privada, que o autor pode, por exemplo, querer que seja preservada no anonimato.
Ao examinar o recurso, a ministra Nancy Andrighi argumentou que a questão examinada diz respeito ao exame conjunto de princípios assegurados pela Constituição Federal, como o da liberdade de imprensa em confronto com o direito ao segredo da vida privada, nenhum dos dois podendo ser considerado um direito absoluto, pois encontram limite no próprio sistema constitucional no qual estão inseridos. Para a ministra Nancy Andrighi, o caso envolve a necessidade de equilibrar as duas pontas da liberdade, aquela que preserva a dignidade da pessoa humana e aquela que garante a livre circulação da informação pela mídia.
Segundo seu voto, está evidenciado que o cognome "Hélio Bicha" somente se tornou efetivamente público após a sua utilização na manchete do jornal da recorrida, da qual decorreu ampla publicidade na identificação da condição de homossexual do autor, que antes era apenas reservada e interna nos meios policiais.
Ela também entendeu que o uso do apelido na manchete foi uma forma de marketing para aumentar a circulação e a leitura do jornal, em atitude que redundou em manifesto proveito econômico, feriu o direito do recorrente ao segredo de sua vida privada, divulgando desnecessariamente o "apelido" repugnado, incorrendo, portanto, em abuso de poder, pois é direito de todo cidadão manter a vida privada distante do exame e da murmuração pública.
A sentença foi restabelecida, mas fixando em R$ 5 mil a compensação devida pelos danos morais causados, em voto que foi acompanhado pelos ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros. Ficou vencido o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que mantinha integralmente o entendimento do TJ de Minas Gerais, pela improcedência da ação. (RESP nº 613374)