Direito de Família na Mídia
Sociedade e instituições acreanas reagem ao estatuto que exclui famílias ‘não tradicionais’
11/04/2018 Fonte: Página 20Aprovado na última quinta-feira, 5, na Câmara de Vereadores de Rio Branco, o Projeto de Lei que cria o Estatuto da Vida e da Família no âmbito municipal começa a ser alvo de reações contrárias da sociedade civil organizada e instituições públicas e de classe. Isso porque o PL limita o conceito de família para uma entidade formada por homem e mulher ou indivíduo solteiro que vive com um ou mais filhos. Assim, deixa de fora outros arranjos muito comuns na sociedade, como os formados por pessoas do mesmo sexo, avós com netos, tios com sobrinhos, padrinhos com afilhados, padrastos com enteados, entre outros.
Nesta terça-feira, 10, o movimento LGBT do Acre, acompanhado pelos vereadores Rodrigo Forneck (PT) e Eduardo Farias (PCdoB), que votaram contra a proposta, se reuniram com a procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), Patrícia de Amorim Rêgo, na sede do órgão, para solicitar apoio à tentativa de frear o avanço do projeto.
O PL de número 03/2018 está nas mãos da prefeita Socorro Neri. Em reunião com a gestora de Rio Branco na segunda, 9, Rêgo recomendou que o projeto seja vetado por ser inconstitucional. A prefeita já sinalizou que não apoiará o texto original do Estatuto. Porém, os vereadores já estariam se movimentando para derrubar o veto da prefeita.
“Nós, do MPAC, também vamos recomendar à Câmara que não derrube o veto. Se o fizer, vamos entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)”, garantiu Rêgo. De acordo com a procuradora, são várias os equívocos do PL. O mais passível de ação seria o artigo 2, que trata da definição familiar, “totalmente contra o que o Supremo Tribunal Federal deu como interpretação do que é família. Isso fere o princípio de igualdade”.
Em 2011, o STF votou para excluir qualquer interpretação da Constituição e Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como família. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que obriga os cartórios a celebrarem o casamento civil, dando a esses arranjos todos os direitos familiares, como divisão de bens, herança e sucessão e seguridade social, o que gerou jurisprudência para que o conceito de família fosse ampliado.
REAÇÃO SOCIAL
Embora ainda não tenha se manifestado sobre o mérito do PL, a Ordem dos Advogados do Brasil no Acre (OAB-AC), por meio das comissões da Diversidade Sexual e de Assuntos Legislativos, informou que vai estudar o projeto, a pedido do presidente Marcos Vinícius Jardim. O parecer jurídico será encaminhado à Diretoria da OAB-AC, que também avaliará a necessidade de uma Ação de Inconstitucionalidade para barrar o texto.
“Não existe apenas exclusão da família homoafetiva. O artigo do Estatuto exclui famílias recompostas e adotivas. Vários modelos não se encaixam nessa definição do projeto de lei, seja por questões de gênero, sexualidade ou arranjo”, afirmou, em entrevista a um site local, o presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-AC, Charles Brasil.
Nas redes sociais, muitos usuários compartilham conteúdos com os rostos, os nomes e os partidos dos 10 vereadores que votaram a favor do projeto que limita o conceito de família em Rio Branco. Vários eleitores do Emerson Jarude, Lene Petecão e Roberto Duarte cobraram dos parlamentares respostas acerca da votação favorável ao PL.
“É frustante saber que seu voto foi jogado fora. Sou eleitor e votei no Roberto Duarte Júnior. Peço que a comunidade LGBT me desculpe pela minha contribuição para essa agressão à nossa cidadania”, disse um internauta, em seu perfil no Facebook. Um outro usuário da rede social também se manifestou. “Quero aqui pedir desculpas aos vários amigos LGBT por ter ido a suas casas pedir voto para a vereadora Lene Petecão”.
Grande apoiador do movimento de quadrilhas juninas da capital, onde há considerável presença de LGBTs, o vereador Juruna também está sendo criticado pelo seu voto.
Dentro do PT, partido que tem em seu estatuto uma das posições mais avançadas acerca da diversidade sexual, alguns militantes, especialmente da juventude, não escondem a insatisfação com o voto de Mamed Dankar, que tem seu mandato pelo partido.
SOBRE O ESTATUTO
O Estatuto da Vida e da Família foi elaborado pela Associação dos Ministros Evangélicos do Acre (Ameacre) e aprovado por 10 votos a três, sem alterações. Ao versar sobre diretrizes de políticas públicas familiares, o PL deixa os núcleos tidos como não tradicionais de fora de uma série de conquistas a serem instituídas a partir da entrada em vigor do Estatuto.
Entre os direitos que podem ser negados a esses grupos enquanto entidade familiar está o de participar de políticas públicas voltadas à educação, saúde, alimentação, moradia, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania e convivência comunitária, segundo o próprio PL.
Entre os vereadores que apoiaram o PL estão Dankar (PT), Emerson Jarude (Livres), N. Lima (Sem partido), Clezio Moreira (PSDB), Célio Gadelha (PSDB), Juruna (PSL), Elzinha Mendonça (PDT), Artemio Costa (PSB), Roberto Duarte (PMDB) e Lene Petecão (PSD). Apenas Rodrigo Forneck (PT), Jakson Ramos (PT) e Eduardo Farias (PCdoB) votaram contra.
Polêmico, o PL foi colocado em pauta sem debate com a sociedade e os movimentos sociais, que só tomaram conhecimento da pauta na véspera da votação.
Para o presidente do Conselho Estadual de Combate à Discriminação LGBT, Germano Marino, todas as famílias que não se encaixam no conceito da Associação dos Ministros Evangélicos “sairão perdendo” com a aprovação do projeto. “Precisamos mostrar à sociedade acreana que não são apenas os LGBTs que saem perdendo. Nossa vinda ao MP é para que o órgão reconheça que a constituição é ampla e abrange todas as famílias”.