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Cinemas terão até 2021 para oferecer acessibilidade às pessoas com deficiência visual ou auditiva
O Senado Federal aprovou na última quinta-feira (28) a Medida Provisória – MP 917/2019, que adia adaptações para acessibilidade em cinema para pessoas com deficiência visual ou auditiva. O dispositivo estende até 1º de janeiro de 2021 o prazo para que as salas de cinema brasileiras ofereçam recursos adequados.
A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), relatora da MP 917/2019, apresentou voto favorável à medida e argumentou que, apesar de o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão - 13.146/2015) ter sido um avanço, ainda há muito a ser feito para o efetivo exercício da cidadania, especialmente quanto ao acesso aos bens artísticos-culturais.
O prazo inicial venceria em 1º de janeiro de 2020, mas o presidente da República, Jair Bolsonaro, editou a medida provisória para adiar o cumprimento da meta por mais um ano. O texto segue para promulgação.
Direito de todos
Membro da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o professor e promotor de Justiça Fernando Gaburri lembra que a Constituição Federal assegura educação, cultura e desporto ao elencar direitos sociais de todos os cidadãos.
“A Lei Brasileira de Inclusão – LBI prevê que a pessoa com deficiência tem direito ao acesso à cultura em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso a bens culturais em formato acessível; a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessível; e a monumentos e locais de importância cultural e a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais e esportivos (art. 42)”, destaca Gaburri.
Entretanto, o especialista aponta que as pessoas com deficiências sensoriais, como visual e auditiva, ainda sonham com o exercício pleno desses direitos, nem sempre efetivados pelo Estado como manda a lei. “As cenas mudas e os programas em língua estrangeira são exemplos de entraves para que as pessoas com deficiência visual possam ter pleno acesso à cultura; assim como a ausência de intérpretes da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS impede o exercício desse direito por pessoas surdas”, diz.
Descaso no cumprimento da lei
O Plano Nacional de Cultura, aprovado pela Lei 12.343/2010, tem entre seus objetivos a democratização do acesso aos bens de cultura, em conformidade à Constituição. Na mesma linha, o § 2º do art. 42 da LBI determina que o Poder Público adote soluções destinadas à eliminação, à redução ou à superação de barreiras para acesso a todo o patrimônio cultural. Em seu art. 46, § 6º, a LBI também prevê que as salas de cinema ofereçam, em todas as sessões, recursos de acessibilidade para a pessoa com deficiência. Para tanto, foi assinalado, no art. 125, II, o prazo de 48 meses a contar da entrada em vigor.
Aprovada na última semana, a MP 917/2019 adiou até 60 meses a obrigação das salas de cinemas de oferecerem recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência visual ou auditiva. “O texto da MP, já aprovado pelo Senado Federal, que será convertida em Lei, segue para promulgação daquele que fez questão de traduzir a cerimônia de sua posse como Presidente da República para a LIBRAS”, atenta Gaburri.
Ele lembra que a LBI foi promulgada e publicada em 2015, com prazo de vacatio legis de 180 dias de sua publicação oficial, o que ocorreu em janeiro de 2016. A partir dali, iniciou-se o prazo de 48 meses do art. 125, II, finalizado em janeiro de 2020. “Não obstante, no apagar das luzes do ano de 2019, às vésperas de se escoar o prazo para a adaptação das salas de cinema, entendeu o Chefe do Poder Executivo, alegando relevância e urgência, por conceder mais 12 meses para que essa adaptação seja feita. Lamentável não ter havido urgência para se cumprir o prazo da LBI, mas há urgência para se lhe adiar o vencimento”, critica o promotor.
Acesso à cultura está ligado ao exercício da cidadania
Segundo Fernando Gaburri, o acesso a bens culturais está intrínseco ao exercício pleno da cidadania. “O acesso à cultura faz parte da aquisição de conhecimentos gerais, imprescindíveis à formação de cada cidadão e que serão somados aos conhecimentos técnicos adquiridos ao longo da vida, necessários ao exercício de outros direitos fundamentais, a exemplo do direito à informação e do direito ao trabalho”, define.
“O direito à informação deve ser compreendido sob uma tríplice estrutura: direito de informar, de ser informado e de buscar informação. Por quaisquer desses ângulos, a cultura é pressuposto para o exercício desse direito. Quem quer informar terceiros, deve ter uma bagagem cultural a transmitir; quem está ao aguardo da informação, deve recebê-la de uma forma compreensível, para que possa ser informado; e quem busca informação, deve ter o mínimo de conhecimento de como, quando e onde buscá-la”, acrescenta Gaburri.
O promotor pontua ainda que o direito ao trabalho é qualitativamente exercido proporcionalmente à bagagem cultural de cada pessoa. “Aqueles que conseguem armazenar e transmitir mais informações geralmente exercem trabalho de melhor qualidade e ocupam postos mais elevados”, afirma.
Bens e serviços não são pensados para atender pessoas com deficiência
Além da adequação dos serviços prestados pelas salas de cinema, as pessoas com deficiências ainda carecem de uma infinidade de medidas que contemplem toda a pluralidade dessa população. “Os bens e serviços são pensados e desenvolvidos para atenderem pessoas que se encaixam em um determinado padrão, denominado de ‘normalidade’”, observa Gaburri.
“O acesso a obras literárias, culturais e didáticas em formatos acessíveis às pessoas com deficiência visual e auditiva ainda é um desafio que precisa ser superado; a formação de profissionais da educação para habilitá-los a lidarem com alunos com essas deficiências é outro ponto que deveria estar na ordem do dia”, destaca o promotor.
Ele aponta que, entre as inúmeras barreiras enfrentadas, a mais difícil de se superar é a atitudinal. “Muitas vezes ouve-se da iniciativa privada que ‘acessibilidade é lá com o Poder Público’. Além de ser uma inverdade, infelizmente o Poder Público ainda não atingiu o estágio de engajamento necessário para fazer concretizar, de maneira tempestiva e efetiva, os mais básicos direitos das pessoas com deficiência que, nos termos do art. 5º da Constituição, são iguais às outras sem deficiência, pela razão mesma de que todos são iguais”, conclui Gaburri.
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