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Casamentos homoafetivos cresceram 61,7 por cento em 2018; especialista comenta esse e outros dados do IBGE relacionados ao Direito das Famílias
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE divulgou, recentemente, os dados de Registro Civil relativos ao ano de 2018. A pesquisa apontou uma redução de 1,6% no total de casamentos civis em relação a 2017, mas houve um aumento de 61,7% no número de casamentos homoafetivos. A quantidade de divórcios também cresceu: 3,2%.
Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero, Maria Berenice Dias atribui a disparada de casamentos LGBTI à ascensão do então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Entre janeiro e outubro, a média era de 546 por mês. Após a eleição, só em dezembro, o número saltou para 3.098.
No ano passado, enquanto presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Maria Berenice advertiu quanto à possibilidade de retirada de direitos dessa população e alertou, a quem quisesse ter seus direitos garantidos, que se casasse o quanto antes.
“Fiz com a responsabilidade de quem se debruça há tanto tempo sobre esse tema. Havia sido eleito um Presidente da República confessadamente homofóbico, que é contra o reconhecimento das famílias homoafetivas”, diz a advogada.
“É claro que não haveria um recurso legal que ele pudesse utilizar logo após a posse para, eventualmente, impedir os casamentos, mas existem medidas provisórias e a possibilidade de decretos que serviriam para esse fim. Mais de uma vez, o presidente fez uso de ferramentas impertinentes a essa matéria”, acrescenta.
Retrocessos ainda são uma ameaça
Ainda hoje, Maria Berenice acredita que o cenário não é totalmente sólido para essa população. “A concessão de casamento e demais direitos está exclusivamente chancelada pela Justiça, que também pode mudar seus posicionamentos, a exemplo da mudança da orientação do Supremo Tribunal Federal - STF a respeito da prisão em segundo grau”, alerta.
Para a advogada, os números do IBGE revelam que seu posicionamento no ano passado, considerado alarmista por alguns, era mais que adequado. “Eram importantes essas formalizações e as pessoas fizeram bem em assumir responsabilidades, ter seus relacionamentos reconhecidos e tutelados juridicamente”, opina.
“Nesta situação insegura que passamos a viver, com ameaças, inclusive, de ‘ministros do Supremo terrivelmente evangélicos’, o casamento continua sendo a saída quando as pessoas quiserem ter assegurados os seus direitos”, acrescenta Maria Berenice.
Queda de casamentos e aumento de divórcios
O IBGE também indicou queda de 1,6% no número total de casamentos entre 2017 e 2018, enquanto os divórcios cresceram 3,2% no mesmo período. Para Maria Berenice, os dados apontam uma “dessacralização” do casamento. “Havia aquele sonho do amor eterno, de que casamento é a única solução da vida, e, em boa hora, está deixando de ser assim considerado”, afirma.
A fluidez das relações é vantajosa, segundo a jurista, principalmente às mulheres, que já não se submetem às relações abusivas unicamente para manter o status de casada.
A decisão do STF, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil por um tratamento igualitário para cônjuges e companheiros na concorrência sucessória, acabou os equiparando em todos os efeitos, de acordo com Maria Berenice. Para ela, esse fator pode ter sido determinante para a queda nos casamentos.
“O fundamento (do STF) foi de afronta ao princípio da igualdade. Então, tudo que casamento tem, união estável também tem. Não haveria muita razão de formalizar novas uniões se a união estável tem a mesma proteção”, analisa a jurista. “Só cabe atentar que a proteção ainda não é a mesma. Sem fazer apologia, o casamento ainda dá um pouco mais de segurança.”
“Em termos de direito previdenciário, tenho como inconstitucional a distinção que é feita, que o cônjuge sobrevivente, viúvo, recebe direito da pensão previdenciária bastando a prova do casamento. Na união estável, além da prova concomitante à união, também precisa haver a prova de dependência econômica”, distingue.
Guarda compartilhada é caminho no combate à violência doméstica
A guarda compartilhada foi determinada em 24,4% dos 166 mil divórcios concedidos a casais com filhos menores, em 2018. No ano anterior, essa proporção havia sido de apenas 7,5%.
“Cada vez mais tem-se a participação dos homens no cuidado dos filhos, numa contingência até do mundo moderno, em que as mulheres também participam do mercado de trabalho e também são provedoras do lar”, avalia Maria Berenice.
A igualdade entre homens e mulheres, principalmente no cuidados dos filhos, é fator determinante para reversão dos números da violência doméstica, segundo a jurista. “O poder indistinto entre pai e mãe trará reflexos significativos em relação tanto à violência doméstica quanto aos crimes de feminicídio, que só aumentam no País.”
Responsabilidade da mãe ainda predomina
Apesar do avanço quanto à guarda compartilhada, o IBGE registrou que as mães ainda predominam na responsabilidade da guarda dos filhos, com uma proporção de 65,4% sobre os homens. A porcentagem evidencia uma realidade cultural e histórica de discriminação da mulher, segundo a vice-presidente do IBDFAM.
“Os filhos sob a guarda da mãe é o mais usual, porque as mulheres ainda têm o sentido de propriedade, porque os carregou em sua barriga, embalou por tanto tempo... Mas esse é um dado da cultura, não da natureza. Crianças podem ser cuidadas tanto por um quanto por outro, em igualdade de condições”, defende a advogada.
“Como existe esse ranço ainda cultural e histórico, as mulheres têm muita dificuldade em eventualmente abrir mão do estabelecimento da residência com ela, porque sempre serão questionadas: ‘o que tu fizeste que seus filhos não estão contigo?’”, observa.
Segundo ela, o conservadorismo incide, também, na Justiça, cuja imediata tendência é manter a guarda sempre com a mãe. A não ser, contudo, que haja prova de que a progenitora não tem condições para isso, em mais um tratamento discriminatório.
Apesar desses e de outros problemas ainda com necessidade de enfrentamento, Maria Berenice avalia que a pesquisa do IBGE aponta um cenário de evolução para a sociedade brasileira.
“Os dados mostram que a família vai bem, obrigada. As mulheres casam mais tarde, têm filhos mais tarde, entram e também saem das relações. Isso sinaliza que estamos vivendo em uma sociedade mais plural”, conclui.
Fonte das informações: Agência de Notícias
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