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“Família é o ambiente onde você encontra abrigo”. Confira entrevista com o jornalista Marcos Piangers
“Eu acredito que a presença dos pais faz uma diferença brutal na formação de um ser humano. Eu acredito que homens não são treinados para serem pais e que falta representatividade nesse meio. Eu acredito que um pai participativo pode melhorar a vida da mãe, do filho e dele mesmo”, diz um trecho do manifesto de Marcos Piangers disponível em piangers.com. O jornalista catarinense ainda se apresenta como “filho de mãe solo e pai da Anita e da Aurora”.
Autor do best-seller "O Papai é Pop", com 250 mil livros vendidos no Brasil, Portugal, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, Marcos Piangers levanta questões como a participação mais efetiva do pai na criação dos filhos e a valorização da mulher. Ele começou a falar e compartilhar sobre paternidade quando virou pai, em 2005. De lá para cá, atingiu a marca de 3,5 milhões de fãs no Facebook e Instagram e 185 mil inscritos no seu canal no Youtube. Alguns de seus vídeos têm mais de 400 mil visualizações. Ao portal do IBDFAM, Marcos Piangers falou sobre afeto e construção familiar. Confira:
O que te inspirou a começar a falar e compartilhar sobre o tema paternidade?
Desde que eu fui pai, em 2005, comecei a notar algumas reflexões, alguns acontecimentos e algumas histórias que eu vivia perto das minhas filhas e, claro, nesse período muita coisa bonita, divertida e também assustadora aconteceu na descoberta de um homem na condição de pai. Condição esta que não somos incentivados, que em momento algum somos preparados. Para você ser um homem participativo, tem que passar por uma série de obstáculos sociais. Os ideais masculinos são todos relacionados a um homem bem-sucedido, que ganha muito dinheiro ou o popularmente chamado “pegador”, o cara que é treinado só para namorar a maior quantidade de mulheres possível. Nessa trajetória de aprendizado perto das minhas filhas, fui aprendendo que ser homem é uma coisa diferente. Você pode ser homem e ser carinhoso, atencioso, vulnerável, amoroso, isso não faz de você menos homem. Pelo contrário, faz até de você mais homem.
Imaginava o sucesso que seria o livro "O Papai é Pop"?
Quando o livro foi lançado, em 2015, a gente fez uma aposta com a editora de quantos livros seriam vendidos. Eu apostei 200 livros e, hoje, a gente está com uma vendagem de 250 mil cópias. Não tinha como imaginar o sucesso do livro, até porque a gente vive num país com 20 milhões de mães solo, que fazem toda a criação do filho ou da filha sozinhas. Me parecia, na época, um assunto muito irrelevante, mas o livro encontrou uma audiência nas pessoas que acreditam que é possível formar famílias felizes, e com a participação efetiva do homem em todas as áreas da criação dos filhos.
Como se sente agora que o livro vai ser adaptado para o cinema?
Meu grande objetivo com esse filme é que a mensagem do meu livro e dos meus vídeos alcancem mais pessoas: a ideia de que, se você abandona o seu filho, se você não participa da sua família, quem está perdendo é você. A ideia de que um homem pode, sim, ser um agente participativo e transformador na construção familiar.
Na sua opinião, os laços de afeto coexistem com os biológicos?
Acho que podem coexistir, mas não é uma premissa absoluta a existência de uma ligação genética e a existência imediata do afeto, do carinho, da sensação de segurança, do abrigo que pressupõe uma construção familiar. Família é o ambiente onde você encontra abrigo, orientação e, em muitos casos, essa família é uma família adotiva, é uma família não convencional, uma família que não é biológica. Portanto, eu acho que biologia e afeto não estão necessariamente ligados.
Qual a importância da socioafetividade?
A socioafetividade é fundamental para o senso de construção social. Porque no momento que a gente diz para uma criança que tudo que ela é, é derivação biológica, no momento que a gente mostra para uma criança uma árvore genealógica e diz: você é a junção desses galhos que vieram da sua parte materna e desses galhos da sua parte paterna, você está ignorando a existência da influência de outras pessoas, de outros elementos familiares. Se você parar e pensar, muitos padrastos, madrastas, muitos avós, alguns irmãos são pais de verdade, são cuidadores, são uma construção familiar de afeto que, muitas vezes, não respeita essa construção típica, convencional.
Para o Direito brasileiro, afeto é mais que sentimento, é valor jurídico que permeia as relações familiares. Essa compreensão possibilitou que famílias, antes excluídas, fossem tuteladas pelo Estado, como as famílias socioafetivas e as multiparentais. Como você vê essa nova concepção?
É importante que todos nós reconheçamos essas famílias, porque a gente está querendo a proteção da construção familiar, uma construção familiar que oferece orientação e afeto para as crianças; condições das famílias serem bem estruturadas e manterem seus laços protegidos legalmente. O que eu percebo é que muitas pessoas que dizem defender a família não defendem a família, defendem só um tipo de família. É muito importante que a gente defenda todos os tipos de famílias e que priorize o cuidado com as crianças, o respeito, a orientação, o afeto para dar condição dessa criança ser tudo aquilo que ela pode ser.
Estima-se que, atualmente, mais de 50 mil crianças e adolescentes vivam em situação de abrigamento no País. Um dos gargalos desse problema é que a lei (ECA) dá prioridade absoluta à família biológica e, assim, passam-se anos em busca de uma família biológica enquanto a criança que poderia ser adotada, permanece no abrigo. Como você observa essa situação?
Toda vez que a gente priorizar a ligação biológica a despeito da afetiva, toda vez que a gente disser que um pai é mais pai porque ele fez uma contribuição genética, toda vez que a gente cometer esse erro, a gente vai estar colocando crianças em situação de fragilidade e não de segurança. A biologia não pode ser determinante, não pode estar acima da ligação afetiva, porque o que a gente quer, no final das contas, é que as crianças cresçam com proteção, com segurança, com afeto com carinho, com amor e com entendimento de vida em sociedade, isto é com limites. Pai simplesmente porque é pai biológico, mãe simplesmente porque é mãe biológica, muitas vezes não consegue dar essa condição.
Os termos paternidade/maternidade vêm sendo substituídos pelo termo parentalidade. Esse posicionamento vai ao encontro do que você pensa?
Acho que é muito saudável a gente discutir parentalidade ao invés de paternidade/maternidade, digo isso em vários aspectos. Quando a gente fala de licença-paternidade e licença-maternidade, a gente já diferencia aí o cuidador que, muitas vezes, não é um pai, não é uma mãe, e é importante que esse cuidador tenha condições de desempenhar sua função parental. Em alguns países, a licença não é dividida dessa maneira, é uma licença parentalidade para que os cuidadores possam se organizar. Quando a gente começa a discutir parentalidade, cuidador, a gente está também tirando essa ideia de que a família composta por um pai e uma mãe é único modelo de família aceitável. São tantas as famílias felizes que celebram a união e o afeto, que celebram ambientes seguros de abrigo e orientação, que não são biológicas e que não são necessariamente o pai e a mãe, que me parece injusto não contemplá-las. Usar os termos corretos como parentalidade e cuidadores abraça essas famílias.
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