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Reconhecimento de união estável é negado a mulher que não tinha chave da casa do namorado falecido
A Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deferiu apelação interposta pelo espólio de um homem que morreu recentemente e reverteu sentença que havia reconhecido união estável dele com a autora da ação. O TJSP entendeu que se a namorada de um homem não possui a chave da casa do mesmo e nem deixa objetos pessoais nesse local, fica claro que o parceiro não tinha confiança na mesma ou intenção de constituir família.
Depois da decisão de primeira instância, os herdeiros recorreram argumentando que o casal namorava, mas não de forma ininterrupta, e estavam separados quando o homem morreu. Ainda que reconheçam que ele a ajudou financeiramente, os autores da apelação sustentam que ele agia da mesma forma com diversas pessoas. Como prova de que não tinha especial carinho pela autora, os herdeiros apontaram o fato de que o homem declarou em seu Imposto de Renda que sua antiga namorada lhe devia dinheiro.
Na decisão, o relator do caso, desembargador Carlos Teixeira Leite Filho, afirmou que as provas trazidas pela autora não são suficientes para que se comprove que ela mantinha uma relação estável com o homem à época de sua
morte. Segundo o relator, o ex-namorado não tomou qualquer atitude para tornar definitiva essa relação amorosa, pois, diferentemente do que acontece com os jovens, não havia o que esperar para constituir família ou garantir algum conforto para sua namorada, doze anos mais nova.
Na opinião do relator, o fato de a antiga companheira não ter a chave da casa de seu parceiro nem objetos no local demonstra que não havia confiança e disponibilidade de privacidade em relação ao afirmado pelo companheiro, o que também sugere incompatibilidade com o que se espera de uma união estável. Outra prova seria a de que o homem declarou em seu IR que a mulher lhe devia R$ 35 mil, quando poderia ter registrado a operação como doação, sem exigir a devolução do valor. Além disso, o desembargador cita a venda, realizada pelo homem, de seu sítio à sua parceira por um valor irrisório. Para o relator, se o homem tivesse intenção de manter união estável com ela, não teria feito essa transação, mas mantido o imóvel para lazer dos dois. O relator concluiu que a autora manteve simples namoro com o falecido, e, por isso, votou pelo provimento da Apelação. Seus colegas de Câmara seguiram o seu entendimento e declaram a inexistência de união estável entre os dois.
Para o advogado Euclides de Oliveira, conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM/SP), é muito sutil a diferença entre essas formas de relacionamento humano. “Ressalvam-se casos em que existe um contrato escrito de convivência, o que não se observou no caso em exame. Por se tratar de uma situação de fato, a união estável exige a demonstração de que estivessem presentes os requisitos legais para sua configuração. E deve ser mesmo assim, pois o que a lei protege é a entidade familiar constituída por essa forma de convivência, e não qualquer relacionamento do tipo namoro, mesmo que firme e consolidado”, comenta.
De acordo com o advogado, os pressupostos estão alinhados no artigo 1.723 do Código Civil, repetindo o que já constava da Lei nº 9.278/96, que dispõe sobre a convivência pública, contínua e duradoura com o propósito de constituir família. “A lei não exige a coabitação, nem fala em vida em comum, mas em convivência, que pode existir mesmo que cada um tenha a sua própria moradia. Mas tem que ser pública, isto é, do conhecimento familiar e social das pessoas envolvidas. E contínua, sem interrupções, pois o vai e vem de encontros e desencontros pode significar instabilidade da união. Ainda, tem que ser duradoura, por um tempo razoável, que o juiz deve aferir em cada caso. Quando há filhos comuns, o tempo diminui. A antiga Lei 8.971/94 exigia 5 anos de convivência na falta de filhos, mas esse prazo caiu nas leis seguintes, e hoje varia, podendo ser por menos tempo, desde que se verifique a estabilidade da união. Por fim, é preciso também o elemento intencional, que é a vontade de constituir família, aquilo que a doutrina chama de afeição familiar, e resulta de fatores diversos, como a de construir uma vida em comum, com interesses próximos, eventual ajuda mútua e outras características de manter uma relação afetiva à moda de casados (more uxório, já diziam os romanos...)”, explica.
Segundo Euclides de Oliveira, apenas o fato de não morarem juntos não significa que os parceiros não tenham convivência ou sejam simples namorados. “Há muito tempo o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o antigo concubinato não dependia da vida em comum sob o mesmo teto (Súmula 382). No caso do acórdão, foram examinados também outros elementos da prova, no sentido de que faltava um elo a mais para que o namoro fosse interpretado como uma família para os efeitos da proteção jurídica demandada pela mulher”, completa.
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