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O réquiem dos contratos de namoro e a possibilidade da instituição da cláusula darwiniana
“ Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo, que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois, com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda.
(Fernando Pessoa, poemas de Alberto Caeiro, O guardador de rebanhos, Poesia Portuguesa. Tutikian, Jane, 1952- II. Título. III. Série)”
Resumo – O presente artigo demonstrará a possibilidade jurídica da realização híbrida de contrato namoro e de convivência, bem como da inclusão de cláusula de evolução do relacionamento escolhendo o regime de bens, caso inicie união estável. A autonomia da vontade e a existência de norma expressa permitindo a inclusão de obrigação condicional, que consiste em evento futuro e incerto, autorizando a escolha do regime de bens no mesmo instrumento contratual. Deste modo, afastando pretensão daquele que maliciosamente deseja apenas usurpar o patrimônio do outro companheiro.
Palavras Chave – Contrato de Namoro – Contrato de Convivência – União Estável – Regime de bens – Obrigação Condicional – Informalidade.
Abstract – The present article will demonstrate the legal possibility of making a contract of both common-law marriage and relationship, as well bringing up the prospect of inclusion of the "clause of relationship evolution", when previous agreement about the matrimonial regime is established, in case the relationship grows into a common-law marriage. The autonomy of will and the existence of a direct rule allowing to include conditional obligation, that means future and uncertain event, makes possible the matrimonial regime choice in the same contract. Therefore, it will stray the pretension to usurp the patrimony that belongs to the other common-law husband or wife.
Keywords: Relationship contract - Common-law Marriage contract - Common-law marriage - Matrimonial Regime - Conditional Obligation – Informality.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Posicionamento atual sobre os contratos de namoro – 3. Possibilidade de um contrato híbrido e inclusão de cláusula de evolução – 4. Conclusão.
I – Introdução
Apesar de Charles Robert Darwin não ser o pai do direito, bem verdade ser ele o genitor da teoria da evolução das espécies pelo critério de seleção natural e sexual.
Com o passar do tempo a espécie humana sentiu necessidade de inventar o direito, quando a vida em sociedade se tornou realidade, o que permite afirmar que as criaturas evoluem junto com seus criadores.
Em tempos primórdios, o fato das pessoas se relacionarem de maneira estável com objetivo de estabelecer uma família, fez com que o legislador produzisse normas para este fenômeno, utilizando o cognome de “casamento” para a união estável entre o homem e mulher, que se popularizou através dos seguimentos religiosos, fazendo com que todos esquecessem que o casamento somente existiu porque antes as pessoas conviviam de maneira estável.
O novo comportamento das pessoas, implica em um novo comportamento do direito, inclusive na esfera do direito civil, pois o que não foi restringido por lei, não deve o intérprete fazê-lo com exclusividade, mormente para reduzir direitos, sendo que o fortalecimento da união estável e seu reconhecimento como unidade familiar, fez com que surgissem os emblemáticos “contratos de namoro”.
II – Posicionamento atual sobre os contratos de namoro
Olvidam-se os oblatos deste pacto, que a união estável deriva dos direitos família, podendo ser reconhecida para um lapso temporal exíguo, bastando estar presente o objetivo de constituição de família e a convivência pública, contínua e duradoura. A convivência é o centro da união estável, o que motiva os operadores do direito e jurisprudência apelidar de “contrato de convivência” o acordo pactuado pelos companheiros.
Grandes expoentes que lecionam no direito das famílias, iniciaram uma corrente que leciona sobre a falta de validade e eficácia destes pactos de namoro, frente a instituição de união estável.
Berenice Dias (2011, p.186) “Mister negar eficácia ao contrato prejudicial a um do par. Repita-se: o contrato de namoro é algo inexistente e desprovido de eficácia no seio do atual ordenamento jurídico brasileiro.”
Stolze Gagliano (2013, p.435): “Pensamos, com isso, que o inusitado contrato de namoro poderá até servir para auxiliar o juiz a investigar o animus das partes envolvidas, mas não é correto considerá-lo, numa perspectiva hermética e absoluta, uma espécie de “salvo-conduto dos namorados”, até porque amigo leitor, convenhamos, muitos namorados (as) neste Brasil nem perceberam, mas já caíram na rede da união estável há muito tempo.”
Coelho (2012, p.142) “O contrato de namoro não prevalecerá, evidentemente, quando provado o preenchimento dos requisitos legais da união estável ou mesmo se demonstrando que aquela intenção originária alterou-se com o tempo.”
Portanto, não resta dúvidas que o direito repele e não abriga as pretensões de quem utiliza deste instrumento contratual para subverter a realidade dos fatos –, seja qual for a nomenclatura que o operador dê ao contrato, tem-se por “nulo” ou inexistente o negócio jurídico simulado, não podendo também competir com instituto que encontra guarida na seara dos fatos jurídicos.
Outrossim, a primeiro momento, filiei-me nesta corrente, entretanto uma lição antiga do direito, posta por Rui Barbosa em seu discurso de Oração aos Moços, ensina que tratar desiguais com igualdade, constituiria desigualdade flagrante, o que revela que nada persiste eternamente de forma absoluta –, de outro modo, se o direito fosse uma ciência exata, a resposta padrão para todas as indagações e questionamentos, seria “depende” e, neste caso específico, depende de como as obrigações foram contratadas, lembrando novamente a teoria de Charles Robert Darwin, se as criaturas evoluem com os criadores, os contratos também podem evoluir com os direitos, costumes e obrigações das instituições.
III – Possibilidade de um contrato híbrido e inclusão de cláusula de evolução
A realidade atual nos mostra cristalinamente, a evolução nos relacionamentos modernos, o que pode ser demonstrado através das uniões homo e poli afetivas, que caminharam por muito tempo na contramão do pensamento daqueles operadores que não conseguiam vislumbrar que a mesma realidade fática que caracteriza a “união estável” já tinha mudado na sociedade, pois em verdade as pessoas adotaram novos comportamentos e estilos de vida. Por isso, precisamos refletir os direitos de quem deseja planejar suas relações patrimoniais, por pura observância do princípio da autonomia da vontade.
A teoria geral dos contratos estabelece possibilidades infinitas de contratar, sendo que idéia inicial de contrato deriva do acordo de vontades das partes com intenção de produzir efeitos na ordem jurídica, podendo os contratos serem: “formais, informais, típicos, atípicos, mistos, onerosos, gratuitos, unilaterais, bilaterais, comutativos, aleatórios, entre outras formas.”
Ora, se os contratos podem ser informais e mistos, podemos ter um contrato híbrido, fixando o termo inicial do relacionamento de namoro e prevendo obrigações patrimoniais condicionadas à um evento futuro e incerto de união estável, quando as partes, por maturidade e vontade, automaticamente começarem a conviver de forma estável.
Se a preocupação é estritamente patrimonial, o imbróglio está resolvido, basta que as partes contratem a cláusula “darwiniana”, contendo a previsão de que, em havendo uma evolução “de fato” no relacionamento de namoro, passando a configurar união estável, as partes desde o contrato de namoro acordado, livremente resolveram adotar o regime da separação de bens, ou disciplinaram o regime que entenderam mais adequado para o futuro.
A possibilidade de contratar e subordinar obrigações condicionadas a um evento futuro e incerto, ainda que de cunho exclusivamente patrimonial, advém expressamente da vontade do legislador, tendo este previsto e autorizado essas obrigações no artigo 121, do Código Civil: “ Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.
Ato contínuo, aqueles que se prendem no legalismo estrito, também não deverão encontrar maiores impedimentos a esta visão – que regulamenta tão somente os direitos patrimoniais dos contratantes –, tendo em vista a possibilidade da aplicação conjunta do artigo 121, com o artigo 841, ambos do Código Civil Brasileiro, sendo que este último possui a seguinte redação: “ Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.” Vale destacar que outros institutos do direito de família, não serão afastados, até pela própria natureza de ordem pública.
Percebe-se, que esta forma de contratar, não veda e nem tenta impedir o reconhecimento da união estável, tendo os companheiros todos os direitos e deveres que emanam desta entidade familiar tão consagrada pelo legislador – apenas visa impedir a usurpação patrimonial daqueles que, por interesse exclusivamente financeiro, utilizam do instituto para manchar o que socialmente, foi aceito com amor e respeito à todas formas de constituição de uma família –, não faz muito tempo, que companheiros precisavam pleitear indenização por serviços domésticos prestados, para fazer valer o que foi reconhecido desde a promulgação da Carta Republicana.
Por outro lado, se o contrato de namoro não encontra expressa previsão legal, o contrato de convivência de união estável vive e pulsa incessantemente no ordenamento jurídico, repousando base legal no artigo 1.725, do Código Civil: “Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”
A redação do artigo é clara ao deixar de estipular forma para dar validade e eficácia a estes contratos, assim não sendo possível vislumbrar de imediato a eficácia do contrato de namoro, ou mesmo que tenha havido evolução de namoro para união estável, a cláusula do regime de bens escolhido produzirá normalmente os efeitos do contrato de convivência, dado o caráter hibrido do instrumento e a informalidade atribuída as avenças da união estável que pode se dar, inclusive, em negócios jurídicos diversos, o que legitima ainda mais a possibilidade de instituir a cláusula condicional de evolução de relacionamento no contrato de namoro.
Dias (2011, p.184): Pacto informal, pode tanto constar de escrito particular como de escritura pública, e ser levado ou não a inscrição, registro ou averbação. Pode até mesmo conter disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em negócios jurídicos diversos, desde que contenha a manifestação bilateral da vontade dos companheiros, identificando o elemento volitivo expresso pelas partes.
Cahali (2002, p.55-56): não reclama forma preestabelecida ou já determinada para sua eficácia, embora se tenha como necessário seja escrito, e não apenas verbal. Assim, poderá revestir-se da roupagem de uma convenção solene, escritura de declaração, instrumento contratual particular levado ou não a registro em Cartório de Títulos e Documentos, documento informal, pacto e, até mesmo, ser apresentado apenas como disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente, desde que contenham a manifestação bilateral da vontade dos companheiros.
Gonçalves: (2009, p.581) Em suma, os protagonistas da união estável estão autorizados, explicitamente, a celebrar contrato – por escritura pública ou instrumento particular –, estabelecendo, por exemplo, que suas relações patrimoniais regem-se pelo regime da separação – excluindo, totalmente, a comunhão –, e que cada companheiro é dono exclusivo do que foi por ele adquirido, a qualquer título; ou que os bens adquiridos onerosamente, durante a convivência, são de propriedade de cada parceiro, em percentual diferenciado; ou que algum bem ou alguns bens são de propriedade de ambos e que outro ou outros, de propriedade exclusiva de um dos companheiros.
IV – Conclusão
Por diversas vezes, a jurisprudência pátria, em respeito ao princípio da boa fé objetiva, validou a “renúncia” da prestação alimentícia realizada pelas partes, atropelando inclusive a existência de norma legal e expressa em sentido contrário, que é o artigo 1.707, do Código Civil. A adoção de uma postura leal, ética e não contraditória, abriga os direitos das famílias, o que foi destacado com firmeza e pôde ser observado no julgamento do REsp nº 1.143.762 – SP e REsp 701.902 – SP.
A aplicação da proibição do “venire contra factum proprium”por parte do Superior Tribunal de Justiça nas relações familiares, ratifica a impossibilidade das partes praticarem atos contraditórios também nesta seara e ramificação do direito pátrio. Assim, a permissão de renúncia mútua às obrigações alimentares reforça a validade da cláusula de evolução da relação incerta que é o namoro, que eventualmente poderá caminhar para os laços e abrigo de uma união estável e, no que tange os aspectos patrimoniais, deverá seguir o trilho do que restou acordado anteriormente, sendo defeso o posicionamento contraditório.
Neste liame, aqueles que verdadeiramente contrataram apenas e tão somente o amor eterno, ficam resguardados em seus direitos patrimoniais, no entanto devendo contribuir com solidariedade, respeito, lealdade, caso haja evolução de namoro para união estável.
Stolze: (2013, p.437) “O que é possível, sim, ressalve-se, é a celebração de um contrato que regule aspectos patrimoniais da união estável – como o direito aos alimentos ou à partilha de bens –, não sendo lícita, outrossim a declaração que, simplesmente, descaracterize a relação concubinária, em detrimento da realidade.”
Pereira, Caio Mário da Silva: (2008, p.22) “ O princípio da boa-fé, apesar de consagrado em norma infraconstitucional, incide sobre todas as relações jurídicas na sociedade. Configura cláusula geral de observância obrigatória, que contém um conceito jurídico indeterminado, carente de concretização segundo as peculiaridades de cada caso. ”
Enfim, o planejamento familiar é livre [artigo 226, §7º, da Constituição Federal], por garantia constitucional, o que impede que seja desrespeitado a liberdade e vontade daqueles que querem livremente estarem juntos, e ao mesmo tempo sozinhos, como a mão direita e a esquerda.
João Henrique Miranda Soares Catan
Associado IBDFAM n° 5858.
9. Referências
CAHALI, Francisco José, Contrato de convivência na União Estável, São Paulo: Saraiva, 2002.
COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito de família, sucessões, volume 5, São Paulo: Saraiva, 2012.
DIAS, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze, Novo curso de direito civil, volume 6, São Paulo: Saraiva, 2013.
GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, volume 7, São Paulo: Saraiva, 2009.
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições ao direito civil, volume 3, Rio de Janeiro: Forense, 2008.
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