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O reconhecimento jurídico
Parece estranha a afirmação de que só a partir de 1988 o afeto tenha sido juridicamente reconhecido. Seria possível a regulamentação das relações familiares sem consideração desse elemento? Haverá família sem afetividade entre seus integrantes?
O Código Civil de 1916, ainda vigente, em sua redação inicial, estruturou as relações familiares sob a ótica liberal dominante que privilegiava o patrimônio. Não obstante a apregoada igualdade, ao menos formal, a família tinha feição hierarquizada, sendo chefiada pelo marido, a quem incumbia a “tutela” de pessoas e bens. A mulher, embora tornando-se relativamente incapaz com o casamento, tinha a importante missão de “guardiã da moralidade” da família. Os filhos ocupavam o último lugar nessa hierarquia, estando “sujeitos” ao pátrio poder enquanto menores. O regime de bens do casamento era o da comunhão universal. A “paz doméstica” deveria ser preservada a qualquer custo. A instituição do casamento deveria prevalecer sobre o interesse das pessoas que constituíam a família por ela gerada. Não havia família sem casamento, sendo repudiados os “concubinatos”.
Ao longo do século XX, essa visão patrimonialista da família que emergia da interpretação das disposições da Lei Civil foi sendo aos poucos superada, flexibilizando-se mediante legislação extravagante a rigidez original. A realidade social se impôs, particularmente com relação aos filhos, de modo a amparar os havidos fora do casamento, de todo preteridos se adulterinos ou incestuosos.
A Constituição de 1988, reconhecendo e atendendo aos clamores sociais, estabeleceu princípios norteadores das relações familiares que alteraram profundamente sua estrutura. Ao incorporar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, autoriza o reconhecimento à relação afetiva, que deve prevalecer sobre qualquer outra, gerando a denominada “paternidade socioafetiva”.
A determinação da paternidade com base na informação genética tornou-se, porém, um imperativo, como se bastasse o vínculo biológico para criar talvez a mais importante das relações humanas: a de filiação. Não há que se confundir identidade genética com paternidade/maternidade. O ideal é que exista coincidência entre ambas, mas a paternidade/maternidade é construída, antes de mais nada, com afeto, que jamais se detectará em uma lâmina de laboratório.
Por força de norma constitucional, deve ser atendido, com absoluta prioridade, o melhor interesse da criança e do adolescente. Este, sem dúvida, é o de conviver com sua família, que não é, necessariamente, a biológica, a legal ou a economicamente melhor situada, mas a que resulta do bem querer. Não deve, assim, prevalecer a identidade genética sobre a paternidade afetiva, sob pena de descumprimento do mandamento constitucional.
*Professora Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
O Código Civil de 1916, ainda vigente, em sua redação inicial, estruturou as relações familiares sob a ótica liberal dominante que privilegiava o patrimônio. Não obstante a apregoada igualdade, ao menos formal, a família tinha feição hierarquizada, sendo chefiada pelo marido, a quem incumbia a “tutela” de pessoas e bens. A mulher, embora tornando-se relativamente incapaz com o casamento, tinha a importante missão de “guardiã da moralidade” da família. Os filhos ocupavam o último lugar nessa hierarquia, estando “sujeitos” ao pátrio poder enquanto menores. O regime de bens do casamento era o da comunhão universal. A “paz doméstica” deveria ser preservada a qualquer custo. A instituição do casamento deveria prevalecer sobre o interesse das pessoas que constituíam a família por ela gerada. Não havia família sem casamento, sendo repudiados os “concubinatos”.
Ao longo do século XX, essa visão patrimonialista da família que emergia da interpretação das disposições da Lei Civil foi sendo aos poucos superada, flexibilizando-se mediante legislação extravagante a rigidez original. A realidade social se impôs, particularmente com relação aos filhos, de modo a amparar os havidos fora do casamento, de todo preteridos se adulterinos ou incestuosos.
A Constituição de 1988, reconhecendo e atendendo aos clamores sociais, estabeleceu princípios norteadores das relações familiares que alteraram profundamente sua estrutura. Ao incorporar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, autoriza o reconhecimento à relação afetiva, que deve prevalecer sobre qualquer outra, gerando a denominada “paternidade socioafetiva”.
A determinação da paternidade com base na informação genética tornou-se, porém, um imperativo, como se bastasse o vínculo biológico para criar talvez a mais importante das relações humanas: a de filiação. Não há que se confundir identidade genética com paternidade/maternidade. O ideal é que exista coincidência entre ambas, mas a paternidade/maternidade é construída, antes de mais nada, com afeto, que jamais se detectará em uma lâmina de laboratório.
Por força de norma constitucional, deve ser atendido, com absoluta prioridade, o melhor interesse da criança e do adolescente. Este, sem dúvida, é o de conviver com sua família, que não é, necessariamente, a biológica, a legal ou a economicamente melhor situada, mas a que resulta do bem querer. Não deve, assim, prevalecer a identidade genética sobre a paternidade afetiva, sob pena de descumprimento do mandamento constitucional.
*Professora Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
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