Artigos
Sobre o interesse maior da criança
Art.19. Toda Criança e adolescente tem o direito a ser criado e educado no seio de sua família... (Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990)
É inquestionável, em qualquer teoria psicológica sobre a estruturação psíquica da criança, o papel relevante da função familiar nesse processo. Garantir o interesse maior da criança é criar condições para que, em seu processo de constituição enquanto sujeito, possa constituir isso que chamaremos de estrutura familiar.
Na contemporaneidade, somos levados a constatar que família é um conceito que se refere a um lugar sócio-afetivo, operador na estruturação psíquica de uma criança, e não apenas a um conjunto de pessoas onde uma parceria entre os cônjuges ou de pais biológicos esteja configurada. Chamamos de família qualquer expressão que se articule por uma relação de descendência, inclusive a adotiva, mas sobretudo onde se manifeste uma relação afetiva.
Ao destacar a questão da maternidade, paternidade, e dos processos de filiação agora na modernidade, afastamos a primazia da função genética na determinação desses laços, já que os avanços da ciência permitem várias alterações nas formas de reprodução e as condições sociais e culturais permitem outras tantas formas de filiação. Hoje, mais nos interessa resgatar o conceito de FUNÇÃO da família, que é mais uma relação de desejo, adoção e afeto do que a simples contingência dada pela biologia.
Todo laço investido de afeto poderá ser chamado de laço familiar. Não é um espermatozóide que define o que é um pai e nem o fato de uma mãe gestar um filho em seu ventre que garante a maternidade. Também não veremos brotar da letra fria da lei, um pai, uma mãe, ou uma família para um filho.
No real de cada caso, verificaremos que o processo de filiação é um ato de adoção. Será necessário adotar o filho, mesmo se este, a priori, for dado como seu filho, geneticamente. Adotar é um ato para além da norma e dos laços consangüíneos, é um Dom. É emprestar o corpo num processo de transmissão, é cuidar da formação da criança respondendo como for possível as suas exigências, é doar a carne para firmar, lá onde a criança puder sustentar, seu ponto de estofo orientador e estruturante em seu processo de constituição, ofertando a palavra, conjugando o amor e a lei, quando as situações mais cotidianas assim exigirem.
Desta forma, uma criança poderá encontrar a sua família em seus pais, numa babá, em avós, tios, vizinhos, professores e inclusive na rua, desde que lá, estabeleça uma relação de filiação. O ato de adoção não é um ato garantido pela burocracia, leis, genética ou biologia. A adoção é um ato de amor e responsabilidade. É um encontro, um acontecimento, produzido pelo Dom e não há lei que garanta o Dom do amor.
A família é um lugar de amparo primeiro, insuficiente no sentido de abolir para sempre o mal estar do ser humano diante das questões da vida, mas necessário e estrutural. Não há modelo ideal, cada um terá que costurar um tecido que será a sua história, mediante os elementos significantes que a vida vai lhe apresentando. Todos estes acontecimentos vão formando um corpo simbólico que definirá a moldura por onde a criança irá constituir o seu romance familiar, a janela pela qual olhará o mundo.
É deste corpo familiar, transcrito na memória que não podemos prescindir. A infância é o tempo privilegiado dessa inscrição, pois é neste tempo que a criança receberá, do seu jeito, as marcas em sua subjetividade daquilo que em cada caso nomeará como... “a minha família”.
A estrutura familiar é um complexo ordenado de forma singular, é uma estrutura psíquica, alinhavada pelas idéias e afetos que a criança extrairá do seu encontro com o real, num determinado contexto sócio-histórico, para além da biologia. Esse encontro deixará marcas, fixando uma certa ordem na sua forma de se alojar no mundo, um ponto de ancoragem para sempre familiar. Uma estrutura inabalável sustentada pelo romance familiar que neste lugar é escrito, no tempo da infância. Garantir a criança o acesso a este complexo é fazer valer seu interesse maior.
(setembro/2001)
*Psicanalista e psicóloga judicial
É inquestionável, em qualquer teoria psicológica sobre a estruturação psíquica da criança, o papel relevante da função familiar nesse processo. Garantir o interesse maior da criança é criar condições para que, em seu processo de constituição enquanto sujeito, possa constituir isso que chamaremos de estrutura familiar.
Na contemporaneidade, somos levados a constatar que família é um conceito que se refere a um lugar sócio-afetivo, operador na estruturação psíquica de uma criança, e não apenas a um conjunto de pessoas onde uma parceria entre os cônjuges ou de pais biológicos esteja configurada. Chamamos de família qualquer expressão que se articule por uma relação de descendência, inclusive a adotiva, mas sobretudo onde se manifeste uma relação afetiva.
Ao destacar a questão da maternidade, paternidade, e dos processos de filiação agora na modernidade, afastamos a primazia da função genética na determinação desses laços, já que os avanços da ciência permitem várias alterações nas formas de reprodução e as condições sociais e culturais permitem outras tantas formas de filiação. Hoje, mais nos interessa resgatar o conceito de FUNÇÃO da família, que é mais uma relação de desejo, adoção e afeto do que a simples contingência dada pela biologia.
Todo laço investido de afeto poderá ser chamado de laço familiar. Não é um espermatozóide que define o que é um pai e nem o fato de uma mãe gestar um filho em seu ventre que garante a maternidade. Também não veremos brotar da letra fria da lei, um pai, uma mãe, ou uma família para um filho.
No real de cada caso, verificaremos que o processo de filiação é um ato de adoção. Será necessário adotar o filho, mesmo se este, a priori, for dado como seu filho, geneticamente. Adotar é um ato para além da norma e dos laços consangüíneos, é um Dom. É emprestar o corpo num processo de transmissão, é cuidar da formação da criança respondendo como for possível as suas exigências, é doar a carne para firmar, lá onde a criança puder sustentar, seu ponto de estofo orientador e estruturante em seu processo de constituição, ofertando a palavra, conjugando o amor e a lei, quando as situações mais cotidianas assim exigirem.
Desta forma, uma criança poderá encontrar a sua família em seus pais, numa babá, em avós, tios, vizinhos, professores e inclusive na rua, desde que lá, estabeleça uma relação de filiação. O ato de adoção não é um ato garantido pela burocracia, leis, genética ou biologia. A adoção é um ato de amor e responsabilidade. É um encontro, um acontecimento, produzido pelo Dom e não há lei que garanta o Dom do amor.
A família é um lugar de amparo primeiro, insuficiente no sentido de abolir para sempre o mal estar do ser humano diante das questões da vida, mas necessário e estrutural. Não há modelo ideal, cada um terá que costurar um tecido que será a sua história, mediante os elementos significantes que a vida vai lhe apresentando. Todos estes acontecimentos vão formando um corpo simbólico que definirá a moldura por onde a criança irá constituir o seu romance familiar, a janela pela qual olhará o mundo.
É deste corpo familiar, transcrito na memória que não podemos prescindir. A infância é o tempo privilegiado dessa inscrição, pois é neste tempo que a criança receberá, do seu jeito, as marcas em sua subjetividade daquilo que em cada caso nomeará como... “a minha família”.
A estrutura familiar é um complexo ordenado de forma singular, é uma estrutura psíquica, alinhavada pelas idéias e afetos que a criança extrairá do seu encontro com o real, num determinado contexto sócio-histórico, para além da biologia. Esse encontro deixará marcas, fixando uma certa ordem na sua forma de se alojar no mundo, um ponto de ancoragem para sempre familiar. Uma estrutura inabalável sustentada pelo romance familiar que neste lugar é escrito, no tempo da infância. Garantir a criança o acesso a este complexo é fazer valer seu interesse maior.
(setembro/2001)
*Psicanalista e psicóloga judicial
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM