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Enfrentamento à vulnerabilidade infantojuvenil em contexto de automutilação e suicídio: compreensões e perspectivas
Enfrentamento à vulnerabilidade infantojuvenil em contexto de automutilação e suicídio: compreensões e perspectivas
Émile Dantas de Carvalho Cartaxo[1]
Tanise Zago Thomasi[2]
RESUMO: O presente artigo propõe esboçar noções a respeito do cenário infantojuvenil no tocante à automutilação e ao suicídio, com ênfase na análise de ações de promoção à saúde. Fora realizada pesquisa bibliográfica e documental. Concluiu-se que para o enfrentamento da problemática é necessária a atuação multissetorial e articulada dos agentes. Ademais, apesar dos desafios que vão desde a realidade de subnotificação, influenciados também pelos mitos que enfrentam a problemática, até a falta de gestão integrada, elos tem sido construídas para que o desenvolvimento humano seja um caminho possível de vida.
Palavras-chave: Automutilação. Desenvolvimento Humano Infantojuvenil. Saúde. Suicídio.
ABSTRACT: This article proposes to outline notions about the juvenile scenario with regard to self-mutilation and suicide, with emphasis on the analysis of health promotion actions. Bibliographic and documentary research had been carried out. It was concluded that, in order to face the problem, it is necessary the multisectoral and articulated action of the agents. Furthermore, despite the challenges that range from the reality of underreporting, influenced also by the myths that face the problem, to the lack of integrated management, bridges have been built so that human development is a possible way of life.
Keywords: Self-mutilation. Children and Youth Human Development. Health. Suicide.
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2014 apontou uma estimativa mundial de mais de 800 mil mortes em decorrência de suicídio, ocupando o segundo lugar nas causas de morte entre jovens de 15 a 29 anos (BRASIL, 2017). Nesse cenário, considerando a relevância e urgência de discutir esses dados é que urge a problemática: como a implantação de políticas de enfrentamento à automutilação e ao suicídio pode auxiliar no desenvolvimento humano à infância/adolescência?
Logo, objetiva-se contextualização do cenário de políticas e ações de enfrentamento e prevenção à automutilação e suicídio, além do estudo do direito à saúde infantojuvenil bem como análise dos dados oficiais. Instruir caminhos possíveis para redução/solução do problema com ênfase ao desenvolvimento humano da criança e do adolescente, numa gestão efetiva de responsabilidade e compromisso social é uma via jurídico-social viável à concretização desse desenvolvimento e garantia dessa proteção.
O Direito à saúde está previsto no artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A saúde engloba uma série de aspectos que determinam a condição da vida digna, aspectos esses que vão desde a saúde física até a saúde mental. Como direito social de 2ª dimensão sua efetividade perpassa por prestações positivas pelo Estado, o qual através de políticas públicas devem prover condições mínimas para uma vida digna. Assim, a associação direta do direito à saúde com a implantação de políticas públicas é razoável, por essas serem ferramentas através das quais tais direitos serão materializados. (ROSSATO, LÉPORE, CUNHA, 2018).
Considerando recente legislação que instituiu a Política Nacional de Prevenção à Automutilação e Suicídio através da Lei Federal nº 13.819 de 26/04/2019, a partir do viés da saúde mental infantojuvenil se faz necessário breve conceituação de termos centrais. A automutilação diz respeito a comportamentos intencionais que envolvem a agressão direta ao próprio corpo sem intenção consciente de suicídio; aqui o objetivo principal é a busca por sensações como fuga da realidade, preenchimento de vazio, alívio de dores, sensações de angustia (GIUSTI, 2013); quem assim o faz não age visando à morte, o fim da dor que sente, e sim o alívio, funcionando o(s) ato(s) como um escape em meio à realidade. Já o suicídio, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (2014) consiste no “ato deliberativo executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita ser letal.”.
No ciclo infantojuvenil, os estudiosos são unânimes ao apontar a adolescência como a fase da vida onde comportamentos de autolesão iniciam-se. Nessa etapa os fatores de risco vão desde a esfera individual, até familiar e social. Na ordem individual, fatores psicopatológicos específicos, tais como depressão, ansiedade, sintomas psicóticos, consumo de álcool e outras drogas, preocupações com a orientação sexual e níveis de impulsividade e baixa autoestima são alguns dos fatores de riscos; já na ordem familiar os fatores de risco variam entre histórico de automutilação, tentativa de suicídio ou suicídio consumado, histórico de maltrato físico, assédio, abuso sexual por familiares ou pessoas próximas, separação precoce dos pais; e os fatores de ordem sociais dizem respeito a questões envolvendo isolamento social, bullying, baixa escolaridade (SILVA, BOTTI, 2017).
METODOLOGIA
Em termos metodológicos, realizou-se qualitativa e quantitativa, com uso das técnicas bibliográfica e documental. O estudo volta-se para a apreciação específica de dados sobre a temática automutilação e suicídio. Constatou-se com o presente estudo que reconhecer a automutilação e o suicídio como problemas de saúde pública, os encarando para além dos mitos e superstições é fator indispensável para promoção de melhorias.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Crianças e Adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos representam em torno de um sexto da população mundial (12000 milhões de pessoas); em 2016 morreram mais de 1,1 milhão de crianças e adolescentes nessa faixa etária, o que representa uma média de 3.000 mil mortes por dia, principalmente por causas evitáveis ou tratáveis; dentre as quais se encontra o suicídio. (OMS, 2018)
Em 2015 a automutilação ou comportamento suicida infantojuvenil foi a terceira maior causa de morte, com cerca de 67.000 crianças e adolescentes mortos entre 10 a 19 anos (OMS, 2017). Esses dados questionam até que ponto a proteção à saúde mental e integral tem sido de fato assegurada; bem como até que ponto o papel das políticas públicas de promoção desses direitos tem sido efetivo.
A comunidade internacional na percepção desse cenário tem criado uma série de medidas visando à transformação dessa realidade nociva no seio social, a exemplo da Ação Global Acelerada para a Saúde de Adolescentes (AA-HA!), estratégia elaborada pela Organização Mundial da Saúde o documento pretende auxiliar os países a implementar a Estratégia Global para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (2016-2030).
Com uma nova abordagem, a partir da compreensão de que os investimentos em saúde de adolescente trazem um dividendo tríplice de benefícios (para adolescentes agora, para suas vidas adultas futuras e para a próxima geração), uma atenção especial envolvendo ações e participações multissetoriais foi pensada. Isto porque, na perspectiva reversa, estudos comprovam que no ano de 2014, a partir do Relatório da OMS Saúde para os Adolescentes do Mundo “mostrou que os ganhos consideráveis conquistados com os investimentos em programas de saúde maternoinfantil correm o risco de se perderem se não houver investimento correspondente na saúde de adolescente (OPAS, 2018)”.
No âmbito nacional, o Ministério da Saúde lançou a Agenda Estratégica de Prevenção ao Suicídio cuja meta é reduzir em 10% a mortalidade por suicídio até 2020. O Brasil é signatário do Plano de Ação em Saúde Mental, lançado em 2013 pela OMS e está entre os países que assinou o Plano de Ação em Saúde Mental 2015-2020 lançado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) com objetivo de acompanhar o número anual de mortes e o desenvolvimento de programas de prevenção (BRASIL, 2017).
Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM (BRASIL, 2017), no Brasil cerca de 11 mil pessoas tiram a própria vida, por ano, sendo a quarta maior causa de morte entre a faixa etária de 15 a 29 anos. Houve um aumento da taxa de mortalidade por suicídio por 100 mil habitantes de 5,3 em 2011 para 5,7 em 2015. Entre 2011 e 2016 foram notificadas 176.226 lesões autoprovocadas, dentre estas 27,4% (48.204) foram tentativas de suicídio. As mulheres são as maiores vítimas nesse cenário com 69% das tentativas e os homens com 31% (BRASIL, 2017).
Segundo os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan referente ao Brasil, nos anos de 2011 a 2016 (BRASIL, 2017), os principais meios utilizados foram via envenenamento/intoxicação (57,6%), objeto perfuro-cortante (6,5%) e enforcamento (5,8%). As mulheres são mais reincidentes na tentativa de suicídio com 31,3% contra 26,4% dos homens, todavia os homens são os que mais morrem por suicídio com 79% contra 21% das mulheres. Logo, a taxa de mortalidade por 100 mil habitantes entre homens é 3,6 vezes maior (8,7) contra 2,4 entre as mulheres (BRASIL, 2017).
Nas dimensões territoriais do Brasil, entre 2010 - 2015, a Região Sul concentra 23% dos suicídios do Brasil e 14% da população, enquanto que o Sudeste concentra 38% dos suicídios e 42% da população. Para o enfrentamento dessa realidade, o Ministério da Saúde lançou a Agenda de Ações Estratégicas para a vigilância e prevenção do suicídio e promoção da saúde no Brasil 2017-2020, ampliou acordos de cooperação técnica com organismos de apoio como o Centro de Valorização da Vida (CVV), tem produzido materiais para divulgação e conscientização da causa, bem como promovido discussões através de grupos de trabalhos (BRASIL, 2017).
Nessa perspectiva, a meta é “até 2020 ampliar e fortalecer as ações de promoção da saúde, vigilância, prevenção e atenção integral relacionados ao suicídio, para a redução de tentativas e mortes por suicídio por meio da construção do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio”, ferramentas essas que auxiliam no enfrentamento da vulnerabilidade infantojuvenil.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, constatou-se que o aprimoramento dos sistemas de informações sobre crianças e adolescentes e os casos de automutilação e suicídio é um aspecto de extrema relevância no aperfeiçoamento da Rede de Proteção. Reforça-se, aqui, a dificuldade em localizar dados oficiais recentes a respeito da problemática específica infantojuvenil. O trabalho conjunto das instituições, o aperfeiçoamento da coleta de dados e a articulação e intersetorialidade dos atores da Rede é imprescindível para gerar e usar evidências.
A materialização do vasto arcabouço de normas de proteção à infância e adolescência, por meio de políticas públicas que atendam às necessidades dos municípios e estados é um imperativo cada vez mais urgente no Brasil, razão pela qual todo o cenário de construção e integração de organismos internacionais nesse contexto de luta é de fundamental importância; reconhecer a automutilação e o suicídio como problemas de saúde pública, priorizá-los e empreender esforços efetivos na destinação de recursos para seu enfrentamento e prevenção é um caminho estratégico para preservar e melhorar a qualidade não somente daqueles que vivenciam tais contextos, mas ainda de familiares, comunidade e sociedade ao seu redor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSQUIATRIA. Cartilha Suicídio: informando para prevenir. Conselho federal de medicina. Brasília, 2014. Disponível em: https://www.cvv.org.br/wp-content/uploads/2017/05/suicidio_informado_para_prevenir_abp_2014.pdf. Acesso em: 25 mai. 2019.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 28 jun. 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim. Setembro Amarelo: Ministério da Saúde lança agenda estratégica de prevenção ao suicídio. Ministério da Saúde, 2017. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/Coletiva-suicidio-21-09.pdf. Acesso em: 25 mai. 2019.
GIUSTI, Jackeline Suzie. Automutilação: características clínicas e comparação com pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo. 2013. Tese (Doutorado em Psiquiatria) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. doi:10.11606/T.5.2013.tde-03102013-113540. Acesso em: 25 mai. 2019.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE – OPAS. Ação Global Acelerada para a Saúde de Adolescentes (AA-HA!): Guia de Orientação para apoiar a implementação pelos países. Brasília, DF: 2018. Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/49095/OPASBRA180024-por.pdf. Acesso em: 28. jun. 2019.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS (2018). Disponível em: https://www.who.int/es/news-room/fact-sheets/detail/adolescents-health-risks-and-solutions Acesso em: 28 jun. 2019
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS (2017). Disponível em: https://www.who.int/es/news-room/detail/16-05-2017-more-than-1-2-million-adolescents-die-every-year-nearly-all-preventable. Acesso em: 28 jun. 2019
ROSSATO, Luciano Alves. LÉPORE, Paulo Eduardo. CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
SILVA, Aline Conceição. BOTTI, Nadja Cristiane Lappann. (2017). Comportamento autolesivo ao longo do ciclo vital: Revisão integrativa da literatura. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (Nº 18), 67-76. doi: 10.19131/rpesm.0194. Acesso em: 25 mai. 2019.
[1] Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes (Unit). Pós-graduada em Gestão e Modernização Institucional da Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe. Graduada em Direito/Unit. Advogada. E-mail: emiledantascartaxo@gmail.com
[2] Doutora em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pelotas. Advogada. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Stricto Sensu/Unit. E-mail: tanisethomasi@gmail.com
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