Artigos
Alienação parental e o ordenamento jurídico brasileiro frente ao crescimento das famílias transnacionais
Vitória Aparecida Machado Trindade[1]
Glicia Paula Resende[2]
RESUMO: O presente artigo faz uma breve análise da alienação parental, prevista na Lei 12.318/10 e as mudanças sociais que a influenciam diretamente. Em especial, as mudanças sociais provenientes das transformações nos modelos de família, como por exemplo, o surgimento das famílias transnacionais, compostas por membros de nacionalidades diferentes e a ocorrência da alienação parental no seio destas famílias. Nesse viés, a alienação parental consiste na situação em que há manipulação do alienado, por um dos genitores, ou quem tenha a guarda da criança ou adolescente, para que este repudie o outro genitor, com o objetivo de cortar vínculos entre estes. Logo, é de suma importância a investigação desta temática pois, a alienação parental cometida por famílias transnacionais agrava ainda mais as consequências geradas por esta prática como as dificuldades e transtornos sofridos pelos alienados em saírem de seu país de residência habitual, conflitos jurisdicionais recorrentes, além do genitor que sofre indiretamente esta alienação. Portanto, o objetivo do artigo consiste em uma análise de como o ordenamento jurídico brasileiro se comporta frente ao crescimento das famílias transnacionais e a prática da alienação parental. O método utilizado para desenvolver a pesquisa foi a revisão bibliográfica, por meio de doutrinas, dados estatísticos e análise jurisprudencial. Por fim, chegou-se a conclusão de que a alienação parental praticada por famílias transnacionais se dá na maioria das vezes pelo sequestro interparental, logo, a efetiva utilização da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças e adolescentes é fundamental, além da eficiente aplicação da Lei de Alienação Parental, para assim se preservar o melhor interesse das vítimas desta alienação.
Palavras-chave: Direito de Família; Alienação Parental; Famílias Transnacionais
ABSTRACT: This article makes a brief analysis of parental alienation, provided for in Law 12.318 / 10 and social changes that directly influence it. In particular, such as social changes associated with changes in family models, such as the emergence of transnational families, composed of members of different nationalities and an occurrence of parental alienation within these families. In this case, parental alienation consists of a situation in which there is manipulation of the alienated, by one of the parents, or who has custody of the child or adolescent, for whom to reject or another parent, with the aim of cutting ties between them. Therefore, the investigation of this theme is extremely important, a parental alienation committed by transnational families further aggravates the consequences generated by this practice, such as difficulties and disorders suffered by the alienated in the spirit of their country of habitual residence, current jurisdictional conflicts, in addition to the parent that indirectly suffers from this alienation. Therefore, the objective of the article consists of an analysis of how the Brazilian legal system behaves in the face of the growth of transnational families and a practice of parental alienation. The method used to develop a research was a literature review, using doctrines, statistical data and jurisprudential analysis. Finally, it was concluded that parental alienation practiced by transnational families is most often due to interparental abduction, logo, an effective use of the Hague Convention on the civil aspects of international abduction of children and adolescents is fundamental, in addition to the efficient application of the Parental Alienation Law, to preserve the best interest of the threats of this alienation.
Keywords: Family Law; Parental Alienation; Transnational Families
INTRODUÇÃO
O Direito de Família tem papel fundamental na sociedade, pois a família é a base para que haja harmonia nas relações sociais. Desta forma, é dever do Estado protegê-la no âmbito formal e material, e assim garantir os direitos fundamentais inerentes a ela. Logo, a alienação parental consiste em um mecanismo utilizado por um dos genitores ou quem possui a criança ou o adolescente sobre sua autoridade, de forma a impedir o vínculo afetivo, como também é gerado o sentimento de repúdio para com o genitor alienado.
Em vista disso, o conceito e os modelos de família vêm se ajustando significativamente, dentre eles, podemos citar o surgimento das famílias transnacionais, fomentada, sobretudo, pela globalização, pois refere-se àquelas famílias formadas por membros de diferentes nacionalidades. Logo, a alienação parental cometida por famílias formadas por membros de nacionalidades diferentes, agrava ainda mais as consequências geradas por esta prática, como as dificuldades e transtornos sofridos pelos alienados em saírem de seu país de residência habitual, bem como conflitos internacionais e jurisdicionais recorrentes, além do genitor que sofre indiretamente esta alienação.
Logo, a problemática do artigo consiste em como o ordenamento jurídico brasileiro se comporta frente ao crescimento das famílias transnacionais e a prática da alienação parental por estas famílias de membros de nacionalidades diferentes, com o viés de garantir sempre o melhor interesse da criança e adolescente, que é tido como um dos princípios essenciais do Direito de Família.
Portanto, no presente Estado Democrático de Direito é crucial a garantia e preservação dos direitos fundamentais, em especial a família, que é o alicerce e base da sociedade. Desta forma, o Estado tem o dever de garantir estes direitos, com métodos que alcancem todas as formas e conceitos de família que surgiram nos últimos séculos, como por exemplo, as transnacionais, e a prática da alienação parental por estas famílias, que agravam ainda mais as consequências deste mecanismo.
Do mesmo modo, é essencial o entendimento desta temática para evitar que mais casos deste tipo de alienação aconteçam, e garantir que se tenha a melhor resolução a luz do ordenamento jurídico brasileiro, como também, o melhor interesse da criança, que ao se tratar de famílias transnacionais, pode haver o sequestro interparental como uma forma de alienação.
Por conseguinte, como foi falado anteriormente, uma forma de alienação parental dentro das famílias transnacionais é o sequestro interparental que, de acordo com a revista VEJA, o governo brasileiro registra um caso deste sequestro a cada três dias, no qual dos 287 nos últimos dois anos e meio, 56% são pedidos de devolução feitos por outros países ao Brasil.
Por fim, o objetivo geral do artigo consiste em analisar de que forma ocorre a alienação parental de pais transnacionais para com os filhos, além de como o ordenamento jurídico brasileiro se comporta frente a esses casos. Da mesma forma, conhecer as consequências desta alienação, como também o modo de resolução de conflitos jurisdicionais por meio de jurisprudências, convenções e doutrinas.
Os objetivos específicos consistem em definir o que é alienação parental; demonstrar o conceito de famílias transnacionais; definir as consequências da alienação parental praticada por casais transnacionais e demonstrar como o ordenamento jurídico brasileiro se comporta frente ao crescimento das famílias transnacionais e a prática de alienação parental.
A metodologia utilizada para desenvolver a pesquisa foi a revisão bibliográfica, por meio de doutrinas, dados estatísticos e análise jurisprudencial. Por fim, o referencial teórico se inicia com um panorama histórico dos direitos da criança e do adolescente e a conceituação da alienação parental, posteriormente apresenta uma análise das mudanças no conceito de família, sobretudo das famílias transnacionais, como também as consequências da alienação praticada por estas famílias. Do mesmo modo é demonstrado o sequestro interparental como uma forma de alienação parental, e o comportamento do ordenamento jurídico brasileiro em face desta problemática, a luz da Constituição Federal e dos princípios fundamentais do Direito de Família.
1 PANORAMA HISTÓRICO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A ALIENAÇÃO PARENTAL
A Alienação parental, tratada na lei 12.318/10, conforme artigo segundo da presente lei consiste na:
(...)interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010)[3]
Logo, de acordo com o art. 2º da lei citada e seus respectivos incisos, são formas de alienação parental a realização de campanhas de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar o exercício da autoridade parental, assim como o contato com o genitor, o que frustra o exercício do direito regulamentado de convivência familiar, como também o ato de apresentar falsa denúncia contra o genitor e seus familiares e a mudança de domicílio de forma injustificada, para localidade distante, a fim de dificultar a convivência da criança ou adolescente com o genitor alienado.
Desta forma, de acordo com o artigo terceiro da presente lei:
A prática da alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra às vítimas e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. (BRASIL, 2010)
Nesse contexto, de acordo com Madaleno (2017), a SAP (Síndrome de Alienação parental) foi definida pela primeira vez em 1985 por Richard Gardner, professor de psiquiatria da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, que segundo ele, é um transtorno mental. Porém, a legislação brasileira não a considera assim, como uma síndrome, mas simplesmente como um ato voluntário que ocorre por parte de quem o executa. Assim, esta prática gera inúmeras consequências e traumas, tanto para a criança ou adolescente, que inconscientemente contribui para ocorrência da alienação, pois acaba absorvendo e tornando como verdade o que é dito pelo alienante, como para o genitor alienado que se sente impotente diante de tantas mentiras ou verdades utilizadas de forma exageradas, sempre de forma a desqualificá-lo.[4]
Ainda segundo Madaleno (2017), a alienação parental é mais fácil de ser identificada quando é praticada contra crianças, pois estas são mais fáceis de serem manipuladas, absorvendo assim os pensamentos do alienador. Já quando a criança começa a se desenvolver, no caminho da adolescência, no qual se cria uma forma de pensar mais autônoma, se dificulta a descoberta da prática, pois o alienante se “esconde” atrás desta figura autônoma do próprio filho.
Historicamente vê-se as mudanças nos instrumentos de proteção à criança pois, nem sempre estas receberam a devida atenção, no qual a família era a única responsável por tutelar esses direitos, da forma que quiserem, no qual se chegou ao ponto de se fazer analogia dos direitos das crianças com a legislação de proteção aos animais, no que diz respeito aos maus tratos.
Nesse viés, os direitos das crianças passaram a ser preocupação à partir do século XX, com destaque a Convenção da ONU(Organização das Nações Unidas) sobre os Direitos da Criança de 1989 que, diferente das anteriores, obteve força legal, tornando-se obrigatória para os Estados signatários o qual foi uma resposta a Segunda Guerra Mundial, devido as monstruosidades ocorridas no período nazista. Desta forma, observa-se uma evolução no sentido que, houveram muitos tratados e convenções para assegurar os direitos das crianças, porém a maioria não continha força legal, o que representou apenas um pedido de cooperação (DUARTE, 2011).[5]
Salienta-se ainda que, conforme Bittar et al. (2018)[6], Kant na obra a “Paz Perpétua” descreve que a natureza do homem não se resume pela paz e sim pela guerra, e assim o direito é o principal modo de se alcançar a paz. No entanto, os seres humanos não conseguem viver sozinhos, necessitam do outro, e desta forma constroem relações, famílias, porém, quando estes vínculos são rompidos, se gera sentimentos de ódio, vingança e repúdio, que muitas das vezes não são suportados, de forma a refletir no outro, como acontece na alienação parental, em que não basta apenas a ruptura do vínculo, ou a posse de bens materiais do outro, mas o sofrimento do genitor com o afastamento da prole. Assim, o Estado deve agir, por meio de mecanismos necessários para proteção física e psicológica das crianças e adolescentes que sofrem alienação parental, para que assim minimize os efeitos gerados por esta.
Ainda segundo Bittar et al, (2018): “De forma básica a violência será definida como: ação intencional (de um grupo ou indivíduo) que provoca uma modificação prejudicial no estado psicofísico da vítima (pessoa ou grupo de pessoas).” Ou seja, os elementos presentes na ação de violência são a intencionalidade e o dano, logo, quando esta é praticada, necessariamente há a violação de um direito, como no tema em questão, de acordo com o artigo 3º da lei de alienação parental, 12.318/10, no qual esta síndrome impede à convivência familiar saudável das crianças e adolescentes, que é direito fundamental.
Conforme demonstrado anteriormente, tamanhas as consequências da prática da SAP contra crianças e adolescentes que, segundo Rosa (2017)[7], esta pode ser declarada de ofício pelo juiz, independente que haja pedido de uma das partes, além de que pode ser declarada em qualquer grau do processo, como também há tramitação prioritária, para assim preservar a integridade física e psicológica das vítimas. Com isso, há a designação da perícia biopsicossocial, que deve ser feita por profissional qualificado, no qual o caso deve ser analisado de forma minuciosa, devido a sua complexidade e gravidade.
Por fim, percebe-se as inúmeras mudanças e conquistas referentes aos direitos das crianças e dos adolescentes, que se dá sobretudo devido ao reconhecimento destes direitos pela legislação, como também por meio de tratados e convenções, além do reconhecimento e proteção dos diversos modelos de família que surgiram ao longo do tempo, como por exemplo a transnacional.
2 MUDANÇAS NO CONCEITO DE FAMÍLA: FAMÍLIA TANSNACIONAL
É importante salientar que houve grandes transformações no conceito de família ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, como não havia o divórcio em si, apenas o desquite, que era muito incomum e mal visto socialmente, prevalecia assim o interesse dos cônjuges, em que, o que não era “culpado” pelo rompimento ficava com a guarda, já no Código Civil de 2002, a regra é que prevaleça o princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, como também com o surgimento do ECA, a criança passa a ser sujeito de direito e deve ter atenção especial do Estado (SILVEIRO, 2012).[8]
Neste viés, como ministrado anteriormente, com transformação familiar dos últimos séculos e a globalização, surgiu os conceito de famílias transnacionais, ou seja, com membros de nacionalidades diferentes, logo, segundo Cogo (2017) apud PORTES, (2004)[9], o fenômeno do transnacionalismo teve grande impulso com “o advento das tecnologias na área dos transportes e das telecomunicações, que vieram facilitar enormemente a comunicação rápida das fronteiras nacionais e a grandes distâncias”. Portanto, com os avanços tecnológicos e assim a grande facilidade de comunicação com pessoas de várias regiões do mundo, além da grande taxa de migração, as famílias transnacionais têm aumentado cada vez mais.
Nesse contexto, o artigo 226 da Constituição Federal traz as entidades familiares reconhecidas constitucionalmente, as quais são o casamento, a união estável e a família monoparental, que é a entidade familiar formada por um dos pais e seus descendentes. Porém, o artigo mencionado consiste apenas em uma forma exemplificativa pois, atualmente a afetividade é o principal vínculo formador da família, ou seja, a partir daí surgiram inúmeros modelos familiares que devem ser tuteladas de igual forma pelo Estado brasileiro.
Por conseguinte, o Direito de família possui inúmeros princípios para proteção desta entidade, em que, de acordo com Dimas Messias de Carvalho que cita Rodrigo da Cunha Pereira, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, também chamado pela proteção das crianças e adolescentes é assim determinado:
(..)possuindo suas raízes nas mudanças ocorridas na estrutura da família nos últimos anos, que passou a valer somente enquanto fosse veiculadora da valoração dos sujeitos e a dignidade de todos os seus membros. Por isso, deve preservar e proteger integralmente as pessoas que se encontram em situação de fragilidade e em processo de amadurecimento e formação da personalidade, possuindo este princípio estreita relação com os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, que são de prioridade absoluta. (CARVALHO apud PEREIRA, 2018, p,105)[10]
Desta forma, o melhor interesse da criança nem sempre coincide com o interesse dos genitores, como ocorre por exemplo na prática da alienação parental, que visa prejudicar o outro genitor em detrimento da prole. Logo, este princípio é fundamental para a resolução das causas que envolvam esta pratica, para que assim se resguarde também outros princípios como a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a paternidade responsável e a solidariedade familiar.
Portanto é evidente que, com as inúmeras mudanças sociais e consequentemente o surgimento de vários modelos de famílias, como a transnacional, que é tratada por este artigo, deve-se garantir a proteção de todas estas de forma isonômica, a fim de se garantir os direitos fundamentais inerentes a elas pois, havendo a prática da alienação parental por famílias transnacionais, se agrava significativamente as consequências desta prática.
3 CONSEQUÊNCIAS DA ALIENAÇÃO PARENTAL PRATICADA POR CASAIS TRANSNACIONAIS
Conforme Rosa (2017), umas das melhores formas de prevenir a prática de alienação parental se resume na guarda compartilhada, ou seja, com a modificação da lei 13.058/14, que se tem como regra geral o compartilhamento desta, é minimizada a ocorrência da síndrome em questão, visto que, ambos os pais possuem autoridade parental de forma semelhante, em que, desta forma, se supera inúmeros limites impostos quando a criança está apenas sobre a guarda de um dos genitores.[11]
Entretanto, como se trata de famílias de nacionalidades diversas, que residem em países diferentes, o fenómeno da guarda compartilhada pode se mostrar num primeiro momento inviável, ainda mais se há alienação parental. Logo esta prática afeta diretamente o psicológico da criança, que pode sofrer inúmeros traumas em sua infância, como também na vida adulta. As figuras parentais exercem grande influência na construção dos vínculos afetivos, da autoestima, autoconceito e, também, constroem modelos de relações que são transferidos para outros contextos e momentos de interação social (Volling; Elins, 1998).[12]
Nesse viés, Maria Auxiliadora Dessen e Ana da Costa Polonia(2005) cita: “Por exemplo, pais punitivos e coercitivos podem provocar em seus filhos comportamentos de insegurança, dificuldades de estabelecer e manter vínculos com outras crianças, além de problemas de risco social na escola e na vida adulta.” Portanto, percebe-se que a alienação parental afeta diretamente a vida das crianças e adolescentes que a sofrem, o qual se gera inúmeras dificuldades e inseguranças para as vítimas em suas relações socias presentes e futuras, refletindo assim futuramente na constituição de suas próprias famílias.
Em suma, pode-se ver a grande importância de se conhecer repercussão gerada pela alienação parental, como também quando ela é praticada por famílias transnacionais, devido a suas inúmeras consequências às crianças e adolescentes e ao genitor alienado, como é explanado por Rolf Madaleno:
Na área psicológica, também são afetados o desenvolvimento e a noção do autoconceito e autoestima, carências que podem desencadear depressão crônica, desespero, transtorno de identidade, incapacidade de adaptação, consumo de álcool e drogas e, em casos extremos, podem levar até mesmo ao suicídio. A criança afetada aprende a manipular e utilizar a adesão a determinadas pessoas como forma de ser valorizada, tem também uma tendência muito forte a repetir a mesma estratégia com as pessoas de suas posteriores relações, além de ser propenso a desenvolver desvios de conduta, como a personalidade antissocial, fruto de um comportamento com baixa capacidade de suportar frustrações e de controlar seus impulsos, somado, ainda, à agressividade como único meio de resolver conflitos, como afirma Evânia Reichert: “Os traços psicopáticos, por sua vez, também surgem quando a autonomia está nascendo, porém o controlador é o genitor do sexo oposto, que seduz, joga e negocia com a criança para obter o que deseja.(MADALENO;MADALENO, p.59, 2018)[13]
Nesse viés, de acordo com o artigo 6° da lei 12.318/10, se identificados atos típicos de alienação parental, o genitor que o pratica poderá ser advertido, logo o juiz pode ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico, determinar a alteração da guarda para compartilhada ou o inverso; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente e declarar a suspensão da autoridade parental. Assim, a preferência da guarda se da ao genitor que viabiliza a efetiva convivência do outro genitor com a criança ou adolescente, quando não for viável a guarda compartilhada.
Portanto, com o agravamento das consequências geradas pela alienação parental, quando esta ocorre dentro de uma família transnacional, há grande probabilidade em que nestes casos, esta se de por meio de um sequestro interparental, no qual o alienador tem o objetivo de impossibilitar o contato da criança com o genitor alienado.
4 O SEQUESTRO INTERPARENTAL COMO UMA FORMA DE ALIENAÇÃO PARENTAL
Como foi falado anteriormente, uma forma de alienação parental dentro das famílias transnacionais é o sequestro interparental que, de acordo com a revista VEJA, o governo brasileiro registra um caso deste sequestro a cada três dias, no qual dos 287 nos últimos dois anos e meio, 56% são pedidos de devolução feitos por outros países ao Brasil.
Desta forma, no artigo de Nakamura e Carneiro é retratado o sequestro civil de crianças e adolescentes, com ênfase as famílias transnacionais nos tribunais brasileiros e a cooperação jurídica internacional. Ou seja, demonstra que se houver alienação parental, como se trata de famílias transnacionais, deve-se observar se a criança foi subtraída ilegalmente, que se for o caso, é necessário utilizar a Convenção de Haia para determinar a competência, para assim julgar posteriormente a prática da alienação parental.[14]
Nesse contexto, conforme o Manual de Aplicação da Convenção de Haia 1980 , o Brasil é signatário desta convenção desde o ano 2000, no qual se trata dos aspectos civis do sequestro internacional de menores, em que se tem como objetivo, a proteção de crianças que foram ilicitamente retiradas de seu país de residência habitual por um dos genitores, e assim retornando a seu país de origem de forma mais célere. Do mesmo modo, segundo dados da ACAF, o sequestro internacional aumentou cerca de 150% nos últimos sete anos, como também, na maioria dos casos, foi praticado por mães brasileiras (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2015).[15]
A Convenção estabelece, assim, um sistema de cooperação jurídica internacional entre as autoridades centrais dos Estados Partes envolvidos, de forma a garantir um procedimento célere para o retorno da criança ilegalmente removida ou retida ao local de sua residência habitual. O objetivo da Convenção é estabelecer a competência do Juízo da residência habitual da criança para o julgamento das questões relativas ao direito de guarda. O juiz do local onde a criança se encontra retida será competente apenas para analisar o cabimento ou não da sua restituição ao estado de origem (residência habitual). (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015, p. 10)
Consoante a citação anterior, a principal função da Convenção de Haia está no cooperação jurídica em casos de sequestro internacional de crianças, no qual, devido a gravidade desta situação em que a vítima é submetida, além dos transtornos sofridos por ela, como também pelo genitor que está afastado, este procedimento deve ocorrer de forma mais célere, para preservar assim a integridade física e psicológica da criança.
Deste modo deve-se observar atentamente ao lapso temporal, como se é explanado no seguinte artigo:
Se o deslocamento for de menos de um ano, a autoridade judicial do lugar onde o menor morava com sua família antes de ser subtraído é exclusivamente competente para o julgamento da ação de guarda, caso o afastamento tenha sido maior que um ano, sua competência principal permanece, e é afastada apenas para evitar novos transtornos para a criança ou o adolescente. (CARNEIRO; NAKAMURA, 2017, p.5-6)[16]
Por fim, devido à alta possibilidade da ocorrência da alienação por meio de um sequestro interparental, é crucial que o ordenamento jurídico brasileiro tenha mecanismos efetivos para lidar com a questão do crescimento das famílias transnacionais, como também da prática da alienação parental por estas famílias.
5 COMO O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO SE COMPORTA FRENTE AO CRESCIMENTO DAS FAMÍLIAS TRANSNACIONAIS E A PRÁTICA DA ALIENAÇÃO PARENTAL
Neste contexto, para determinar o então comportamento do ordenamento jurídico brasileiro frente ao crescimento das famílias transnacionais e a prática da alienação parental, se faz necessário a análise de jurisprudências, tanto da alienação parental, como do sequestro interparental.
Assim sendo, de acordo com as jurisprudências que constam na obra de Duarte(2011): “ainda que exista decisão do Judiciário brasileiro decidindo questões de guarda e visita, o Estado Brasileiro, por meio do Poder Judiciário, não pode negar pedido de restituição de menores se os requisitos do Tratado estiverem presentes.” Logo, segundo o autor, a Convenção não visa apenas os diretos à liberdade e à convivência familiar saudável da criança, mas também ao direito de ser cuidada pelos pais e de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, sem interferências ilícitas.
Nesse contexto, no caso de sequestro interparental, em um primeiro momento é essencial que se determine qual é o país de residência habitual da criança ou adolescente, que é fator determinante para se fixar qual o juiz competente para julgar o incidente, tanto do sequestro como da alienação parental, conforme a lei do país de residência habitual do alienado. Assim, conforme jurisprudência da 23ª Vara, Seção Judiciária do Rio de Janeiro citada por Duarte, se a criança estava sob a guarda da mãe, que então residia no Chile, e foi levada para o Brasil, não caracteriza o sequestro interparental pois, de acordo com a legislação chilena, se os pais forem separados, cabe com exclusividade à mãe, a guarda da criança.
Nesse viés, conforme o exemplo dado no parágrafo anterior, é crucial a identificação do país de residência habitual do alienado, para assim se determinar sob qual legislação será julgada o caso concreto. Desta forma, o ordenamento jurídico brasileiro segue atentamente às regras do Tratado, que após fixada a competência, coopera para a remoção da criança ou, se esta for brasileira, aplica-se as regras de sua própria legislação, que como foi citado anteriormente, a prática da alienação pode gerar desde multa até a perda da autoridade parental ao genitor alienador.
Ainda segundo Duarte (2011): “Qualquer direito atinente ao interesse do menor é indisponível, de ordem pública, e o reconhecimento da retenção ilícita da criança requer ampla análise da real situação fática das partes envolvidas, lastreada em robusta prova(...)”. Logo, se faz necessária a constante busca da verdade real, para assim garantir ao máximo os direitos de convivência familiar saudável e do melhor interesse da criança e adolescente, no qual, a ideia da Convenção de Haia é tudo fazer para que a criança possa, de forma mais célere possível, manter contato com ambos os pais, mesmo que estes estejam vivendo em países diferentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, o presente artigo teve por objetivo analisar o comportamento do ordenamento jurídico brasileiro, frente ao crescimento das famílias transnacionais, resultado da globalização e das constantes evoluções tecnológicas que estreitou cada vez mais a relações e fomentou ainda mais a pluralidade dos modelos de família, como as de nacionalidades diferentes. E assim, consequentemente a ocorrência da alienação parental por estas famílias, no qual são agravados ainda mais os danos gerados as crianças e adolescentes vítimas deste ato, além de que esta pode-se se dar tanto pela manipulação do alienado, como por meio do sequestro interparental.
Deste modo, o Estado brasileiro é signatário da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças, sendo promulgada pelo Brasil através do decreto número 3.413 de 2000, no qual esta convenção tem como principal objeto a cooperação entre os estados participantes, para assim facilitar o processo de devolução de crianças e adolescentes removidos ilicitamente de seu país de residência habitual e proporcionar de forma mais célere, a convivência destas com seus pais, mesmo que eles residam em países diversos.
Logo, conclui-se que, como o objeto do artigo é a família transnacional, a convenção de Haia se torna um importante meio para resolução destes conflitos, que como já foi explanado, o crescimento dessas famílias é cada vez mais recorrente, consequentemente, as demandas relacionadas a alienação parental e ao sequestro interparental.
Assim sendo, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro se utiliza dos mecanismos necessários para a busca da verdade real pois, os direitos das crianças e adolescentes são indisponíveis, ou seja, é necessário o trabalho de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais através de laudos e estudos sociais que comprovem a ocorrência ou não da alienação parental, para que assim o juiz ao analisa-los, possa garantir realmente o melhor interesse dos alienados e principalmente a convivência familiar saudável.
Por fim, com a efetiva utilização da lei da alienação parental, 12.318/10, que trás o conceito, suas consequências e sanções aos alienadores, conciliado a ativa aplicação da Convenção dos Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e Adolescentes que direciona ao juiz competente para julgar o caso, ou seja, de acordo com o país de residência habitual do menor, conclui-se que estes são os principais meios para se atender a demanda da prática de alienação parental e do sequestro interparental.
Logo, a efetiva aplicação destes mecanismos é a melhor forma de se garantir os direitos fundamentais e humanos inerentes às crianças e adolescentes, citados tanto no Direito de Família, como o princípio do pluralismo familiar, do melhor interesse da criança e adolescente, da paternidade responsável e da solidariedade familiar, como também os previstos na Constituição Federal e nos Tratados e Convenções que o Brasil é signatário.
REFERÊNCIAS
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[1] Estudante do 5º período do curso de Direito da Universidade José do Rosário Vellano, Campus Campo Belo MG, e-mail:vitoriatrindade.cb8@gmail.com
[2] Glicia Paula Resende, mestre em direito, advogada, docente do curso de direito da Unifenas Campus Campo Belo, Presidente da 120ª subseção da OAB/MG, e-mail: gliciapresente@hotmail.com
[3] BRASIL. Lei 12.318/2010. Alienação Parental.
[4] MADALENO, Ana Carolina Carpes. Síndrome da alienação parenta: importância da detecção: aspectos legais e processuais. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense LTDA, 2017.
[5] DUARTE, Marcos. Alienação Parental: Restituição Internacional de Crianças e Abuso do Direito de Guarda. 1ed. Fortaleza: Leis i Letras, 2011
[6] BITTAR, Eduardo C. B; ALMEIDA Guilherme Assis. Curso de filosofia do direito. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
[7] ROSA, Conrado Paulino. Curso de direito de família contemporâneo. 3 ed. Salvador: Jus Podivm, 2017.
[8] SILVEIRO, Alice da Rocha. Análise interdisciplinar da síndrome de alienação parental: aspectos jurídicos e psicológicos. Artigo extraído de trabalho de conclusão de curso, 2012.
[9] COGO. Denise. Comunicação, migrações e gênero: famílias transnacionais, ativismos e usos de TICs. Intercom - RBCC, São Paulo, v.40, n.1, p.177-193, jan/abr. 2017.
[10] CARVALHO Dimas Messias. Direito das famílias. Saraiva, São Paulo SP, ed.6, 2018.
[11] ROSA, Conrado Paulino. Curso de direito de família contemporâneo. 3 ed. Salvador: Jus Podivm, 2017.
[12] Volling, B. L., & Elins, J. (1998). Family relationships and children’s emotional adjustment as correlates of maternal and paternal differential treatment: A replication with toddler and preschool siblings. Child Development, 69(6), 1640-1656.
[13]MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da Alienação Parental: importância da detecção – aspectos legais e processuais. 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
[14] CARNEIRO, Cynthia Soares; NAKAMURA, Eliana Miki Tashiro. Sequestro civil de crianças e adolescentes: as famílias transnacionais nos tribunais brasileiros e o avanço da cooperação jurídica internacional. Revista dos Tribunais, 2017.
[15] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual de aplicação da Convenção de Haia. 1 ed. Brasília: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[16] CARNEIRO, Cynthia Soares; NAKAMURA, Eliana Miki Tashiro. Sequestro civil de crianças e adolescentes: as famílias transnacionais nos tribunais brasileiros e o avanço da cooperação jurídica internacional. Revista dos Tribunais, 2017.
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