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"Parto do amor” releitura do parto anônimo e sua atual aplicabilidade à luz da Lei 13.509/17
- “Parto do amor” releitura do parto anônimo e sua atual aplicabilidade à luz da Lei 13.509/17 -
Thomas Nosch Gonçalves[1]
Historicamente, no código civil de 1916, nossa sociedade era extremamente patrimonialista e toda sua estrutura baseava-se em poder patriarcal, decorrente do antigo Pater familias.
Esse contexto histórico, decorrente inclusive ainda da forte influência da igreja, na qual estabelecia o casamento como única modalidade de constituição de família. Logo, demais arranjos familiares não só eram mal vistos, como também não tinham proteção jurídica.
Esse sistema decorre historicamente dos registros paroquiais, também chamados de sacramentos. Os assentos de batismo (nascimento), casamento e óbito formavam um acervo importantíssimo, demonstrando o modus vivendi da sociedade brasileira no período colonial e imperial. Essas fontes contribuem na compreensão de nossa história.
Essa situação perdurou-se até a recente década de 80, na qual haviam diferenciação filiatória, separando os filhos legítimos e ilegítimos, sendo esses últimos subdivididos em espúrios, decorrentes de relações adulterinas, incestuosas e sacrílegas.
Com esse arcabouço social era intuitivo que a mulher “honesta”, adjetivo que hoje interpretamos com um qualidade ligada a probidade, mas na época era ligada a decência sexual, com medo de represálias da sociedade, preferia entregar a roda dos expostos seu filho(a) , fruto de uma relação não reconhecida pelo direito do que sofrer as consequências discriminatórias da sociedade.
Nesse contexto social, era praticamente imposto essa atitude e a roda dos enjeitados servia como hipótese de prevenção das sanções morais.
Vários artigos e pesquisas foram elaborados para erradicar essa figura ainda muito presente na nossa sociedade, não mais as “rodas”, mas os abandonos ainda são freqüentes, até mesmo com filhos de idades mais avançadas, dificultando ainda mais o processo de adoção.
Essas dificuldades culminaram inclusive com um projeto de lei elaborado pelo IBDFAM, na tentativa de solucionar esse problema. Apesar da excelente iniciativa, atualmente o projeto encontra-se arquivado, depois de três anos de tramitação, sendo considerado pela ONU( Organização das Nações Unidas) uma violação aos direitos das crianças.
Independente dessas honrosas tentativas de criação de um mecanismo legal de solução, a recente Lei 13.509/2017, na qual incluiu o artigo 19-A no ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente) concebeu uma possibilidade de mais uma vez o ativismo judicial solucionar essa questão social.
Através de um esforço hermenêutico no citado artigo, é possível aplicar o mecanismo do parto anônimo, que prefiro chamar de parto do amor. Essa opção etimológica não é mero preciosismo, e sim uma sugestão para evoluirmos no estigma e alcance dessa palavra.
Esse esforço interpretativo evita o abandono trágico e protege as mulheres desesperadas com uma gravidez indesejada, que agora não só por uma sanção social, mas por motivos congênitos, acabam cometendo o aborto, podendo com isso tirar a própria vida, ou até mesmo o crime de infanticídio.
Por outro lado, e com escopo na absoluta prioridade, tentando minimizar a situação de crianças invisíveis , será deflagrado um rápido processo de adoção da criança por uma família e o principal, com todo amor possível para um crescimento e desenvolvimento prioritário encampado na proteção integral, uma vez que este rápido processo servirá para impedir que ela fique esperando por anos dentro de um abrigo.
Essa hipótese de parto anônimo já foi objeto de uma releitura e previsão expressa nos países europeus para sua prática, protegendo o indefeso e hiper vulnerável dessa relação.
Todo esse raciocínio surge como meio alternativo de promover a efetividade dos direitos, evitando longo e demorado processo de adoção, facilitando o acesso do amor aos até então abandonados, encampados na absoluta prioridade e proteção integral.
[1] Tabelião de Notas e Registrador Civil no Estado de São Paulo, Membro Comissão Notarial e Registral do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM