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Reprodução assistida heteróloga: o anonimato do doador de gametas e o direito a identidade genética
Luciana Alessandra Nunes de Araújo[1]
Henrique Batista de Araújo Neto[2]
RESUMO
O presente trabalho analisa as novas formações familiares e o estabelecimento da filiação a partir do uso das técnicas de reprodução humana assistida heteróloga, as quais são realizadas com gametas de doadores anônimos e são cada vez mais procuradas para possibilitar a procriação a pessoas estéreis ou inférteis. Será estudado o direito a identidade genética da pessoa gerada a luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, demonstrando a necessidade de garantir tal direito e regulamentá-lo, tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico é omisso, motivo pelo qual se faz uso da Resolução n° 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina. Ademais, será feita uma abordagem quanto às motivações em se buscar o conhecimento da origem genética sob o ponto de vista da pessoa fruto das técnicas em análise, esclarecendo, ainda, que o direito a identidade genética difere do estado de filiação, de modo que seu reconhecimento não implica no estabelecimento de qualquer vínculo com o terceiro doador de gametas. Como metodologia foi utilizada a teórico-descritiva, com análise bibliográfica e jurisprudencial.
Palavras-chave: Reprodução assistida heteróloga. Filiação. Anonimato do doador. Direito a identidade genética. Dignidade da pessoa humana.
HETEROGONOUS ASSISTED REPRODUCTION: THE ANONYMITY OF THE DONOR GAMETES AND THE RIGHT TO GENETIC IDENTITY.
ABSTRACT
The current paper analyses the new family forms and the establishment of the filiation status from the use of heterogonous assisted reproductive techniques, which are performed with gametes from anonymous donors and are increasingly sought to enable procreation by sterile or infertile people. It studies the right of genetic identity of the person breed, in light of the constitutional principles of human dignity and fundamental rights, demonstrating the need to ensure that right and regulate it, considering that our legal system is silent, reason why it makes use of Resolution No. 2.013/2013 of the Federal Council of Medicine. In addition, an approach will be made as to the motivations of seeking knowledge of genetic origin from the point of view of the person on the result of technical analysis, explaining further that the right
to genetic identity differs from family status, so that the recognition does not imply the establishment of any link with the third donor gametes. The methodology used was theoretical and descriptive, with literature review and case.
Keywords: Heterogonous assisted reproductive techniques. Filiation status. Donor’s anonymity. Genetic identity right. Human dignity.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo irá abordar as problemáticas decorrentes do anonimato do doador de material genético nas técnicas de reprodução assistida heteróloga. Por tratar-se de assunto ainda não regulamentado pelo ordenamento jurídico pátrio, é motivo de frequente questionamento pelos estudiosos do Direito.
A família, segundo a Constituição Federal, é a “base da sociedade” e por esse motivo tal instituto vem surgindo e sendo admitido nas mais variadas formas, de modo a acompanhar as mudanças de valores da sociedade e preservar as relações familiares criadas, inclusive, com base na socioafetividade. Dessa forma, muitas pessoas vem buscando no avanço científico das técnicas de reprodução humana assistida, dentre elas a reprodução assistida heteróloga, a solução para problemas de infertilidade que possibilitem a formação ou o crescimento da família.
A reprodução assistida heteróloga é o procedimento no qual o encontro do óvulo com o espermatozóide é facilitado através de técnicas médicas, utilizando-se dos métodos tecnológicos que permitiram o avanço da medicina na área de reprodução humana. Existem duas formas de reprodução assistida heteróloga, a inseminação artificial, na qual o sêmen do doador anônimo é introduzido no aparelho genital da mulher através de um aparelho e a fertilização in vitro, na qual a fertilização do óvulo pelo espermatozóide é realizada em laboratório, podendo um ou ambos os gametas serem provenientes de doador anônimo.
Apesar de amplamente utilizada no mundo, e em alguns países já regulamentada, várias indagações jurídicas surgem em relação a tal forma de reprodução assistida. No Brasil o Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução nº 2.013/2013, assegura o sigilo sobre a identidade do doador de material genético confrontando-o com o direito ao conhecimento da parentalidade biológica do ser humano, este decorrente do direito de personalidade segundo entedimento doutrinário majoritário.
Devido à migração da origem genética para os direitos de personalidade, a posição de manter o anonimato do doador vem enfraquecendo, pois em vários casos torna-se importante conhecer as origens genéticas para avaliar devidamente evoluções possíveis no ser resultante da inseminação, ou simplesmente para pesquisar a possibilidade de transmissão de doenças genéticas.
Ademais, o não conhecimento da origem genética pode causar outros problemas diversos à pessoa humana, de modo que a tendência atual é fazer prevalecer os aspectos pessoais implicados na necessidade do conhecimento, independente de qualquer problemática médica, apoiados em direitos fundamentais, seja o direito a identidade genética ou o direito à identidade pessoal.
É preciso, ainda, fazer o estudo das consequências da quebra do sigilo do doador, tais como problemas de ordem psicológica, questionamento da filiação, aspectos patrimoniais, sucessórios, assistenciais entre outros.
No Brasil a busca as técnicas de reprodução assistida vem crescendo, motivo pelo qual é de extrema importância o estudo e determinação de limites jurídicos da reprodução assistida heteróloga, pois, de um lado, soluciona a esterelidade do casal, mas, por outro lado, acarretam graves problemas jurídicos, éticos, sociais, religiosos, psicológicos, médicos e bioéticos, vários decorrentes do anonimato do doador de matérial genético.
Portanto, em face da inexistência de regulamentação jurídica sobre o assutno, torna-se necessária a análise da problemática a partir das normas do Conselho Federal de Medicina, Direito Civil e Constitucional, ensinamentos doutrinários, bem como através dos costumes, ética e bom senso, com o intuito de solucionar os questionamentos propostos.
2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS
Relações privadas são aquelas referentes às relações dos indivíduos entre si, sendo, portanto, atribuição do Direito Civil a sua regulação, pois o mesmo é o ramo do Direito privado que, conforme lecionam GAGLIANO e PAMPLONA (2010, p. 74), “disciplina todas as relações jurídicas da pessoa, seja uma com as outras (físicas ou jurídicas), envolvendo relações familiares e obrigacionais, seja com as coisas (propriedade e posse)”.
Tais relações passaram a ser regulamentadas por códigos a partir do movimento de codificação originado no início do século XIX pelo Código Civil Napoleônico de 1804, com o fim de unificar as relações sociais, atribuindo-lhes maior segurança jurídica. O citado código refletia o ideal burguês de proteção da propriedade e liberdade contratual, seguindo o regime liberal.
Diante disso, as primeiras constituições não trouxeram normas sobre as relações privadas, cumprindo sua função de delimitação do Estado mínimo, atuando apenas de forma subsidiária, aplicável depois de esgotadas as possibilidades existentes. Segundo BARROSO (2012), a Constituição na Europa “era vista como uma Carta Política, que servia de referência para as relações entre o estado e o cidadão, ao passo que o Código Civil era o documento jurídico que regia as relações entre os particulares”.
O primeiro Código Civil brasileiro foi projetado em 1899 e sancionado e promulgado em 1916, seguindo o movimento de codificação que deu ênfase a propriedade e o contrato, sobre os quais o indivíduo exercia a autonomia da vontade direcionada a seus interesses meramente econômicos, sem intervenção do Estado, conforme a doutrina do Estado liberal da época.
Dessa forma, o patrimônio pessoal era prioritário, através do qual se alcançava o desenvolvimento pleno do indivíduo, e a partir dele eram analisados outros interesses, de forma secundária, como ser ver inclusive em artigos que tutelam o Direito de Família no Código Civil de 1916.
Ocorre que no século XX, principalmente no pós-guerra, as mudanças sociais e econômicas ocorreram aceleradamente, de modo que surgiu a necessidade criação de estatutos e leis específicas, situadas no mesmo patamar hierárquico da codificação, que disciplinassem aos novos anseios ,iniciando-se então o processo denominado de descodificação do Direito Civil e a criação de microssistemas jurídicos.
A partir desse momento os ideais de direitos humanos foram surgindo em uma sociedade agora preocupada e solidarizada com o próximo. Tais mudanças deram espaço ao Estado social em detrimento do conservador Estado Liberal, aquele é o:
[...] que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação ao poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos indivíduos a tutelados direitos, incluindo o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil (LÔBO, 1999).
A doutrina entende que o marco inicial do processo de constitucionalização do Direito Civil foi na Alemanha quando, sob o regime da Lei Fundamental de 1949, o Tribunal Constitucional Federal determinou que os direitos fundamentais exerciam, também, a função de instituir uma ordem objetiva de valores. Ainda nesse período surgiu, também na Alemanha, a Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, defendendo que os mesmos não incidiam apenas nas relações entre Estado e cidadão (eficácia vertical), mas também nas relações dos particulares entre si.
Posteriormente adveio a Corte Constitucional da Itália no entanto, o processo só foi concretizado na década de 70. A partir de então, a Constituição passa a ocupar o topo hierárquico do ordenamento jurídico, como reunificador do sistema, o qual deverá ser interpretado a partir das normas ditadas pela Carta Magna, configurando, portanto, a constitucionalização do Direito Civil e, consequentemente, das relações privadas.
Nesse cenário foi promulgada a Constituição Federal brasileira de 1988, indo de encontro ao Código Civil de 1916 ao retirar das relações privadas o caráter exclusivamente patrimonialista para dar a devida importância aos direitos fundamentais da pessoa humana, tratando-os como únicos valores seguros a efetivar os princípios democrático, igualitários, solidaristas e humanistas do ordenamento jurídico, aplicados direta e imediatamente. Nas palavras de LÔBO (2004), “a repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário”.
A Constituição brasileira adotou a já citada Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, prevalecendo a tese de que tais direitos fundamentais incidiriam de maneira direta e imediata entre particulares nas suas relações privadas, tendo em vista que o art. 5º, § 1º, prevê que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.
Portanto, após a constitucionalização do Direito Civil, esse passa a ser construído de acordo com a legalidade constitucional, adotando princípios que valorizam a proteção da pessoa humana, como por exemplo a função social da propriedade, a igualdade entre os filhos, pluralidade familiar, dirigismo contratual, o valor social do trabalho e a não discriminação.
Nesse sentido:
Assim, a Lex Mater salvou o Código Civil (e o Direito Civil como um todo) de uma morte inexorável, permitindo sua oxigenação, abrindo a norma civil para um mundo real, palpável, concreto – que reclama e exige uma tutela jurídica adequada às suas necessidades prementes e presentes. (FARIAS E ROSENVALDM 2008, p.84)
3 A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA
A família é uma entidade histórica, originada desde os primórdios da civilização humana, motivo pelo qual seu conceito muda, acompanhando as transformações da sociedade, de forma a se adequar a cada momento histórico, de acordo com a influência cultural, econômica e, principalmente, religiosas e políticas, entre outros.
Não obstante as mudanças conceituais, pode-se afirmar que a família é o núcleo no qual o indivíduo se forma, constrói sua personalidade, tomando como referencial os demais integrantes, e busca amparo afetivo e material. Tal instituição é tida, ainda, como forma de realização pessoal e alcance da felicidade dos indivíduos nela inserida.
Fazendo uma análise histórica recente, mais especificamente a partir do séc. XIX, percebe-se que a família brasileira acompanhava o modelo de família estruturado no resto do mundo, quando a sociedade era rural, patriarcal e patrimonialista. Devido a influência do Estado francês, só se reconhecia a família em conformidade com a norma positivada, logo sua configuração era pensada de modo a proteger os interesses patrimoniais, de acordo com os anseios do Estado Liberal vigente a época.
Nesse sentido:
As pessoas se uniam em família com vistas a formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos. Daí a impossibilidade de dissolução do vínculo, pois a desagregação da família corresponderia à desagregação da própria sociedade. (FARIAS E ROSENVALD, 2008, p. 04)
Estado e Igreja, instituições de maior influência, não reconheciam os direitos da mulher, mantinham indissolúvel o casamento e só reconheciam os filhos legítimos concebidos na união matrimonial, discriminando e deixando desprotegidos os filhos concebidos fora do casamento, os quais eram denominados de bastardos ou ilegítimos, vivendo à margem do ordenamento jurídico.
No Brasil, a família ganhou status constitucional na Constituição Federal de 1934, sendo constituída pelo casamento, indissolúvel, ao qual o Estado prestava proteção especial, conforme o art. 144[3]. Quanto ao Código Civil de 1916, esse seguiu as mesmas diretrizes já comentadas, inerentes a época[4].
Ocorre que a evolução da sociedade requereu o fim do modelo de família exclusivamente pautado na norma positivada. A ascensão do Estado Social, no século XX, que resultou na constitucionalização das relações privadas como explicado anteriormente, fez com que o indivíduo priorizasse a pessoa humana em si mesma, deixando o aspecto patrimonial em segundo plano e buscando pautar-se na afetividade, solidariedade e dignidade, principalmente para constituir família.
O tratamento da família na Constituição Federal brasileira de 1988 é resultado destas mudanças ocorridas após o Código Civil de 1916, mudanças já refletidas no surgimento das leis e estatutos especiais tratando de matérias que já não possibilitavam a aplicação do código.
A constituição, baseada especialmente na dignidade da pessoa humana, ampliou o conceito de família, tratando-a como base da sociedade, abrangendo-a para acolher as relações afetivas, as uniões estáveis e aquelas formadas por qualquer dos pais e seus descendentes (monoparentais) e, ainda, proibiu qualquer discriminação relativas a origem da filiação, bem como retirou o caráter de indissolubilidade do casamento, atribuindo especial proteção estatal a todas essas espécies familiares.
Corroborando tal acontecimento:
A repersonalização, posta nesses termos, não significa um retorno ao vago humanismo da fase liberal, ao individualismo, mas é a afirmação da finalidade mais relevante da família: a realização da dignidade de seus membros como pessoas humanas concretas, em suma, do humanismo que só se constrói na solidariedade, com o outro. (LÔBO, 2004)
Dessa forma, o Estado e a Igreja deixaram de ser necessárias instâncias legitimadoras da família, para que se pudesse valorizar a liberdade afetiva do casal na formação de seu núcleo familiar, bem como para imprimir dignidade constitucional a pluralidade familiar. É o que prevê o § 7º, do art. 226, da Constituição Federal, acrescentando que cabe ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício do planejamento familiar.
O desejo de procriação é inerente à pessoa humana, logo, diante tal liberdade de planejamento familiar conferida pela Carta Magna, que inclusive aduz que o Estado deve propiciar recursos científicos para tanto, e da vontade em constituir família que nos últimos anos as pessoas que não conseguem a procriação pelo modo tradicional, seja por problemas de fertilidade ou por esterilidade, vem buscando no avanço científico das técnicas de reprodução assistida o sonho de ter filhos e dar continuidade a família, a qual vem sendo criada das mais diversas formas, ampliando as noções de filiação e parentesco.
Ao comentar a revolução trazida pelas técnicas de reprodução assistida na formação das famílias e na filiação, Donizetti afirma que:
a fixação de critérios para o estabelecimento da filiação com o intuito de solucionar problemas que foram ignorados durante muito tempo pelo ordenamento jurídico fez-se necessária, uma vez que hoje já não devem ser mais acobertados ou simplesmente ignorados. Devem, ao revés, ser construídos com base no contexto social da atualidade, cujo parâmetro é o ideal de justiça e igualdade aclamado pelo texto constitucional. (DONIZETTI, 2007, p.13)
A fim de melhor entendê-las será feito um estudo detalhado nos tópicos subsequentes.
4 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
Reprodução assistida é o procedimento no qual o encontro do óvulo com o espermatozóide é facilitado através de técnicas médicas, utilizando-se dos métodos tecnológicos que permitiram o avanço da medicina na área de reprodução humana.
As experiências de reprodução humana assistida surgiram no fim do século XVIII, quando o médico inglês John Hunter registrou ter realizado a primeira inseminação artificial entre marido e mulher. A partir de 1950, as técnicas de inseminação artificial se difundiram rapidamente, devido ao avanço científico, a ponto de apenas nos EUA mais de vinte mil crianças nascerem anualmente, concebidas através de inseminação artificial.
Surgiram como forma de permitir a procriação a casais que não podem ter filhos através da relação sexual, seja por problemas de esterilidade ou infertilidade, sendo o primeiro caracterizado pela incapacidade absoluta de fertilização ou reprodução e o segundo configurado quando há uma diminuição na capacidade de ter filhos, a qual pode ser tratada e possivelmente revertida, ou ainda por serem portadores do vírus HIV, hepatite C, entre outras causas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde a infertilidade é um problema vivido por 8% a 15% dos casais, só no Brasil estima-se que mais de 278 mil casais tenham dificuldade para gerar um filho em algum momento de sua idade fértil. A procura é tamanha que dados recentes da Sociedade Europeia de Reprodução humana e Embriologia estimam que o número de bebés nascidos por meio de técnicas de reprodução assistida já alcançou o patamar dos 5 milhões.
Diante disso, os tratamentos e técnicas de reprodução assistida foram incluídos no Sistema Único de Saúde - SUS - do Brasil, apesar de ainda serem de difícil acesso pois, além da grande procura, de acordo com o Ministério da Saúde, apenas 9 hospitais oferecem os tratamentos, os quais estão localizados nas cidades de São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Recife, Goiânia e mais recentemente em Natal.
Conforme a Resolução nº 2.013/2013, que recentemente atualizou a Resolução n° 1957/2010, do Conselho Federal de Medicina do Brasil, as técnicas: “têm o papel de auxiliar a resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação”. O conselho determina, ainda, que “não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer”.
Por esses e outros motivos, não podem ser usadas de maneira indiscriminada, sob pena de banalização e afronta aos princípios éticos. Dessa forma, a Lei n° 9.263/1996, que trata sobre o planejamento familiar, determina que a prescrição das técnicas depende de avaliação e acompanhamento clínico, devendo serem informados os riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.
Quanto a sua regulamentação, em face da ausência de legislação específica, faz-se o uso da já citada Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina que dispõe sobre as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução humana assistida a serem seguidas pela classe médica sem, no entanto, possuírem força de lei.
A resolução estabelece, principalmente: a) a obrigatoriedade do consentimento informado a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores, através de documento expresso em formulário especial, devendo ter a concordância escrita de quem vai se submeter à técnica; b) a gratuidade da doação; c) idade limite para doação de gametas de 50 anos para o homem e 50 para mulher, regra não prevista anteriormente; e d) sigilo de identidade de receptores e doadores[5], determinações estas que serão tratadas ao longo do trabalho em momento oportuno.
Insta observar que há bastante controvérsia doutrinaria acerca da regulamentação das técnicas de reprodução assistida, principalmente tratando-se da inseminação artificial e fertilização in vitro heteróloga, tendo em vista as problemáticas jurídicas, as quais serão tratadas no presente trabalho, decorrentes de seu uso. Nesse sentido, Maria Helena Diniz é firme ao defender que:
[…] urge regulamentar a fecundação humana assistida, minunciosamente, restringindo-se na medida do possível porque gerar um filho não é uma questão de laboratório, mas obra do amor humano. O ideal seria que se evitasse rebaixar o ministério da concepção, divorciando-o de um ato de amor, convertendo-o em um experimento de laboratório, o que pode trazer futuramente graves consequências para o casal e para o filho. Dever-se-á, em nosso entender, coibir inseminação artificial heteróloga, a fertilização em vitro e a gestação por conta de terceiro, ante os possíveis riscos de origem física e psíquica para a descendência e a incerteza sobre a identidade. (DINIZ, 2009, p.546)
Em entendimento semelhante, Maria Claúdia Crespo Brauner conclui ser razoável a ideia de que o direito de gerar não é absoluto, de modo que o direito ao filho não pode servir de justificativa para o ilimitado as possibilidades de reproduzir artificialmente, sob pena de atribuir a criança a característica de “coisa”, “um objeto-devido”, negando-se sua dignidade de pessoa.
4.1 Reprodução Assistida Heteróloga
A reprodução assistida heteróloga é aquela na qual um dos doadores de gameta ou ambos é estranho ao casal que está se submetendo a técnica, em sua maior parte é realizada com a doação de sêmen de terceiro anônimo, devido à esterilidade comprovada do marido/companheiro. As técnicas de reprodução assistida que permitem a modalidade heteróloga são a inseminação artificial e a fertilização in vitro (FIV), também chamada de fecundação artificial, as quais serão tratadas a seguir.
Inicialmente, tomando as lições de Arnaldo, tem-se que a gratuidade de doação da gametas decorre da vedação constitucional da comercialização órgãos, tecidos e substancias humanas, conforme prevê o art. 199, § 4°, mesmo que não disposta tal gratuidade no art. 1° da Lei n 9.34/97 que regulamenta a doação de órgãos, tecidos ou partes do corpo.
Na inseminação artificial o sêmen do marido/companheiro ou do doador é introduzido no aparelho genital da mulher através de aparelho próprio, será homóloga quando o material genético utilizado é do marido/companheiro da mulher que irá submeter-se ao procedimento e heteróloga quando o sêmen provém de um doador anônimo.
Relatos dão conta que a técnica foi reproduzida com êxito no final do século XIX, mais especificamente no ano de 1884, na Filadélfia, por Wiliam Pancoast. No Brasil, o primeiro banco de sêmen foi instalado no ano de 1993, junto ao Hospital Albert Einstein, nestes o material genético é armazenado e congelado com nitrogênio líquido.
Por sua vez, a fertilização in vitro consiste em realizar a fertilização do óvulo pelo espermatozóide em laboratório e posteriormente transferir o embrião para o útero de mulher, sendo homóloga quando os gametas forem ambos do casal ou heteróloga quando forem de doador(a) anônimo(a) ambos os gametas ou somente o espermatozóide ou óvulo. No último caso, a necessidade de utilizar-se de óvulo doado decorre, principalmente, da incapacidade de produção da receptora, de modo que está terá o endométrio preparado com hormônios antes de receber o embrião, os quais iram ser mantidos até o terceiro mês de gestação quando a placenta passa a ser a responsável pela manutenção da mesma.
Bastante controvérsia há ao discutir a doação compartilhada de óvulos, situação permitida pela resolução do CFM, caracterizada quando doadora e receptora tem problemas de reprodução, de modo que a primeira doa seus óvulos a segunda, incapacitada de produzi-los, em troca de ajuda financeira para o tratamento reprodutivo, no entanto a doadora terá preferência sobre o material biológico que será produzido. Diante do recebimento da referida ajuda financeira questões são levantadas no que tange ao desrespeito à gratuidade determinada pela resolução, o que poderia caracterizar comércio de células reprodutivas.
Em defesa da legalidade da prática especialistas em reprodução assistida afirmam que ambas as envolvidas são beneficiadas, bem como que a doadora não recebe o dinheiro em mãos. Em oposição, à juíza de direito Deborah Cioci entende ser inaceitável tal prática, assemelhando-a ao escambo, tendo em vista implicar a comercialização e benefício do médico com a transação, ferindo o disposto da Constituição Federal e na resolução do CFM.
A primeira fertilização in vitro realizada com sucesso ocorreu em 1978 na Inglaterra, resultando no nascimento de Louise Brown, concebida pelos gametas de seus pais logo, na modalidade homóloga, enquanto no Brasil obteve-se sucesso em 1984, com o nascimento de Ana Paula Bittencourt. A técnica é menos popular e mais complicada se comparada à inseminação artificial.
Portanto, em virtude do uso de gametas provenientes de doadores anônimos nas técnicas de reprodução citadas, se faz necessária uma análise acerca do estabelecimento da filiação nas mesmas.
4.2. Filiação na reprodução assistida heteróloga
Segundo Paulo Lobô filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe).
Conforme já mencionado, a concepção de que a filiação somente seria reconhecida se existente o aspecto biológico restou ultrapassada no decorrer da evolução da família brasileira, de modo que a filiação pautada na afetividade é igualmente reconhecida constitucionalmente, não podendo haver quaisquer discriminação, conforme art. 1596 do Código Civil de 2002.
Ademais, o art. 1593 do mesmo código dispõe que o parentesco será natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade (natural) ou outra origem, entendendo-se por outra origem a adoção, a reprodução medicamente assistida e a posse do estado de filho, conforme enunciado 103 aprovado na I Jornada de Direito Civil, reafirmando a consagração da socioafetividade, de forma que o caso concreto será determinante para a predominância de uma forma ou outra.
4.3 Presunção de paternidade/maternidade
Dito isso, quanto às relações de filiação nas técnicas objetos do presente estudo, é certo que a inseminação artificial heteróloga estabelece em relação à mulher parentesco biológico (consanguíneo/natural) e, se realizada por casal, estabelece em relação ao marido/companheiro parentesco não consanguíneo, tendo em vista a utilização de sêmen de terceiro, armazenado em bancos. Portanto, o parentesco será civil, sustentado exclusivamente nos laços afetivos e consequência da vontade manifestada pelo marido/companheiro, que substituirá a relação sexual apta a gerar o parentesco biológico.
Já na fertilização in vitro o parentesco será biológico em relação à mãe ou ao pai, a depender se houve doação de óvulo ou sêmen, sendo civil e socioafetivo em relação aquele que não contribuiu com seu material genético, ou ainda em relação a ambos, no caso da utilização somente de gametas doados. Sendo o caso de fecundação de óvulo doado com sêmen do marido da receptora do embrião a presunção de maternidade se daria em decorrência de que a receptora do óvulo é a que levou adiante a gestação e pariu, de acordo com o princípio de que a mãe é sempre certa (mater semper certa), no entanto como tal princípio resta ultrapassado em razão da atual possibilidade de separação entre concepção e gestação, o estabelecimento da maternidade decorre da vontade de assumir o projeto parental.
No ordenamento jurídico, a relação de filiação referente aos filhos provenientes das técnicas de reprodução assistida, somente foi tratada, minimamente, no Código Civil de 2002, o qual prevê as possibilidades de presunção de paternidade dos filhos quando concebidos na constância do casamento em seu art. 1597. O inciso V do mesmo artigo, condicionando tal presunção a prévia autorização do marido nos casos de inseminação artificial heteróloga.
Segundo Guilherme Gama a regra prevista no inciso V, acima citado, deve ser interpretada como uma presunção absoluta de paternidade do marido/companheiro sobre o filho da mulher, independentemente dos prazos estabelecidos nos incisos I e II do mesmo artigo.
Ademais, embora não previsto no inciso V do referido artigo, por analogia, deve ser presumida também a maternidade e/ou paternidade quando utilizada a fecundação in vitro heteróloga, bem como exigida a autorização do(s) cônjugue(s) quando da utilização de gameta de terceiro.
Esse é o entendimento doutrinado por meio do enunciado 129, aprovado na I Jornada de Direito Civil, como proposta de inclusão do art. 1597-A, o qual traria em sua redação que, quando da utilização da técnica de reprodução assistida heteróloga, a maternidade será estabelecida em favor daquela que planejou a gestação, mesmo não tendo fornecido material genético. A justificativa se pauta na afirmação de que ao autorizar que o homem se valha das técnicas de reprodução assistida não pode o Código Civil deixar de prever idêntico tratamento as mulheres.
A lei não especifica de que modo a autorização deve ser realizada, o dispositivo do código fala apenas em autorização prévia, levando a entender a possibilidade de qualquer meio, no entanto, com o fim de melhor resguardar a legalidade do ato a maior parte da doutrina entende que a legislação futura deve exigir que seja escrita, a exemplo do que prevê a legislação portuguesa.
Ou, ainda, seguir o exemplo francês, o qual determina que os casais ou companheiros que recorrerem à reprodução assistida com intervenção de terceiro, devem manifestar o consentimento perante o juiz ou notário. Guilherme Gama concorda com tal possibilidade ainda de maneira mais ampla, entendendo que:
De lege ferenda o procedimento judicial seria uma boa medida especialmente à luz da Constituição de 1988, para que fosse preservada a futura dignidade da criança a nascer, fazendo com que fosse relativizada – em prol da futura criança – a vontade individual de forma mais intensa do que se verifica atualmente.(GAMA, 2003, p.707)
Logo, é possível concluir que tal autorização é imprescindível e deve ser exigida a fim de conferir segurança jurídica e evitar futuras impugnações de paternidade ou mesmo de maternidade, ainda que seja mais difícil a mulher se submeter às técnicas heterólogas por indução do marido, pautadas em alegações de indução ao erro, dolo ou coação ou em decorrência de arrependimento.
4.4 Impugnação de Paternidade
Sendo absoluta a presunção de paternidade/maternidade, devido à prévia autorização, não é admitida a impugnação da mesma, caso contrário seria uma afronta à dignidade da pessoa humana, ao princípio da boa fé e ao princípio de melhor interesse da criança, a qual não pode ficar a mercê do juízo de vontade daquele que havia consentido. Além do mais, possível impugnação da paternidade/maternidade conduziria o filho a uma filiação incerta, tendo em vista o segredo profissional médico e o anonimato do doador de gametas.
Reforçando tal entendimento, os enunciados 258 e 519, respectivamente aprovados nas III e V Jornadas de Direito Civil[6], estabeleceram em relação a inseminação artificial heteróloga que não cabe a ação de impugnação de paternidade se a filiação for decorrente de procriação assistida heteróloga autorizada pelo marido, sendo presumida absolutamente tal paternidade. Ademais, o conhecimento da ausência de vínculo biológico, em conjunto com a posse do estado de filho, também obstaria a referida ação.
Nesse sentido, a Corte de Cassação da Itália reformou no ano de 2000, em grau de recurso, decisão do Tribunal de Cremona, posteriormente confirmada pelo Tribunal de apelação de Brescia, que reconheceu o pedido de negação de paternidade ajuizada por marido, em face de sua impotência, de mãe de criança concebida por meio de inseminação artificial heteróloga. Ocorre que a inseminação foi autorizada pelo marido, motivo pelo qual a Corte de Cassação recusou o pedido de retratação devido à anuência prévia, observando que a negatória de paternidade privaria a criança de uma das figuras parentais e violaria a boa fé.
Em contrapartida, não havendo consentimento prévio do marido/companheiro, a presunção de paternidade em relação à criança, nascida de sua mulher a partir de inseminação artificial heteróloga, será relativa, entendendo alguns doutrinadores que poderá ser impugnada se ainda não houver se concretizado uma relação socioafetiva, tratando-se de ato injurioso, ofensivo a honra, ao respeito e a dignidade do cônjuge.
Ressalta ainda, MOREIRA FILHO (2002) que “além da falta do querer ser pai, ou seja, da filiação socioafetiva, há a presença da fraude e da deliberada intenção de levar a erro”.
4.5. O acesso da mulher sozinha às técnicas de reprodução assistida heteróloga
Bastante controvérsia há ao se tratar do acesso de mulheres sozinhas (viúvas, solteiras, divorciadas, etc.) as técnicas de reprodução assistida heteróloga, pois a criança gerada já nasce sem vínculo de paternidade, sendo lhe negado o direito a biparentalidade. No Brasil, a Resolução do Conselho Federal de Medicina admite que todas as pessoas capazes podem ter acesso as técnicas de reprodução assistida, limitada a idade máxima de 50 anos, alteração recente, logo permite-se o acesso da mulher sozinha, a exemplo da Espanha, indo de encontro a legislação de países como Portugal, Alemanha, Suécia e França.
Favoravelmente, atente-se ao fato de que não há qualquer proibição legal e que a constituição reconhece a pluralidade de famílias, protegendo as monoparentais da mesma forma que qualquer outra. Ademais, conforme observa Gama, é reconhecida a mulher sozinha a faculdade de adotar, não podendo o acesso a reprodução assistida ser-lhe negado, contanto que tenha um projeto parental que atenda aos interesses da criança, o qual deve ser submetido à valoração judiciária, assim como na adoção, para análise relacionada ao princípio da paternidade responsável, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança.
Por outro lado, a tendência das legislações estrangeiras é proibir o acesso pelos mais diversos motivos, tendo em vista, principalmente, o melhor interesse da criança, não podendo lhe ser negado o direito a convivência familiar biparental por escolha da mãe. Nesse sentido, Eduardo Leite assevera que à convivência familiar não será satisfatória em se tratando de mãe solteira, tampouco no âmbito de casais homossexuais, e acrescenta que admitir o acesso a tais técnicas seria atender aos interesses egoísticos de determinadas pessoas.
Sensata é a observação feita por Heloisa Helena ao entender que a intenção do constituinte ao reconhecer a família monoparental não foi a de incentivar a formação de famílias que possam privar a criança de um genitor, sugerindo que a prática seja vedada.
4.5 Inexistência de vínculo de parentesco com o doador de gametas
Em relação ao doador de gametas, não se estabelecerá qualquer vínculo de parentesco com a pessoa nascida a partir das técnicas estudadas. O doador atua de maneira solidária, tendo em vista a gratuidade da doação, com o fim de ajudar a concretizar o sonho de constituir família daquelas pessoas que não podem realizá-lo de maneira natural.
Não há adesão ao projeto parental, motivo pelo qual não pode ser buscado o reconhecimento de paternidade/maternidade em face do doador.
Desse modo, Zanatta e Enricone ensinam que:
Na inseminação heteróloga, assim como na reprodução natural, conjunção carnal entre homem e mulher, se faz presente a vontade dos pais em ter aquele filho. Porém, não é este o desejo do doador, que não possui o fator volitivo para gerar um filho próprio, modo pelo qual o ato de doar deve ser interpretado como puro altruísmo a favor de pessoas que sonham em conceber um filho. (ZANATTA E ENRICONE, 2012).
O vínculo deve ser mantido apenas para fins de impedimentos matrimoniais em relação ao doador e seus parentes afins em linha reta, irmãos e demais colaterais até 3° grau, conforme art. 1521 do CC, a fim de que sejam evitadas uniões incestuosas, as quais são completamente repudiadas pela sociedade não só pelo aspecto moral, mas também pelas consequências médicas que podem acarretar.
5 O DIREITO A IDENTIDADE GENÉTICA NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA.
Com o crescente acesso e procura pelas técnicas de reprodução assistida, além de algumas polêmicas já citadas, a questão do direito do filho gerado em conhecer sua origem genética vem dividindo a opinião da sociedade, principalmente dos doutrinadores jurídicos.
Conforme já mencionado, o Conselho Federal de Medicina estabelece o sigilo de identidade entre doadores e receptores como requisito para a realização da reprodução assistida heteróloga, de modo que somente as informações sobre o doador podem ser fornecidas aos médicos, em situações excepcionais, mantendo-se em sigilo sua identidade civil. Por esse motivo as clínicas devem manter um registro, permanente, de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
A garantia do anonimato do doador é tendência nas legislações estrangeiras. Tal garantia visa resguardar o seio familiar no qual a criança será recebida, evitando conflitos psicológicos, que atrapalhariam a convivência e integração entre os pais e a criança, bem como promover o melhor interesse da criança ou adolescente, impedindo tratamento discriminatório, em alusão ao procedimento de adoção, no qual o § 4º, do art. 47, do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que “Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro”.
Em defesa da manutenção do anonimato estão os que afirmam que a simples possibilidade de revelação da identidade do doador(a) de material genético iria acarretar uma grande diminuição número de doações, a exemplo do que ocorreu na Suécia, tendo em vista que os que a fazem praticam um ato de pura solidariedade ao próximo, acreditando estarem resguardados quanto ao estabelecimento de qualquer vínculo com os receptores e a pessoa gerada através da técnica. Ademais, argumenta-se que a revelação poderia causar conflitos psicológicos e interferir na relação familiar.
Ocorre que tal garantia entra em colisão com o interesse da pessoa gerada em conhecer sua identidade genética, o qual vem sendo denominado na doutrina jurídica de Direito a Identidade Genética. A curiosidade quanto à ascendência genética é uma característica inerente a todo ser humano, o qual busca sempre comparar a origem de suas características físicas e comportamentais as de seus ascendentes e demais parentes.
Dessa forma, a pessoa gerada por meio das técnicas aqui estudadas pode se ver em algum momento da vida questionando sua semelhança com a de seus pais e, independentemente da boa ou má relação familiar, deparar-se com muitas diferenças, ocasionando sentimentos de incompletude assim como frequentemente ocorre com pessoas que foram adotadas e buscam a todo custo encontrar os pais biológicos.
Não obstante a mera curiosidade torna-se de extrema importância o conhecimento da origem genética para fins de prevenção e tratamento de doenças genéticas ou ainda em casos de doenças somente solucionáveis através de compatibilidade sanguínea, conforme já prevê a Resolução nº 2.013/13 do CFM ao dispor que as informações sobre doadores podem ser fornecidas aos médicos, por motivações médicas, no entanto resguardando sua identidade civil. Aqui está se resguardando o direito garantido constitucionalmente a vida.
Ademais, tem-se o condão de evitar relações incestuosas, tendo em vista que a globalização e a evolução tecnológica minimizaram o óbice da distância aos relacionamentos pessoais, os quais vem se iniciando até por meio da internet, onde é possível conhecer pessoas de todos os lugares, de modo que seria inconsequente ficar a mercê da sorte de não acontecerem coincidências.
A busca pela origem genética já é uma realidade social, em sua obra Ferraz cita reportagem exibida no Programa Fantástico, da Rede Globo, narrando a história de cinco irmãos de mães diferentes, concebidos por inseminação artificial heteróloga com sêmen doado, que se encontraram em um site da internet que cruzou seus DNA`s, concluindo que tinham o mesmo pai.
Nos Estados Unidos já é comum à criação de sites com tal finalidade, a exemplo do site The Donor Simbling Registry, criado no ano de 2000 por Wendy Kramer quando seu filho Ryan passou a questionar-lhe sobre seu pai biológico. Após encontrar o pai biológico, ao colocar seu DNA em um banco de dados e cruzar as respostas com um registro público da cidade onde sabia que seu doador tinha nascido Ryan afirmou que: “Quando tinha certeza, escrevi uma carta para ele dizendo que só queria conhecê-lo. Ele me respondeu e desde então desenvolvemos uma relação única e muito boa, nos encontramos ao menos uma vez ao ano”. E ainda que: “Meus avós biológicos se mudaram para perto de mim e eu os vejo sempre, é como uma família estendida”.
Segundo Kramer o site recebe 10 mil visitas por mês e já possibilitou o encontro de 8.400 pessoas com irmãos ou doadores.
Outros exemplos como os de Olivia Pratten, canadense, 28 anos, e Alana S., americana, 24, podem ser usados. Em reportagem veiculada no site da revista Istoé as jovens afirmam que sempre souberam que os pais eram doadores de esperma e desejam saber a influências dos mesmos em suas vidas, bem como solucionar dúvidas em relação as suas origens.
Em sua busca pela origem biológica Alana criou um site chamado Anonymous.us.org (somos anônimos), através do qual as pessoas contam suas histórias envolvendo a reprodução assistida heteróloga. Os relatos são quase sempre os mesmo, as pessoas concebidas são gratas pela família que tem e não querem deixar de fazer parte dela, no entanto sentem que lhes falta um pedaço, se perguntam constantemente “quem eu sou?” e detalham sentimentos de confusão e muitas vezes raiva por terem o direito ao conhecimento negado, concluindo que continuaram a procurar o doador que lhes deu origem. Eis alguns relatos anônimos do site:
I'll never stop wondering. Not just about who my father is, but about all the other people out there like me who will never know the truth. About all my potential half-siblings, scattered across the country. About how many more people this is going to happen to before anonymous donation comes to an end. About how it's affecting kids growing up right now. I have so many questions that I've never considered. I don't think I'll ever have all the answers. From here on out, I'll always be wondering. But that won't stop me from looking[7].
I don't know where I came from and that is all I think about. I can't help but to look down at my hands and to look at my reflection and just wonder. Wonder who I am. Now, for my biological father, I do not want a relationship with him, but is a picture and a name too much to ask for? I don't think so[8].
Ainda nos Estados Unidos um livro denominado “My daddy’s name is donor” (O Nome do meu pai é doador), publicado em 2010, traz uma pesquisa na qual foram ouvidos 485 adultos cujas mães recorreram a esperma doado, desse total dois terços gostariam de ter acesso aos dados do doador.
O livro serviu como base para um documentário produzido pelo Centro de Bioética e Cultura americano em 2010 como o nome de Anonymous Father’s Day, o qual aborda os efeitos da reprodução assistida sob o ponto de vista de pessoas concebidas a partir de doação de gametas. Barry Stevens, cineasta, gerado a partir de doação de esperma, foi entrevistado para o documentário, ele fez filmes baseados sobre a busca a seu genitor biológico e afirmou que os governos, clínicas ou médicos não tem o direito de esconder informações pessoais significantes da pessoa ou sobre a pessoa, questionando o porquê de ser tão difícil entender que eles querem saber quem são seus parentes biológicos.
5.1 Direito a identidade Genética como um Direito de Personalidade integrante dos Direitos fundamentais.
Por todos esses motivos a defesa do direito a identidade genética é entendimento majoritário entre os doutrinadores, os quais o vem enquadrando como um espécie de direito a identidade. Segundo Paulo Otero, a identidade pessoal divide-se em dimensão absoluta – expressão de caráter único: cada pessoa é dotada de uma individualidade que a distingue das demais – e relativa – definida em função de memórias familiares conferidas pelos antepassados, concluindo Donizetti que tal divisão permite compreender que o acesso à informação genética é um dos pilares da identidade pessoal.
Corroborando tal entendimento Maria de Fátima Freire afirma que o termo identidade genética é como um nível prévio à identidade pessoal, sendo aquele substrato desta.
Dessa forma, compreende-se que, enquanto relacionado à integridade física-psíquica da pessoa, o direito a identidade genética insere-se nos direitos de personalidades, tendo em vista que esses são “aqueles que tem por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”, segundo leciona STOLZE (2010, p. 182).
Nesse sentido Paulo Lôbo afirma que, ao perder seu papel de legitimador da filiação, a origem genética migrou para os direitos de personalidade com finalidades distintas aquela.
Por sua vez, os direitos de personalidade integram os direitos fundamentais, os quais segundo Gonet Branco são o núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana ou ainda pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana, recebendo tal dignidade, através da Constituição Federal, a atribuição de princípio fundamental da Republica Federativa do Brasil, motivo pelo qual as relações humanas devem ser regidas por si.
Em seu estudo Selma Rodrigues Pertelle defende que:
[...] a identidade genética, por sua relevância e conteúdo, foi elevada a posição de direito fundamental. Com o fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito fundamental à vida [...] guindou-se o direito à identidade genética à posição de direito fundamental implícito na ordem constitucional pátria. Isto, evidentemente, no âmbito de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais, como cláusula geral de implícita de tutela de todas as manifestações essenciais da personalidade humana. (PERTELLE, 2013)
Tem-se, portanto, que, como integrantes dos direitos fundamentais, o direito a identidade genética deve ser respeitado e protegido de violação em face do princípio da dignidade, inerente a pessoa humana desde seu nascimento, para que permita a pessoa gerada por reprodução assistida heteróloga ter acesso a sua historicidade pessoal, direito que, segundo Moreira Filho, não pode ser obstaculizado, renunciado ou disponibilizado pelo pai ou pela mãe, objetivando-se o reconhecimento do exercício pleno do seu direito de personalidade.
Corroborando com tal entendimento:
O fato de os pais disporem previamente, no Termo de Consentimento, que não demandarão a “paternidade” biológica do filho não tem o condão de vincular o filho nascido, uma vez que soaria injusto a concessão do direito aos pais com a consequente supressão do direito do filho. (DONIZETTI, 2007, p. 126).
Ademais, a partir do momento em que se é negado o acesso às informações genéticas a pessoa gerada por meio de reprodução assistida heteróloga estar-se-á estabelecendo uma discriminação em relação aos filhos havidos de relações sexuais ou de adoção, afrontando previsão constitucional, reproduzida no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que garante os mesmo direitos e qualificações aos filhos, proibidas quaisquer designações discriminatórias em relação a filiação.
Deve-se, na medida do possível, fazer alusão e adaptar ao presente caso a previsão do art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual da ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica ao completar 18 anos, ou antes, se assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.
Em face da ausência de legislação específica vários projetos de lei estão sendo apresentados desde 1993 a fim de regulamentar o uso das técnicas de reprodução humana assistida.
O Projeto n° 1184/2003 é o que se encontra em estágio mais avançado de tramitação na Câmara dos Deputados, apresentado pelo Senador Lúcio Alcantará como substitutivo do Projeto n° 90/99, o qual pretende regulamentar o uso das técnicas de reprodução assistida. Tal projeto prevê em seu art. 9°, § 1°, que a pessoa nascida por processo de reprodução assistida poderá ter acesso, a qualquer tempo, as informações sobre o processo que a gerou, inclusive à identidade civil do doador, desde que manifeste sua vontade livre, consciente e esclarecida, devendo ser mantidos os segredos profissionais e de justiça.
O Projeto de Lei n° 4686/04, de autoria do Deputado José Carlos Araújo sugere um acréscimo ao art. 1597 do Código Civil, reproduzindo o texto do art. 9°, § 1, do projeto acima e acrescentando que a maternidade ou paternidade biológica resultantes do processo de reprodução assistida, após conhecidas, não geraram nenhum direito sucessório.
O mais recente projeto de lei a tratar da reprodução assistida é o de número 4892/2012, o qual foi apensado ao Projeto n° 1184/2003. O projeto faz uma interessante sugestão ao garantir o sigilo do doador, no entanto determinando ressalvas em caso de interesse relevante para garantir a preservação da vida, manutenção da saúde física, higidez psicológica ou outros casos graves que envolvam a pessoa nascida, os quais ficariam a critério do juiz, devendo tal direito, portanto, ser reconhecido por sentença judicial e garantido também ao doador nos mesmos casos.
Ademais, determina que após o conhecimento judicial do liame biológico não será estabelecido vínculo de filiação e, consequentemente não haverá qualquer direito pessoal ou patrimonial ou dever oriundo do vínculo paterno filial.
É de suma importância esclarecer que o direito ao conhecimento a origem genética não deve ser vinculado a uma investigação de paternidade que leve ao reconhecimento judicial da mesma, o primeiro é um direito de personalidade, o qual não gera estado de filiação, tendo em vista que este não mais é unicamente estabelecido em razão da origem biológica. Ademais, as informações devem ser concedidas somente a pessoa gerada e em segredo de justiça.
O Estado de filiação anteriormente estabelecido jamais será desconstituído em face do conhecimento da origem genética, pois um não prevalece sobre o outro, motivo pelo qual doutrinadores acreditam que a ação de investigação de paternidade não é o meio adequado a tutelar o direito:
Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por dador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equivoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com direito à origem genética. (LÔBO, 2004)
Guilherme Gama vai mais além ao propor o uso do remédio constitucional habeas data, previsto no art. 5, inciso LXXI, a fim de buscar o direito ao conhecimento das informações relativas ao procedimento médico realizado, bem como relativas ao doador de material genético, acrescentando que tais informações serão reveladas em segredo de justiça somente a pessoa gerada. Diante disso, afirma que o anonimato continuaria existindo, no entanto, não sendo oponível a pessoa concebida quando tiver atingido maturidade suficiente para ter acesso aos dados.
Dessa forma, conforme sugere o Projeto de Lei n° 4686/04 e outros, o direito deve e pode ser conferido sem que haja implicações jurídicas de sucessão, alimentos ou filiação entre os envolvidos, a fim de que a busca pelo direito não seja motivada por cunho patrimonial do filho para com o pai ou do pai para com o filho. Diferente não é o entendimento de Paulo Lôbo que, ao discorrer sobre a distinção do direito de estado de filiação e o direito à origem genética, afirmou que:
Ao ser humano, concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado de filiação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou da própria ascendência, como direito geral da personalidade, como decidiu o Tribunal Constitucional alemão em 1997, mas sem relação de parentesco ou efeitos de direito de família tout court.(LÔBO, 2004)
O tema já foi regulamentando em alguns países. A Suécia foi um dos primeiros países a estabelecer normas legais sobre reprodução assistida e reconheceu o direito ao conhecimento da origem genética, o qual pode ser exercido após os 18 anos de idade, devendo os hospitais manter a identidade do doador registrada por 70 anos.
Na Alemanha é reconhecido o direito a identidade genética, sem alteração de vínculos, com base no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, previsto no art. 2 da constituição, podendo a pessoa buscar as informações a partir dos 16 anos.
Outros países como Inglaterra, Holanda Noruega e Suiça também permitem a revelação da identidade do doador. A Itália, em posição mais radical, proíbe a realização de reprodução assistida com uso de esperma de doadores anônimos.
6 CONCLUSÃO
O estudo desenvolvido tratou do estabelecimento da filiação e as consequências da manutenção do anonimato do doador de gametas em relação à pessoa gerada a partir das técnicas de reprodução humana assistida na modalidade heteróloga.
Conforme detalhado, a modalidade admite o uso da técnica de inseminação artificial com o sêmen de terceiro anônimo e da fertilização in vitro, a qual pode ser realizada com sêmen ou óvulo de doador anônimo ou ainda de ambos. Tais alternativas são usadas em todo o mundo e cada vez mais procuradas.
No Brasil não há regulamentação jurídica sobre o assunto, sendo o anonimato do doador estabelecido pela Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina. A resolução é utilizada pela classe médica em face da lacuna existente no ordenamento jurídico, no entanto não tem força normativa.
Dessa forma, não há estabelecimento de qualquer vínculo entre a pessoa gerada e o doador, sendo a filiação estabelecida pela socioafetividade em relação à pessoa que não contribuiu com seu material genético e consentiu expressamente com a realização da técnica, deixando em segundo plano o aspecto biológico, conforme consagrado pela Constituição Federal ao dar igual tratamento a todas as formações familiares.
Ocorre que ao se manter o anonimato não se está levando em conta o direito da pessoa gerada a partir da reprodução heteróloga em conhecer sua origem genética. Esse direito vem sendo consagrado pela doutrina e recebeu a denominação de Direito a identidade genética, integrando os direitos de personalidade e, portanto, os direitos fundamentais, constitucionalmente protegidos, conforme orientação doutrinária majoritária.
A busca pelo conhecimento da origem genética é um fenômeno que vem crescendo exponencialmente e não pode ser ignorado. Atualmente já existem diversos sites criados por pessoas frutos de reprodução heteróloga com o objetivo de identificar o doador de gameta, a exemplo do site americano The Donor Simbling Registry que recebe cerca de 10.000 visitas mensais, além disso, livros e documentários já foram feitos em defesa dos direitos dessas pessoas.
As motivações são diversas, desde preocupação com doenças genética, incesto e a simples, porém não menos importante, curiosidade em conhecer aquele que contribuiu com metade do material genético necessário a vida do indivíduo. Os relatos descrevem sensações de vazio, questionamentos sobre aspectos físicos e comportamentais que não são compatíveis com os outros integrantes da família e até mesmo revolta por lhes ter sido negado o direito por escolha alheia.
Dessa forma, o direito a identidade genética deve ser regulamentado e garantido a fim de se preservar o exercício pleno do direito da identidade pessoal e a dignidade da pessoa humana. Ao negar tais informações a pessoa gerada pelas técnicas aqui estudadas se estabelece uma discriminação, tendo em vista que aos adotados é dada a opção de acesso aos dados do processo de adoção a partir dos 18 anos, ferindo a cláusula constitucional que garante a igualdade entre os filhos.
Insta observar que o reconhecimento do direito não geraria nenhum vínculo de filiação entre o doador e a pessoa gerada, logo não seria possível a busca por direitos sucessórios, assistenciais ou qualquer outro de cunho jurídico. Ademais, as informações seriam concedidas através de processo com tramitação em segredo de justiça, de modo que somente o autor teria acesso aos dados.
Portanto, resta claro que o direito a identidade genética deve ser garantido à pessoa gerada a partir das técnicas de reprodução humana assistida heteróloga, como proteção a dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais, sem que isso gere estado de filiação, se fazendo necessário que o Brasil regulamente o uso das técnicas e consequentemente as condições do direito em questão, a exemplo de países como Inglaterra, Suíça, Alemanha entre outros que já possuem leis a respeito.
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[1] Discente do Curso de Direito do Centro Universitário do Rio Grande do Norte- UNI-RN. E-mail: lu_alessandra@hotmail.com
[2] Docente do Curso de Direito do Centro Universitário do Rio Grande do Norte - UNI-RN. E-mail: prof.henriquebatista@gmail.com
[3] Art. 144 - “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.”
[4] Como exemplo o Art. 229 - “Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.”
[5] A resolução prevê uma exceção ao afirmar que em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
[6] Enunciado 258 – Arts. 1597 e 1601: não cabe a ação prevista no art. 1601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1597, cuja paternidade configura presunção absoluta.
Enunciado 519 – Art. 1601: O conhecimento da ausência de vinculo biológico e a posse do estado de filho obstam a contestação de paternidade presumida. Informação disponível em Portal da justiça Federal. Jornadas de Direito Civil – Enunciados Aprovados. Disponíveis em: <www.justicafederal.jus.br>. Acesso em: 24 out. 2012.
[7] Tradução livre: Eu nunca vou parar de me perguntar. Não apenas sobre quem é meu pai, mas sobre todas as outras pessoas lá fora, como eu, que nunca vão saber a verdade. Sobre todos os meus potenciais meio-irmãos, espalhados por todo o país. Sobre com quantas pessoas mais isso vai acontecer antes da doação anônima chegar ao fim. Sobre como ela está afetando crianças crescendo agora. Eu tenho tantas perguntas que eu nunca tinha considerado. Eu acho que eu nunca vou ter todas as respostas. De agora em diante, eu vou sempre estar se perguntando. Mas isso não vai me impedir de olhar.
[8] Tradução livre: Eu não sei de onde eu vim e isso é tudo o que eu penso. Eu não posso deixar de olhar para as minhas mãos e olhar para a minha reflexão e me perguntar. Saber quem eu sou. Agora, para o meu pai biológico, eu não quero um relacionamento com ele, mas uma imagem e um nome é muito para pedir? Eu não acho.Luciana Alessandra Nunes de Araújo[1]
Henrique Batista de Araújo Neto[2]
RESUMO
O presente trabalho analisa as novas formações familiares e o estabelecimento da filiação a partir do uso das técnicas de reprodução humana assistida heteróloga, as quais são realizadas com gametas de doadores anônimos e são cada vez mais procuradas para possibilitar a procriação a pessoas estéreis ou inférteis. Será estudado o direito a identidade genética da pessoa gerada a luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, demonstrando a necessidade de garantir tal direito e regulamentá-lo, tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico é omisso, motivo pelo qual se faz uso da Resolução n° 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina. Ademais, será feita uma abordagem quanto às motivações em se buscar o conhecimento da origem genética sob o ponto de vista da pessoa fruto das técnicas em análise, esclarecendo, ainda, que o direito a identidade genética difere do estado de filiação, de modo que seu reconhecimento não implica no estabelecimento de qualquer vínculo com o terceiro doador de gametas. Como metodologia foi utilizada a teórico-descritiva, com análise bibliográfica e jurisprudencial.
Palavras-chave: Reprodução assistida heteróloga. Filiação. Anonimato do doador. Direito a identidade genética. Dignidade da pessoa humana.
HETEROGONOUS ASSISTED REPRODUCTION: THE ANONYMITY OF THE DONOR GAMETES AND THE RIGHT TO GENETIC IDENTITY.
ABSTRACT
The current paper analyses the new family forms and the establishment of the filiation status from the use of heterogonous assisted reproductive techniques, which are performed with gametes from anonymous donors and are increasingly sought to enable procreation by sterile or infertile people. It studies the right of genetic identity of the person breed, in light of the constitutional principles of human dignity and fundamental rights, demonstrating the need to ensure that right and regulate it, considering that our legal system is silent, reason why it makes use of Resolution No. 2.013/2013 of the Federal Council of Medicine. In addition, an approach will be made as to the motivations of seeking knowledge of genetic origin from the point of view of the person on the result of technical analysis, explaining further that the right
to genetic identity differs from family status, so that the recognition does not imply the establishment of any link with the third donor gametes. The methodology used was theoretical and descriptive, with literature review and case.
Keywords: Heterogonous assisted reproductive techniques. Filiation status. Donor’s anonymity. Genetic identity right. Human dignity.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo irá abordar as problemáticas decorrentes do anonimato do doador de material genético nas técnicas de reprodução assistida heteróloga. Por tratar-se de assunto ainda não regulamentado pelo ordenamento jurídico pátrio, é motivo de frequente questionamento pelos estudiosos do Direito.
A família, segundo a Constituição Federal, é a “base da sociedade” e por esse motivo tal instituto vem surgindo e sendo admitido nas mais variadas formas, de modo a acompanhar as mudanças de valores da sociedade e preservar as relações familiares criadas, inclusive, com base na socioafetividade. Dessa forma, muitas pessoas vem buscando no avanço científico das técnicas de reprodução humana assistida, dentre elas a reprodução assistida heteróloga, a solução para problemas de infertilidade que possibilitem a formação ou o crescimento da família.
A reprodução assistida heteróloga é o procedimento no qual o encontro do óvulo com o espermatozóide é facilitado através de técnicas médicas, utilizando-se dos métodos tecnológicos que permitiram o avanço da medicina na área de reprodução humana. Existem duas formas de reprodução assistida heteróloga, a inseminação artificial, na qual o sêmen do doador anônimo é introduzido no aparelho genital da mulher através de um aparelho e a fertilização in vitro, na qual a fertilização do óvulo pelo espermatozóide é realizada em laboratório, podendo um ou ambos os gametas serem provenientes de doador anônimo.
Apesar de amplamente utilizada no mundo, e em alguns países já regulamentada, várias indagações jurídicas surgem em relação a tal forma de reprodução assistida. No Brasil o Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução nº 2.013/2013, assegura o sigilo sobre a identidade do doador de material genético confrontando-o com o direito ao conhecimento da parentalidade biológica do ser humano, este decorrente do direito de personalidade segundo entedimento doutrinário majoritário.
Devido à migração da origem genética para os direitos de personalidade, a posição de manter o anonimato do doador vem enfraquecendo, pois em vários casos torna-se importante conhecer as origens genéticas para avaliar devidamente evoluções possíveis no ser resultante da inseminação, ou simplesmente para pesquisar a possibilidade de transmissão de doenças genéticas.
Ademais, o não conhecimento da origem genética pode causar outros problemas diversos à pessoa humana, de modo que a tendência atual é fazer prevalecer os aspectos pessoais implicados na necessidade do conhecimento, independente de qualquer problemática médica, apoiados em direitos fundamentais, seja o direito a identidade genética ou o direito à identidade pessoal.
É preciso, ainda, fazer o estudo das consequências da quebra do sigilo do doador, tais como problemas de ordem psicológica, questionamento da filiação, aspectos patrimoniais, sucessórios, assistenciais entre outros.
No Brasil a busca as técnicas de reprodução assistida vem crescendo, motivo pelo qual é de extrema importância o estudo e determinação de limites jurídicos da reprodução assistida heteróloga, pois, de um lado, soluciona a esterelidade do casal, mas, por outro lado, acarretam graves problemas jurídicos, éticos, sociais, religiosos, psicológicos, médicos e bioéticos, vários decorrentes do anonimato do doador de matérial genético.
Portanto, em face da inexistência de regulamentação jurídica sobre o assutno, torna-se necessária a análise da problemática a partir das normas do Conselho Federal de Medicina, Direito Civil e Constitucional, ensinamentos doutrinários, bem como através dos costumes, ética e bom senso, com o intuito de solucionar os questionamentos propostos.
2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS
Relações privadas são aquelas referentes às relações dos indivíduos entre si, sendo, portanto, atribuição do Direito Civil a sua regulação, pois o mesmo é o ramo do Direito privado que, conforme lecionam GAGLIANO e PAMPLONA (2010, p. 74), “disciplina todas as relações jurídicas da pessoa, seja uma com as outras (físicas ou jurídicas), envolvendo relações familiares e obrigacionais, seja com as coisas (propriedade e posse)”.
Tais relações passaram a ser regulamentadas por códigos a partir do movimento de codificação originado no início do século XIX pelo Código Civil Napoleônico de 1804, com o fim de unificar as relações sociais, atribuindo-lhes maior segurança jurídica. O citado código refletia o ideal burguês de proteção da propriedade e liberdade contratual, seguindo o regime liberal.
Diante disso, as primeiras constituições não trouxeram normas sobre as relações privadas, cumprindo sua função de delimitação do Estado mínimo, atuando apenas de forma subsidiária, aplicável depois de esgotadas as possibilidades existentes. Segundo BARROSO (2012), a Constituição na Europa “era vista como uma Carta Política, que servia de referência para as relações entre o estado e o cidadão, ao passo que o Código Civil era o documento jurídico que regia as relações entre os particulares”.
O primeiro Código Civil brasileiro foi projetado em 1899 e sancionado e promulgado em 1916, seguindo o movimento de codificação que deu ênfase a propriedade e o contrato, sobre os quais o indivíduo exercia a autonomia da vontade direcionada a seus interesses meramente econômicos, sem intervenção do Estado, conforme a doutrina do Estado liberal da época.
Dessa forma, o patrimônio pessoal era prioritário, através do qual se alcançava o desenvolvimento pleno do indivíduo, e a partir dele eram analisados outros interesses, de forma secundária, como ser ver inclusive em artigos que tutelam o Direito de Família no Código Civil de 1916.
Ocorre que no século XX, principalmente no pós-guerra, as mudanças sociais e econômicas ocorreram aceleradamente, de modo que surgiu a necessidade criação de estatutos e leis específicas, situadas no mesmo patamar hierárquico da codificação, que disciplinassem aos novos anseios ,iniciando-se então o processo denominado de descodificação do Direito Civil e a criação de microssistemas jurídicos.
A partir desse momento os ideais de direitos humanos foram surgindo em uma sociedade agora preocupada e solidarizada com o próximo. Tais mudanças deram espaço ao Estado social em detrimento do conservador Estado Liberal, aquele é o:
[...] que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação ao poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos indivíduos a tutelados direitos, incluindo o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil (LÔBO, 1999).
A doutrina entende que o marco inicial do processo de constitucionalização do Direito Civil foi na Alemanha quando, sob o regime da Lei Fundamental de 1949, o Tribunal Constitucional Federal determinou que os direitos fundamentais exerciam, também, a função de instituir uma ordem objetiva de valores. Ainda nesse período surgiu, também na Alemanha, a Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, defendendo que os mesmos não incidiam apenas nas relações entre Estado e cidadão (eficácia vertical), mas também nas relações dos particulares entre si.
Posteriormente adveio a Corte Constitucional da Itália no entanto, o processo só foi concretizado na década de 70. A partir de então, a Constituição passa a ocupar o topo hierárquico do ordenamento jurídico, como reunificador do sistema, o qual deverá ser interpretado a partir das normas ditadas pela Carta Magna, configurando, portanto, a constitucionalização do Direito Civil e, consequentemente, das relações privadas.
Nesse cenário foi promulgada a Constituição Federal brasileira de 1988, indo de encontro ao Código Civil de 1916 ao retirar das relações privadas o caráter exclusivamente patrimonialista para dar a devida importância aos direitos fundamentais da pessoa humana, tratando-os como únicos valores seguros a efetivar os princípios democrático, igualitários, solidaristas e humanistas do ordenamento jurídico, aplicados direta e imediatamente. Nas palavras de LÔBO (2004), “a repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário”.
A Constituição brasileira adotou a já citada Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, prevalecendo a tese de que tais direitos fundamentais incidiriam de maneira direta e imediata entre particulares nas suas relações privadas, tendo em vista que o art. 5º, § 1º, prevê que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.
Portanto, após a constitucionalização do Direito Civil, esse passa a ser construído de acordo com a legalidade constitucional, adotando princípios que valorizam a proteção da pessoa humana, como por exemplo a função social da propriedade, a igualdade entre os filhos, pluralidade familiar, dirigismo contratual, o valor social do trabalho e a não discriminação.
Nesse sentido:
Assim, a Lex Mater salvou o Código Civil (e o Direito Civil como um todo) de uma morte inexorável, permitindo sua oxigenação, abrindo a norma civil para um mundo real, palpável, concreto – que reclama e exige uma tutela jurídica adequada às suas necessidades prementes e presentes. (FARIAS E ROSENVALDM 2008, p.84)
3 A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA
A família é uma entidade histórica, originada desde os primórdios da civilização humana, motivo pelo qual seu conceito muda, acompanhando as transformações da sociedade, de forma a se adequar a cada momento histórico, de acordo com a influência cultural, econômica e, principalmente, religiosas e políticas, entre outros.
Não obstante as mudanças conceituais, pode-se afirmar que a família é o núcleo no qual o indivíduo se forma, constrói sua personalidade, tomando como referencial os demais integrantes, e busca amparo afetivo e material. Tal instituição é tida, ainda, como forma de realização pessoal e alcance da felicidade dos indivíduos nela inserida.
Fazendo uma análise histórica recente, mais especificamente a partir do séc. XIX, percebe-se que a família brasileira acompanhava o modelo de família estruturado no resto do mundo, quando a sociedade era rural, patriarcal e patrimonialista. Devido a influência do Estado francês, só se reconhecia a família em conformidade com a norma positivada, logo sua configuração era pensada de modo a proteger os interesses patrimoniais, de acordo com os anseios do Estado Liberal vigente a época.
Nesse sentido:
As pessoas se uniam em família com vistas a formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos. Daí a impossibilidade de dissolução do vínculo, pois a desagregação da família corresponderia à desagregação da própria sociedade. (FARIAS E ROSENVALD, 2008, p. 04)
Estado e Igreja, instituições de maior influência, não reconheciam os direitos da mulher, mantinham indissolúvel o casamento e só reconheciam os filhos legítimos concebidos na união matrimonial, discriminando e deixando desprotegidos os filhos concebidos fora do casamento, os quais eram denominados de bastardos ou ilegítimos, vivendo à margem do ordenamento jurídico.
No Brasil, a família ganhou status constitucional na Constituição Federal de 1934, sendo constituída pelo casamento, indissolúvel, ao qual o Estado prestava proteção especial, conforme o art. 144[3]. Quanto ao Código Civil de 1916, esse seguiu as mesmas diretrizes já comentadas, inerentes a época[4].
Ocorre que a evolução da sociedade requereu o fim do modelo de família exclusivamente pautado na norma positivada. A ascensão do Estado Social, no século XX, que resultou na constitucionalização das relações privadas como explicado anteriormente, fez com que o indivíduo priorizasse a pessoa humana em si mesma, deixando o aspecto patrimonial em segundo plano e buscando pautar-se na afetividade, solidariedade e dignidade, principalmente para constituir família.
O tratamento da família na Constituição Federal brasileira de 1988 é resultado destas mudanças ocorridas após o Código Civil de 1916, mudanças já refletidas no surgimento das leis e estatutos especiais tratando de matérias que já não possibilitavam a aplicação do código.
A constituição, baseada especialmente na dignidade da pessoa humana, ampliou o conceito de família, tratando-a como base da sociedade, abrangendo-a para acolher as relações afetivas, as uniões estáveis e aquelas formadas por qualquer dos pais e seus descendentes (monoparentais) e, ainda, proibiu qualquer discriminação relativas a origem da filiação, bem como retirou o caráter de indissolubilidade do casamento, atribuindo especial proteção estatal a todas essas espécies familiares.
Corroborando tal acontecimento:
A repersonalização, posta nesses termos, não significa um retorno ao vago humanismo da fase liberal, ao individualismo, mas é a afirmação da finalidade mais relevante da família: a realização da dignidade de seus membros como pessoas humanas concretas, em suma, do humanismo que só se constrói na solidariedade, com o outro. (LÔBO, 2004)
Dessa forma, o Estado e a Igreja deixaram de ser necessárias instâncias legitimadoras da família, para que se pudesse valorizar a liberdade afetiva do casal na formação de seu núcleo familiar, bem como para imprimir dignidade constitucional a pluralidade familiar. É o que prevê o § 7º, do art. 226, da Constituição Federal, acrescentando que cabe ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício do planejamento familiar.
O desejo de procriação é inerente à pessoa humana, logo, diante tal liberdade de planejamento familiar conferida pela Carta Magna, que inclusive aduz que o Estado deve propiciar recursos científicos para tanto, e da vontade em constituir família que nos últimos anos as pessoas que não conseguem a procriação pelo modo tradicional, seja por problemas de fertilidade ou por esterilidade, vem buscando no avanço científico das técnicas de reprodução assistida o sonho de ter filhos e dar continuidade a família, a qual vem sendo criada das mais diversas formas, ampliando as noções de filiação e parentesco.
Ao comentar a revolução trazida pelas técnicas de reprodução assistida na formação das famílias e na filiação, Donizetti afirma que:
a fixação de critérios para o estabelecimento da filiação com o intuito de solucionar problemas que foram ignorados durante muito tempo pelo ordenamento jurídico fez-se necessária, uma vez que hoje já não devem ser mais acobertados ou simplesmente ignorados. Devem, ao revés, ser construídos com base no contexto social da atualidade, cujo parâmetro é o ideal de justiça e igualdade aclamado pelo texto constitucional. (DONIZETTI, 2007, p.13)
A fim de melhor entendê-las será feito um estudo detalhado nos tópicos subsequentes.
4 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
Reprodução assistida é o procedimento no qual o encontro do óvulo com o espermatozóide é facilitado através de técnicas médicas, utilizando-se dos métodos tecnológicos que permitiram o avanço da medicina na área de reprodução humana.
As experiências de reprodução humana assistida surgiram no fim do século XVIII, quando o médico inglês John Hunter registrou ter realizado a primeira inseminação artificial entre marido e mulher. A partir de 1950, as técnicas de inseminação artificial se difundiram rapidamente, devido ao avanço científico, a ponto de apenas nos EUA mais de vinte mil crianças nascerem anualmente, concebidas através de inseminação artificial.
Surgiram como forma de permitir a procriação a casais que não podem ter filhos através da relação sexual, seja por problemas de esterilidade ou infertilidade, sendo o primeiro caracterizado pela incapacidade absoluta de fertilização ou reprodução e o segundo configurado quando há uma diminuição na capacidade de ter filhos, a qual pode ser tratada e possivelmente revertida, ou ainda por serem portadores do vírus HIV, hepatite C, entre outras causas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde a infertilidade é um problema vivido por 8% a 15% dos casais, só no Brasil estima-se que mais de 278 mil casais tenham dificuldade para gerar um filho em algum momento de sua idade fértil. A procura é tamanha que dados recentes da Sociedade Europeia de Reprodução humana e Embriologia estimam que o número de bebés nascidos por meio de técnicas de reprodução assistida já alcançou o patamar dos 5 milhões.
Diante disso, os tratamentos e técnicas de reprodução assistida foram incluídos no Sistema Único de Saúde - SUS - do Brasil, apesar de ainda serem de difícil acesso pois, além da grande procura, de acordo com o Ministério da Saúde, apenas 9 hospitais oferecem os tratamentos, os quais estão localizados nas cidades de São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Recife, Goiânia e mais recentemente em Natal.
Conforme a Resolução nº 2.013/2013, que recentemente atualizou a Resolução n° 1957/2010, do Conselho Federal de Medicina do Brasil, as técnicas: “têm o papel de auxiliar a resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação”. O conselho determina, ainda, que “não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer”.
Por esses e outros motivos, não podem ser usadas de maneira indiscriminada, sob pena de banalização e afronta aos princípios éticos. Dessa forma, a Lei n° 9.263/1996, que trata sobre o planejamento familiar, determina que a prescrição das técnicas depende de avaliação e acompanhamento clínico, devendo serem informados os riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.
Quanto a sua regulamentação, em face da ausência de legislação específica, faz-se o uso da já citada Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina que dispõe sobre as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução humana assistida a serem seguidas pela classe médica sem, no entanto, possuírem força de lei.
A resolução estabelece, principalmente: a) a obrigatoriedade do consentimento informado a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores, através de documento expresso em formulário especial, devendo ter a concordância escrita de quem vai se submeter à técnica; b) a gratuidade da doação; c) idade limite para doação de gametas de 50 anos para o homem e 50 para mulher, regra não prevista anteriormente; e d) sigilo de identidade de receptores e doadores[5], determinações estas que serão tratadas ao longo do trabalho em momento oportuno.
Insta observar que há bastante controvérsia doutrinaria acerca da regulamentação das técnicas de reprodução assistida, principalmente tratando-se da inseminação artificial e fertilização in vitro heteróloga, tendo em vista as problemáticas jurídicas, as quais serão tratadas no presente trabalho, decorrentes de seu uso. Nesse sentido, Maria Helena Diniz é firme ao defender que:
[…] urge regulamentar a fecundação humana assistida, minunciosamente, restringindo-se na medida do possível porque gerar um filho não é uma questão de laboratório, mas obra do amor humano. O ideal seria que se evitasse rebaixar o ministério da concepção, divorciando-o de um ato de amor, convertendo-o em um experimento de laboratório, o que pode trazer futuramente graves consequências para o casal e para o filho. Dever-se-á, em nosso entender, coibir inseminação artificial heteróloga, a fertilização em vitro e a gestação por conta de terceiro, ante os possíveis riscos de origem física e psíquica para a descendência e a incerteza sobre a identidade. (DINIZ, 2009, p.546)
Em entendimento semelhante, Maria Claúdia Crespo Brauner conclui ser razoável a ideia de que o direito de gerar não é absoluto, de modo que o direito ao filho não pode servir de justificativa para o ilimitado as possibilidades de reproduzir artificialmente, sob pena de atribuir a criança a característica de “coisa”, “um objeto-devido”, negando-se sua dignidade de pessoa.
4.1 Reprodução Assistida Heteróloga
A reprodução assistida heteróloga é aquela na qual um dos doadores de gameta ou ambos é estranho ao casal que está se submetendo a técnica, em sua maior parte é realizada com a doação de sêmen de terceiro anônimo, devido à esterilidade comprovada do marido/companheiro. As técnicas de reprodução assistida que permitem a modalidade heteróloga são a inseminação artificial e a fertilização in vitro (FIV), também chamada de fecundação artificial, as quais serão tratadas a seguir.
Inicialmente, tomando as lições de Arnaldo, tem-se que a gratuidade de doação da gametas decorre da vedação constitucional da comercialização órgãos, tecidos e substancias humanas, conforme prevê o art. 199, § 4°, mesmo que não disposta tal gratuidade no art. 1° da Lei n 9.34/97 que regulamenta a doação de órgãos, tecidos ou partes do corpo.
Na inseminação artificial o sêmen do marido/companheiro ou do doador é introduzido no aparelho genital da mulher através de aparelho próprio, será homóloga quando o material genético utilizado é do marido/companheiro da mulher que irá submeter-se ao procedimento e heteróloga quando o sêmen provém de um doador anônimo.
Relatos dão conta que a técnica foi reproduzida com êxito no final do século XIX, mais especificamente no ano de 1884, na Filadélfia, por Wiliam Pancoast. No Brasil, o primeiro banco de sêmen foi instalado no ano de 1993, junto ao Hospital Albert Einstein, nestes o material genético é armazenado e congelado com nitrogênio líquido.
Por sua vez, a fertilização in vitro consiste em realizar a fertilização do óvulo pelo espermatozóide em laboratório e posteriormente transferir o embrião para o útero de mulher, sendo homóloga quando os gametas forem ambos do casal ou heteróloga quando forem de doador(a) anônimo(a) ambos os gametas ou somente o espermatozóide ou óvulo. No último caso, a necessidade de utilizar-se de óvulo doado decorre, principalmente, da incapacidade de produção da receptora, de modo que está terá o endométrio preparado com hormônios antes de receber o embrião, os quais iram ser mantidos até o terceiro mês de gestação quando a placenta passa a ser a responsável pela manutenção da mesma.
Bastante controvérsia há ao discutir a doação compartilhada de óvulos, situação permitida pela resolução do CFM, caracterizada quando doadora e receptora tem problemas de reprodução, de modo que a primeira doa seus óvulos a segunda, incapacitada de produzi-los, em troca de ajuda financeira para o tratamento reprodutivo, no entanto a doadora terá preferência sobre o material biológico que será produzido. Diante do recebimento da referida ajuda financeira questões são levantadas no que tange ao desrespeito à gratuidade determinada pela resolução, o que poderia caracterizar comércio de células reprodutivas.
Em defesa da legalidade da prática especialistas em reprodução assistida afirmam que ambas as envolvidas são beneficiadas, bem como que a doadora não recebe o dinheiro em mãos. Em oposição, à juíza de direito Deborah Cioci entende ser inaceitável tal prática, assemelhando-a ao escambo, tendo em vista implicar a comercialização e benefício do médico com a transação, ferindo o disposto da Constituição Federal e na resolução do CFM.
A primeira fertilização in vitro realizada com sucesso ocorreu em 1978 na Inglaterra, resultando no nascimento de Louise Brown, concebida pelos gametas de seus pais logo, na modalidade homóloga, enquanto no Brasil obteve-se sucesso em 1984, com o nascimento de Ana Paula Bittencourt. A técnica é menos popular e mais complicada se comparada à inseminação artificial.
Portanto, em virtude do uso de gametas provenientes de doadores anônimos nas técnicas de reprodução citadas, se faz necessária uma análise acerca do estabelecimento da filiação nas mesmas.
4.2. Filiação na reprodução assistida heteróloga
Segundo Paulo Lobô filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe).
Conforme já mencionado, a concepção de que a filiação somente seria reconhecida se existente o aspecto biológico restou ultrapassada no decorrer da evolução da família brasileira, de modo que a filiação pautada na afetividade é igualmente reconhecida constitucionalmente, não podendo haver quaisquer discriminação, conforme art. 1596 do Código Civil de 2002.
Ademais, o art. 1593 do mesmo código dispõe que o parentesco será natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade (natural) ou outra origem, entendendo-se por outra origem a adoção, a reprodução medicamente assistida e a posse do estado de filho, conforme enunciado 103 aprovado na I Jornada de Direito Civil, reafirmando a consagração da socioafetividade, de forma que o caso concreto será determinante para a predominância de uma forma ou outra.
4.3 Presunção de paternidade/maternidade
Dito isso, quanto às relações de filiação nas técnicas objetos do presente estudo, é certo que a inseminação artificial heteróloga estabelece em relação à mulher parentesco biológico (consanguíneo/natural) e, se realizada por casal, estabelece em relação ao marido/companheiro parentesco não consanguíneo, tendo em vista a utilização de sêmen de terceiro, armazenado em bancos. Portanto, o parentesco será civil, sustentado exclusivamente nos laços afetivos e consequência da vontade manifestada pelo marido/companheiro, que substituirá a relação sexual apta a gerar o parentesco biológico.
Já na fertilização in vitro o parentesco será biológico em relação à mãe ou ao pai, a depender se houve doação de óvulo ou sêmen, sendo civil e socioafetivo em relação aquele que não contribuiu com seu material genético, ou ainda em relação a ambos, no caso da utilização somente de gametas doados. Sendo o caso de fecundação de óvulo doado com sêmen do marido da receptora do embrião a presunção de maternidade se daria em decorrência de que a receptora do óvulo é a que levou adiante a gestação e pariu, de acordo com o princípio de que a mãe é sempre certa (mater semper certa), no entanto como tal princípio resta ultrapassado em razão da atual possibilidade de separação entre concepção e gestação, o estabelecimento da maternidade decorre da vontade de assumir o projeto parental.
No ordenamento jurídico, a relação de filiação referente aos filhos provenientes das técnicas de reprodução assistida, somente foi tratada, minimamente, no Código Civil de 2002, o qual prevê as possibilidades de presunção de paternidade dos filhos quando concebidos na constância do casamento em seu art. 1597. O inciso V do mesmo artigo, condicionando tal presunção a prévia autorização do marido nos casos de inseminação artificial heteróloga.
Segundo Guilherme Gama a regra prevista no inciso V, acima citado, deve ser interpretada como uma presunção absoluta de paternidade do marido/companheiro sobre o filho da mulher, independentemente dos prazos estabelecidos nos incisos I e II do mesmo artigo.
Ademais, embora não previsto no inciso V do referido artigo, por analogia, deve ser presumida também a maternidade e/ou paternidade quando utilizada a fecundação in vitro heteróloga, bem como exigida a autorização do(s) cônjugue(s) quando da utilização de gameta de terceiro.
Esse é o entendimento doutrinado por meio do enunciado 129, aprovado na I Jornada de Direito Civil, como proposta de inclusão do art. 1597-A, o qual traria em sua redação que, quando da utilização da técnica de reprodução assistida heteróloga, a maternidade será estabelecida em favor daquela que planejou a gestação, mesmo não tendo fornecido material genético. A justificativa se pauta na afirmação de que ao autorizar que o homem se valha das técnicas de reprodução assistida não pode o Código Civil deixar de prever idêntico tratamento as mulheres.
A lei não especifica de que modo a autorização deve ser realizada, o dispositivo do código fala apenas em autorização prévia, levando a entender a possibilidade de qualquer meio, no entanto, com o fim de melhor resguardar a legalidade do ato a maior parte da doutrina entende que a legislação futura deve exigir que seja escrita, a exemplo do que prevê a legislação portuguesa.
Ou, ainda, seguir o exemplo francês, o qual determina que os casais ou companheiros que recorrerem à reprodução assistida com intervenção de terceiro, devem manifestar o consentimento perante o juiz ou notário. Guilherme Gama concorda com tal possibilidade ainda de maneira mais ampla, entendendo que:
De lege ferenda o procedimento judicial seria uma boa medida especialmente à luz da Constituição de 1988, para que fosse preservada a futura dignidade da criança a nascer, fazendo com que fosse relativizada – em prol da futura criança – a vontade individual de forma mais intensa do que se verifica atualmente.(GAMA, 2003, p.707)
Logo, é possível concluir que tal autorização é imprescindível e deve ser exigida a fim de conferir segurança jurídica e evitar futuras impugnações de paternidade ou mesmo de maternidade, ainda que seja mais difícil a mulher se submeter às técnicas heterólogas por indução do marido, pautadas em alegações de indução ao erro, dolo ou coação ou em decorrência de arrependimento.
4.4 Impugnação de Paternidade
Sendo absoluta a presunção de paternidade/maternidade, devido à prévia autorização, não é admitida a impugnação da mesma, caso contrário seria uma afronta à dignidade da pessoa humana, ao princípio da boa fé e ao princípio de melhor interesse da criança, a qual não pode ficar a mercê do juízo de vontade daquele que havia consentido. Além do mais, possível impugnação da paternidade/maternidade conduziria o filho a uma filiação incerta, tendo em vista o segredo profissional médico e o anonimato do doador de gametas.
Reforçando tal entendimento, os enunciados 258 e 519, respectivamente aprovados nas III e V Jornadas de Direito Civil[6], estabeleceram em relação a inseminação artificial heteróloga que não cabe a ação de impugnação de paternidade se a filiação for decorrente de procriação assistida heteróloga autorizada pelo marido, sendo presumida absolutamente tal paternidade. Ademais, o conhecimento da ausência de vínculo biológico, em conjunto com a posse do estado de filho, também obstaria a referida ação.
Nesse sentido, a Corte de Cassação da Itália reformou no ano de 2000, em grau de recurso, decisão do Tribunal de Cremona, posteriormente confirmada pelo Tribunal de apelação de Brescia, que reconheceu o pedido de negação de paternidade ajuizada por marido, em face de sua impotência, de mãe de criança concebida por meio de inseminação artificial heteróloga. Ocorre que a inseminação foi autorizada pelo marido, motivo pelo qual a Corte de Cassação recusou o pedido de retratação devido à anuência prévia, observando que a negatória de paternidade privaria a criança de uma das figuras parentais e violaria a boa fé.
Em contrapartida, não havendo consentimento prévio do marido/companheiro, a presunção de paternidade em relação à criança, nascida de sua mulher a partir de inseminação artificial heteróloga, será relativa, entendendo alguns doutrinadores que poderá ser impugnada se ainda não houver se concretizado uma relação socioafetiva, tratando-se de ato injurioso, ofensivo a honra, ao respeito e a dignidade do cônjuge.
Ressalta ainda, MOREIRA FILHO (2002) que “além da falta do querer ser pai, ou seja, da filiação socioafetiva, há a presença da fraude e da deliberada intenção de levar a erro”.
4.5. O acesso da mulher sozinha às técnicas de reprodução assistida heteróloga
Bastante controvérsia há ao se tratar do acesso de mulheres sozinhas (viúvas, solteiras, divorciadas, etc.) as técnicas de reprodução assistida heteróloga, pois a criança gerada já nasce sem vínculo de paternidade, sendo lhe negado o direito a biparentalidade. No Brasil, a Resolução do Conselho Federal de Medicina admite que todas as pessoas capazes podem ter acesso as técnicas de reprodução assistida, limitada a idade máxima de 50 anos, alteração recente, logo permite-se o acesso da mulher sozinha, a exemplo da Espanha, indo de encontro a legislação de países como Portugal, Alemanha, Suécia e França.
Favoravelmente, atente-se ao fato de que não há qualquer proibição legal e que a constituição reconhece a pluralidade de famílias, protegendo as monoparentais da mesma forma que qualquer outra. Ademais, conforme observa Gama, é reconhecida a mulher sozinha a faculdade de adotar, não podendo o acesso a reprodução assistida ser-lhe negado, contanto que tenha um projeto parental que atenda aos interesses da criança, o qual deve ser submetido à valoração judiciária, assim como na adoção, para análise relacionada ao princípio da paternidade responsável, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança.
Por outro lado, a tendência das legislações estrangeiras é proibir o acesso pelos mais diversos motivos, tendo em vista, principalmente, o melhor interesse da criança, não podendo lhe ser negado o direito a convivência familiar biparental por escolha da mãe. Nesse sentido, Eduardo Leite assevera que à convivência familiar não será satisfatória em se tratando de mãe solteira, tampouco no âmbito de casais homossexuais, e acrescenta que admitir o acesso a tais técnicas seria atender aos interesses egoísticos de determinadas pessoas.
Sensata é a observação feita por Heloisa Helena ao entender que a intenção do constituinte ao reconhecer a família monoparental não foi a de incentivar a formação de famílias que possam privar a criança de um genitor, sugerindo que a prática seja vedada.
4.5 Inexistência de vínculo de parentesco com o doador de gametas
Em relação ao doador de gametas, não se estabelecerá qualquer vínculo de parentesco com a pessoa nascida a partir das técnicas estudadas. O doador atua de maneira solidária, tendo em vista a gratuidade da doação, com o fim de ajudar a concretizar o sonho de constituir família daquelas pessoas que não podem realizá-lo de maneira natural.
Não há adesão ao projeto parental, motivo pelo qual não pode ser buscado o reconhecimento de paternidade/maternidade em face do doador.
Desse modo, Zanatta e Enricone ensinam que:
Na inseminação heteróloga, assim como na reprodução natural, conjunção carnal entre homem e mulher, se faz presente a vontade dos pais em ter aquele filho. Porém, não é este o desejo do doador, que não possui o fator volitivo para gerar um filho próprio, modo pelo qual o ato de doar deve ser interpretado como puro altruísmo a favor de pessoas que sonham em conceber um filho. (ZANATTA E ENRICONE, 2012).
O vínculo deve ser mantido apenas para fins de impedimentos matrimoniais em relação ao doador e seus parentes afins em linha reta, irmãos e demais colaterais até 3° grau, conforme art. 1521 do CC, a fim de que sejam evitadas uniões incestuosas, as quais são completamente repudiadas pela sociedade não só pelo aspecto moral, mas também pelas consequências médicas que podem acarretar.
5 O DIREITO A IDENTIDADE GENÉTICA NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA.
Com o crescente acesso e procura pelas técnicas de reprodução assistida, além de algumas polêmicas já citadas, a questão do direito do filho gerado em conhecer sua origem genética vem dividindo a opinião da sociedade, principalmente dos doutrinadores jurídicos.
Conforme já mencionado, o Conselho Federal de Medicina estabelece o sigilo de identidade entre doadores e receptores como requisito para a realização da reprodução assistida heteróloga, de modo que somente as informações sobre o doador podem ser fornecidas aos médicos, em situações excepcionais, mantendo-se em sigilo sua identidade civil. Por esse motivo as clínicas devem manter um registro, permanente, de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
A garantia do anonimato do doador é tendência nas legislações estrangeiras. Tal garantia visa resguardar o seio familiar no qual a criança será recebida, evitando conflitos psicológicos, que atrapalhariam a convivência e integração entre os pais e a criança, bem como promover o melhor interesse da criança ou adolescente, impedindo tratamento discriminatório, em alusão ao procedimento de adoção, no qual o § 4º, do art. 47, do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que “Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro”.
Em defesa da manutenção do anonimato estão os que afirmam que a simples possibilidade de revelação da identidade do doador(a) de material genético iria acarretar uma grande diminuição número de doações, a exemplo do que ocorreu na Suécia, tendo em vista que os que a fazem praticam um ato de pura solidariedade ao próximo, acreditando estarem resguardados quanto ao estabelecimento de qualquer vínculo com os receptores e a pessoa gerada através da técnica. Ademais, argumenta-se que a revelação poderia causar conflitos psicológicos e interferir na relação familiar.
Ocorre que tal garantia entra em colisão com o interesse da pessoa gerada em conhecer sua identidade genética, o qual vem sendo denominado na doutrina jurídica de Direito a Identidade Genética. A curiosidade quanto à ascendência genética é uma característica inerente a todo ser humano, o qual busca sempre comparar a origem de suas características físicas e comportamentais as de seus ascendentes e demais parentes.
Dessa forma, a pessoa gerada por meio das técnicas aqui estudadas pode se ver em algum momento da vida questionando sua semelhança com a de seus pais e, independentemente da boa ou má relação familiar, deparar-se com muitas diferenças, ocasionando sentimentos de incompletude assim como frequentemente ocorre com pessoas que foram adotadas e buscam a todo custo encontrar os pais biológicos.
Não obstante a mera curiosidade torna-se de extrema importância o conhecimento da origem genética para fins de prevenção e tratamento de doenças genéticas ou ainda em casos de doenças somente solucionáveis através de compatibilidade sanguínea, conforme já prevê a Resolução nº 2.013/13 do CFM ao dispor que as informações sobre doadores podem ser fornecidas aos médicos, por motivações médicas, no entanto resguardando sua identidade civil. Aqui está se resguardando o direito garantido constitucionalmente a vida.
Ademais, tem-se o condão de evitar relações incestuosas, tendo em vista que a globalização e a evolução tecnológica minimizaram o óbice da distância aos relacionamentos pessoais, os quais vem se iniciando até por meio da internet, onde é possível conhecer pessoas de todos os lugares, de modo que seria inconsequente ficar a mercê da sorte de não acontecerem coincidências.
A busca pela origem genética já é uma realidade social, em sua obra Ferraz cita reportagem exibida no Programa Fantástico, da Rede Globo, narrando a história de cinco irmãos de mães diferentes, concebidos por inseminação artificial heteróloga com sêmen doado, que se encontraram em um site da internet que cruzou seus DNA`s, concluindo que tinham o mesmo pai.
Nos Estados Unidos já é comum à criação de sites com tal finalidade, a exemplo do site The Donor Simbling Registry, criado no ano de 2000 por Wendy Kramer quando seu filho Ryan passou a questionar-lhe sobre seu pai biológico. Após encontrar o pai biológico, ao colocar seu DNA em um banco de dados e cruzar as respostas com um registro público da cidade onde sabia que seu doador tinha nascido Ryan afirmou que: “Quando tinha certeza, escrevi uma carta para ele dizendo que só queria conhecê-lo. Ele me respondeu e desde então desenvolvemos uma relação única e muito boa, nos encontramos ao menos uma vez ao ano”. E ainda que: “Meus avós biológicos se mudaram para perto de mim e eu os vejo sempre, é como uma família estendida”.
Segundo Kramer o site recebe 10 mil visitas por mês e já possibilitou o encontro de 8.400 pessoas com irmãos ou doadores.
Outros exemplos como os de Olivia Pratten, canadense, 28 anos, e Alana S., americana, 24, podem ser usados. Em reportagem veiculada no site da revista Istoé as jovens afirmam que sempre souberam que os pais eram doadores de esperma e desejam saber a influências dos mesmos em suas vidas, bem como solucionar dúvidas em relação as suas origens.
Em sua busca pela origem biológica Alana criou um site chamado Anonymous.us.org (somos anônimos), através do qual as pessoas contam suas histórias envolvendo a reprodução assistida heteróloga. Os relatos são quase sempre os mesmo, as pessoas concebidas são gratas pela família que tem e não querem deixar de fazer parte dela, no entanto sentem que lhes falta um pedaço, se perguntam constantemente “quem eu sou?” e detalham sentimentos de confusão e muitas vezes raiva por terem o direito ao conhecimento negado, concluindo que continuaram a procurar o doador que lhes deu origem. Eis alguns relatos anônimos do site:
I'll never stop wondering. Not just about who my father is, but about all the other people out there like me who will never know the truth. About all my potential half-siblings, scattered across the country. About how many more people this is going to happen to before anonymous donation comes to an end. About how it's affecting kids growing up right now. I have so many questions that I've never considered. I don't think I'll ever have all the answers. From here on out, I'll always be wondering. But that won't stop me from looking[7].
I don't know where I came from and that is all I think about. I can't help but to look down at my hands and to look at my reflection and just wonder. Wonder who I am. Now, for my biological father, I do not want a relationship with him, but is a picture and a name too much to ask for? I don't think so[8].
Ainda nos Estados Unidos um livro denominado “My daddy’s name is donor” (O Nome do meu pai é doador), publicado em 2010, traz uma pesquisa na qual foram ouvidos 485 adultos cujas mães recorreram a esperma doado, desse total dois terços gostariam de ter acesso aos dados do doador.
O livro serviu como base para um documentário produzido pelo Centro de Bioética e Cultura americano em 2010 como o nome de Anonymous Father’s Day, o qual aborda os efeitos da reprodução assistida sob o ponto de vista de pessoas concebidas a partir de doação de gametas. Barry Stevens, cineasta, gerado a partir de doação de esperma, foi entrevistado para o documentário, ele fez filmes baseados sobre a busca a seu genitor biológico e afirmou que os governos, clínicas ou médicos não tem o direito de esconder informações pessoais significantes da pessoa ou sobre a pessoa, questionando o porquê de ser tão difícil entender que eles querem saber quem são seus parentes biológicos.
5.1 Direito a identidade Genética como um Direito de Personalidade integrante dos Direitos fundamentais.
Por todos esses motivos a defesa do direito a identidade genética é entendimento majoritário entre os doutrinadores, os quais o vem enquadrando como um espécie de direito a identidade. Segundo Paulo Otero, a identidade pessoal divide-se em dimensão absoluta – expressão de caráter único: cada pessoa é dotada de uma individualidade que a distingue das demais – e relativa – definida em função de memórias familiares conferidas pelos antepassados, concluindo Donizetti que tal divisão permite compreender que o acesso à informação genética é um dos pilares da identidade pessoal.
Corroborando tal entendimento Maria de Fátima Freire afirma que o termo identidade genética é como um nível prévio à identidade pessoal, sendo aquele substrato desta.
Dessa forma, compreende-se que, enquanto relacionado à integridade física-psíquica da pessoa, o direito a identidade genética insere-se nos direitos de personalidades, tendo em vista que esses são “aqueles que tem por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”, segundo leciona STOLZE (2010, p. 182).
Nesse sentido Paulo Lôbo afirma que, ao perder seu papel de legitimador da filiação, a origem genética migrou para os direitos de personalidade com finalidades distintas aquela.
Por sua vez, os direitos de personalidade integram os direitos fundamentais, os quais segundo Gonet Branco são o núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana ou ainda pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana, recebendo tal dignidade, através da Constituição Federal, a atribuição de princípio fundamental da Republica Federativa do Brasil, motivo pelo qual as relações humanas devem ser regidas por si.
Em seu estudo Selma Rodrigues Pertelle defende que:
[...] a identidade genética, por sua relevância e conteúdo, foi elevada a posição de direito fundamental. Com o fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito fundamental à vida [...] guindou-se o direito à identidade genética à posição de direito fundamental implícito na ordem constitucional pátria. Isto, evidentemente, no âmbito de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais, como cláusula geral de implícita de tutela de todas as manifestações essenciais da personalidade humana. (PERTELLE, 2013)
Tem-se, portanto, que, como integrantes dos direitos fundamentais, o direito a identidade genética deve ser respeitado e protegido de violação em face do princípio da dignidade, inerente a pessoa humana desde seu nascimento, para que permita a pessoa gerada por reprodução assistida heteróloga ter acesso a sua historicidade pessoal, direito que, segundo Moreira Filho, não pode ser obstaculizado, renunciado ou disponibilizado pelo pai ou pela mãe, objetivando-se o reconhecimento do exercício pleno do seu direito de personalidade.
Corroborando com tal entendimento:
O fato de os pais disporem previamente, no Termo de Consentimento, que não demandarão a “paternidade” biológica do filho não tem o condão de vincular o filho nascido, uma vez que soaria injusto a concessão do direito aos pais com a consequente supressão do direito do filho. (DONIZETTI, 2007, p. 126).
Ademais, a partir do momento em que se é negado o acesso às informações genéticas a pessoa gerada por meio de reprodução assistida heteróloga estar-se-á estabelecendo uma discriminação em relação aos filhos havidos de relações sexuais ou de adoção, afrontando previsão constitucional, reproduzida no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que garante os mesmo direitos e qualificações aos filhos, proibidas quaisquer designações discriminatórias em relação a filiação.
Deve-se, na medida do possível, fazer alusão e adaptar ao presente caso a previsão do art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual da ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica ao completar 18 anos, ou antes, se assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.
Em face da ausência de legislação específica vários projetos de lei estão sendo apresentados desde 1993 a fim de regulamentar o uso das técnicas de reprodução humana assistida.
O Projeto n° 1184/2003 é o que se encontra em estágio mais avançado de tramitação na Câmara dos Deputados, apresentado pelo Senador Lúcio Alcantará como substitutivo do Projeto n° 90/99, o qual pretende regulamentar o uso das técnicas de reprodução assistida. Tal projeto prevê em seu art. 9°, § 1°, que a pessoa nascida por processo de reprodução assistida poderá ter acesso, a qualquer tempo, as informações sobre o processo que a gerou, inclusive à identidade civil do doador, desde que manifeste sua vontade livre, consciente e esclarecida, devendo ser mantidos os segredos profissionais e de justiça.
O Projeto de Lei n° 4686/04, de autoria do Deputado José Carlos Araújo sugere um acréscimo ao art. 1597 do Código Civil, reproduzindo o texto do art. 9°, § 1, do projeto acima e acrescentando que a maternidade ou paternidade biológica resultantes do processo de reprodução assistida, após conhecidas, não geraram nenhum direito sucessório.
O mais recente projeto de lei a tratar da reprodução assistida é o de número 4892/2012, o qual foi apensado ao Projeto n° 1184/2003. O projeto faz uma interessante sugestão ao garantir o sigilo do doador, no entanto determinando ressalvas em caso de interesse relevante para garantir a preservação da vida, manutenção da saúde física, higidez psicológica ou outros casos graves que envolvam a pessoa nascida, os quais ficariam a critério do juiz, devendo tal direito, portanto, ser reconhecido por sentença judicial e garantido também ao doador nos mesmos casos.
Ademais, determina que após o conhecimento judicial do liame biológico não será estabelecido vínculo de filiação e, consequentemente não haverá qualquer direito pessoal ou patrimonial ou dever oriundo do vínculo paterno filial.
É de suma importância esclarecer que o direito ao conhecimento a origem genética não deve ser vinculado a uma investigação de paternidade que leve ao reconhecimento judicial da mesma, o primeiro é um direito de personalidade, o qual não gera estado de filiação, tendo em vista que este não mais é unicamente estabelecido em razão da origem biológica. Ademais, as informações devem ser concedidas somente a pessoa gerada e em segredo de justiça.
O Estado de filiação anteriormente estabelecido jamais será desconstituído em face do conhecimento da origem genética, pois um não prevalece sobre o outro, motivo pelo qual doutrinadores acreditam que a ação de investigação de paternidade não é o meio adequado a tutelar o direito:
Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de investigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por dador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equivoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com direito à origem genética. (LÔBO, 2004)
Guilherme Gama vai mais além ao propor o uso do remédio constitucional habeas data, previsto no art. 5, inciso LXXI, a fim de buscar o direito ao conhecimento das informações relativas ao procedimento médico realizado, bem como relativas ao doador de material genético, acrescentando que tais informações serão reveladas em segredo de justiça somente a pessoa gerada. Diante disso, afirma que o anonimato continuaria existindo, no entanto, não sendo oponível a pessoa concebida quando tiver atingido maturidade suficiente para ter acesso aos dados.
Dessa forma, conforme sugere o Projeto de Lei n° 4686/04 e outros, o direito deve e pode ser conferido sem que haja implicações jurídicas de sucessão, alimentos ou filiação entre os envolvidos, a fim de que a busca pelo direito não seja motivada por cunho patrimonial do filho para com o pai ou do pai para com o filho. Diferente não é o entendimento de Paulo Lôbo que, ao discorrer sobre a distinção do direito de estado de filiação e o direito à origem genética, afirmou que:
Ao ser humano, concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado de filiação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou da própria ascendência, como direito geral da personalidade, como decidiu o Tribunal Constitucional alemão em 1997, mas sem relação de parentesco ou efeitos de direito de família tout court.(LÔBO, 2004)
O tema já foi regulamentando em alguns países. A Suécia foi um dos primeiros países a estabelecer normas legais sobre reprodução assistida e reconheceu o direito ao conhecimento da origem genética, o qual pode ser exercido após os 18 anos de idade, devendo os hospitais manter a identidade do doador registrada por 70 anos.
Na Alemanha é reconhecido o direito a identidade genética, sem alteração de vínculos, com base no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, previsto no art. 2 da constituição, podendo a pessoa buscar as informações a partir dos 16 anos.
Outros países como Inglaterra, Holanda Noruega e Suiça também permitem a revelação da identidade do doador. A Itália, em posição mais radical, proíbe a realização de reprodução assistida com uso de esperma de doadores anônimos.
6 CONCLUSÃO
O estudo desenvolvido tratou do estabelecimento da filiação e as consequências da manutenção do anonimato do doador de gametas em relação à pessoa gerada a partir das técnicas de reprodução humana assistida na modalidade heteróloga.
Conforme detalhado, a modalidade admite o uso da técnica de inseminação artificial com o sêmen de terceiro anônimo e da fertilização in vitro, a qual pode ser realizada com sêmen ou óvulo de doador anônimo ou ainda de ambos. Tais alternativas são usadas em todo o mundo e cada vez mais procuradas.
No Brasil não há regulamentação jurídica sobre o assunto, sendo o anonimato do doador estabelecido pela Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina. A resolução é utilizada pela classe médica em face da lacuna existente no ordenamento jurídico, no entanto não tem força normativa.
Dessa forma, não há estabelecimento de qualquer vínculo entre a pessoa gerada e o doador, sendo a filiação estabelecida pela socioafetividade em relação à pessoa que não contribuiu com seu material genético e consentiu expressamente com a realização da técnica, deixando em segundo plano o aspecto biológico, conforme consagrado pela Constituição Federal ao dar igual tratamento a todas as formações familiares.
Ocorre que ao se manter o anonimato não se está levando em conta o direito da pessoa gerada a partir da reprodução heteróloga em conhecer sua origem genética. Esse direito vem sendo consagrado pela doutrina e recebeu a denominação de Direito a identidade genética, integrando os direitos de personalidade e, portanto, os direitos fundamentais, constitucionalmente protegidos, conforme orientação doutrinária majoritária.
A busca pelo conhecimento da origem genética é um fenômeno que vem crescendo exponencialmente e não pode ser ignorado. Atualmente já existem diversos sites criados por pessoas frutos de reprodução heteróloga com o objetivo de identificar o doador de gameta, a exemplo do site americano The Donor Simbling Registry que recebe cerca de 10.000 visitas mensais, além disso, livros e documentários já foram feitos em defesa dos direitos dessas pessoas.
As motivações são diversas, desde preocupação com doenças genética, incesto e a simples, porém não menos importante, curiosidade em conhecer aquele que contribuiu com metade do material genético necessário a vida do indivíduo. Os relatos descrevem sensações de vazio, questionamentos sobre aspectos físicos e comportamentais que não são compatíveis com os outros integrantes da família e até mesmo revolta por lhes ter sido negado o direito por escolha alheia.
Dessa forma, o direito a identidade genética deve ser regulamentado e garantido a fim de se preservar o exercício pleno do direito da identidade pessoal e a dignidade da pessoa humana. Ao negar tais informações a pessoa gerada pelas técnicas aqui estudadas se estabelece uma discriminação, tendo em vista que aos adotados é dada a opção de acesso aos dados do processo de adoção a partir dos 18 anos, ferindo a cláusula constitucional que garante a igualdade entre os filhos.
Insta observar que o reconhecimento do direito não geraria nenhum vínculo de filiação entre o doador e a pessoa gerada, logo não seria possível a busca por direitos sucessórios, assistenciais ou qualquer outro de cunho jurídico. Ademais, as informações seriam concedidas através de processo com tramitação em segredo de justiça, de modo que somente o autor teria acesso aos dados.
Portanto, resta claro que o direito a identidade genética deve ser garantido à pessoa gerada a partir das técnicas de reprodução humana assistida heteróloga, como proteção a dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais, sem que isso gere estado de filiação, se fazendo necessário que o Brasil regulamente o uso das técnicas e consequentemente as condições do direito em questão, a exemplo de países como Inglaterra, Suíça, Alemanha entre outros que já possuem leis a respeito.
REFERÊNCIAS
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[1] Discente do Curso de Direito do Centro Universitário do Rio Grande do Norte- UNI-RN. E-mail: lu_alessandra@hotmail.com
[2] Docente do Curso de Direito do Centro Universitário do Rio Grande do Norte - UNI-RN. E-mail: prof.henriquebatista@gmail.com
[3] Art. 144 - “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.”
[4] Como exemplo o Art. 229 - “Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.”
[5] A resolução prevê uma exceção ao afirmar que em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
[6] Enunciado 258 – Arts. 1597 e 1601: não cabe a ação prevista no art. 1601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1597, cuja paternidade configura presunção absoluta.
Enunciado 519 – Art. 1601: O conhecimento da ausência de vinculo biológico e a posse do estado de filho obstam a contestação de paternidade presumida. Informação disponível em Portal da justiça Federal. Jornadas de Direito Civil – Enunciados Aprovados. Disponíveis em: <www.justicafederal.jus.br>. Acesso em: 24 out. 2012.
[7] Tradução livre: Eu nunca vou parar de me perguntar. Não apenas sobre quem é meu pai, mas sobre todas as outras pessoas lá fora, como eu, que nunca vão saber a verdade. Sobre todos os meus potenciais meio-irmãos, espalhados por todo o país. Sobre com quantas pessoas mais isso vai acontecer antes da doação anônima chegar ao fim. Sobre como ela está afetando crianças crescendo agora. Eu tenho tantas perguntas que eu nunca tinha considerado. Eu acho que eu nunca vou ter todas as respostas. De agora em diante, eu vou sempre estar se perguntando. Mas isso não vai me impedir de olhar.
[8] Tradução livre: Eu não sei de onde eu vim e isso é tudo o que eu penso. Eu não posso deixar de olhar para as minhas mãos e olhar para a minha reflexão e me perguntar. Saber quem eu sou. Agora, para o meu pai biológico, eu não quero um relacionamento com ele, mas uma imagem e um nome é muito para pedir? Eu não acho.
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