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A perda do poder familiar por abandono: um enfoque sobre o exercício do poder familiar em prol do menor
Resumo: O presente trabalho abordará o poder familiar sob a ótica da responsabilidade dos pais no exercício do mesmo, posto tratar-se de direito dos filhos menores e que deve ser exercido no melhor interesse destes. Iniciando pela mudança do conceito introduzida pela Constituição Federal de 1988, extinguindo o pátrio poder, oriundo da sociedade patriarcal, e criando o poder familiar, termo mais adequado à família moderna, objetivando conferir aos filhos menores os direitos deste instituto, impondo, ainda, que o poder familiar deve ser exercido sempre em benefício dos mesmos. Questiona-se como deve ser o exercício do poder familiar, direito dos filhos menores e, em que medida, a desídia dos pais, no exercício do poder familiar ,poderá ser responsabilizada com sanções previstas no ordenamento jurídico pátrio, quais são estas formas de punibilidade e a aplicabilidade nas decisões judiciais atuais. Objetivando analisar o instituto jurídico do poder familiar focando no seu exercício condicionado ao atendimento do melhor interesse dos filhos menores, transcendendo a fronteira do direito tornando-se para os pais uma obrigação, até mesmo um encargo, um múnus. É uma pesquisa qualificada com a utilização da técnica bibliográfica para o seu desenvolvimento. Inicialmente, o estudo faz uma revisão da literatura expondo a finalidade do dever de proteção e cuidado, contextualizando a legitimidade de intervenção do Estado com seu dever de vigilância e finda com a atual aplicabilidade das sanções jurídicas, nos casos de desídia no exercício do poder familiar. A revisão sobre o tema é abordada de forma dialética, contrapondo o posicionamento doutrinário em consonância com as leis versus as decisões atuais sobre o tema.
Palavras-chave: Poder familiar, dialética, filhos menores.
THE LOSS OF FAMILY FOR ABANDONMENT POWER : AN APPROACH ON THE POWER OF YEAR FAMILY IN SUPPORT OF CHILD YOUNGER
Abstract: This paper will address the family power from the perspective of the responsibility of parents in the exercise of the same, given that this is the right of children younger and it should be exercised in their best interests. Starting with the concept of change introduced by the Federal Constitution, in 1988, abolishing the parental rights, arising from the patriarchal society and creating the family power, better suited to modern family term, aiming to give young children the rights of the institute, imposing further that the family power must be exercised always in favor of them. One may wonder how to be the exercise of parental authority, the right of children younger, and to what extent, the negligence of parents, in the exercise of parental authority, be liable to penalties under national legal system, what are these forms of punishment and the applicability on current judgments. In order to check the legal institution of family power focusing on exercise conditioning service in the best interests of children younger, transcending the duty border becoming a must for parents, even a burden, one munus. It is a qualified research with the use of the technical literature to their development. Initially, the study reviews the literature exposing the purpose of protection and duty of care, contextualizing the state's legitimacy is its duty of vigilance and ends with the current applicability of legal sanctions in cases of negligence in the exercise of parental authority . The review of the subject is approached dialectically, contrasting the doctrinal position in line with the laws versus the current decisions on the subject.
Keywords: Family Power, dialectics, children younger.
1 INTRODUÇÃO
As relações nos núcleos familiares têm seus efeitos regulamentados pelo ordenamento jurídico, entre elas encontramos o poder familiar, instituto este que regulamenta as relações de pais com filhos. Trata-se da autoridade dos pais na condução do melhor interesse dos menores.
Desde a concepção e, principalmente, após o nascimento, a criança necessita de auxílio, “não basta apenas alimentá-los e deixá-los crescer à lei da natureza, como animais inferiores. Há que educá-los e dirigi-los” (GONÇALVES; 2014, p. 417). A criança necessita de quem lhes dê suporte, tais como: carinho, afeto, educação, convivência familiar, dentre outros. Merecendo especial proteção por ser pessoa em desenvolvimento, em fase de construção da personalidade e dignidade.
A origem do poder familiar é o pater familias do direito romano, em que o pai (figura masculina) tinha entre seus direitos a possibilidade/autoridade para abandonar os recém-nascidos, vender ou inclusive matar o filho, “Dizia-se que o pater tinha o direito sobre a vida e a morte do filho” (RIZZARDO; 2009, p. 614). Era um instituto condizente com o período histórico vivenciado.
No século II, reduziu-se a apenas um “direito de correção dos atos da prole” (MADALENO; 2013, p. 675). No Brasil houve a evolução do pátrio poder, instituto advindo do Código Civil de 1916, para o poder familiar, termo introduzido pela Constituição Federal do Brasil, de 1988. Esse, como preceitua Lôbo (2003), objetiva ser exercido com amor e não atrocidade.
A Carta Magna foi inovadora nas relações familiares, destacando-se três institutos que influenciam, diretamente, o exercício do poder familiar: o inciso I do artigo 5º, que igualou homens e mulheres; o §6º do artigo 227, que proibiu discriminação relativa à filiação e equiparou os filhos advindos do casamento ou não, além do artigo 227, concebeu outras formas de constituição de família (quebrando a hegemonia da família tradicional chefiada pelo homem). Ainda ao definir que é legítima a intervenção estatal na família para garantir o princípio da dignidade da pessoa humana, na pessoa de qualquer um dos que integram a família.
As mudanças que envolvem as relações familiares tornaram-se um campo fértil para abusos, omissões e faltas para com os deveres parentais. A família sob a ótica constitucional é escorada na igualdade entre os seus membros, devendo prevalecer entre eles mútua colaboração, auxílio e respeito. O poder familiar, na medida em que deve ser exercido em prol dos filhos, muda o enfoque da responsabilidade de quem o exerce, impondo a estes obrigações, um ônus, posto que afeta, diretamente, a formação dos filhos.
O estudo se justifica porque apesar de vasta a publicação de artigos sobre o poder familiar e as medidas jurídicas punitivas do mesmo, o enfoque utilizado ainda é arraigado na sociedade patriarcal onde o casamento, único formador da família, era a base da sociedade e o homem concentrava o poder de mando nesta entidade. O presente estudo vislumbra modificar esta visão para uma fundamentada nos princípios constitucionais onde a família é a base da sociedade, o menor é detentor de direitos e o poder familiar deve ser exercido em prol deste, no dever de haver a interferência Estatal quanto ao descumprimento e/ou cumprimento inadequado do poder familiar, como no caso do abandono. Além da aplicabilidade do instituto da perda do poder familiar em tais casos. O estudo, igualmente, altera a visão atual das medidas punitivas legais que habitualmente são vistas como punição ao genitor, para uma visão onde estas devem ser aplicadas como meio de salvaguardar os direitos da criança.
Ao analisar o instituto jurídico do poder familiar, focando no seu exercício, condicionado ao atendimento do melhor interesse do filho, interesse em sua formação como pessoa em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pode-se dizer que o mesmo representa uma obrigação ou um encargo, a ser exercido em prol do menor.
O estudo inicia com a concepção do dever de proteção e cuidado. Segue com a conceituação de abandono, logo após, pontuando o dever e a legitimidade do Estado na intervenção do exercício do poder familiar e finda com a atual aplicabilidade da sanção jurídica de perda do poder familiar nos casos de prática de abandono no exercício do mesmo.
Será abordado de forma dialética contrapondo o resultado da revisão bibliográfica com a jurisprudência pátria, analisando o mesmo para ver se está em consonância com a hipótese de que o poder familiar deve ser exercido em função dos filhos menores e a garantia da aplicabilidade que passa pela intervenção do Estado, de forma a assegurar o seu exercício de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Do Dever de Proteção e Cuidado
A Lei incube aos pais o dever de sustento dos filhos uniformemente na legislação pátria. Na Constituição Federal está previsto no artigo 227, no Código Civil, no artigo 1.694 e seguintes, e, ainda, no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 22.
Na visão de Rodrigues (2004), por ser a família o próprio alicerce da sociedade, a questão mais relevante nela é a criação e educação dos filhos, posto que estes são o futuro, são a geração do amanhã, aí está a importância em defender as crianças.
A Constituição Federal, no artigo 226, §7º, ao introduzir no ordenamento pátrio o “poder familiar”, em substituição ao instituto do “pátrio poder”, preceitua que o princípio do mesmo deva ser exercido em prol do interesse dos filhos e não dos genitores, sendo considerado por Gonçalves, (2014), como o princípio da paternidade responsável. Segundo Dias, (2013), o interesse dos pais é condicionado ao interesse dos filhos, é a mesma opinião, inclusive, de Lôbo (2003). Rodrigues (2004) considera o termo poder inadequado por entender que representa não um poder e sim uma obrigação dos pais.
De nada adiantaria alterar a nomenclatura do instituto, se desacompanhasse a evolução cultural, a mudança para o poder familiar na visão de Gagliano (2014) rompe com a arraigada cultura machista do termo anterior, pois o pátrio poder era prerrogativa conferida ao pai sobre o filho, como ensina Rizzardo (2009). Ainda, para Madaleno (2013) a mudança traz o foco para o interesse dos filhos menores e não mais a supremacia da vontade do pai. A mudança deve ser percebida pelos pais em sua relevância jurídica, que a autoridade oriunda do poder familiar deve ser em face dos filhos, atendendo à época atual da família moderna, acompanhando a evolução das relações familiares, alterando sua organização.
A mudança circunstancial do termo é tão forte que Dias (2013) já preconiza movimento doutrinário para outra mudança da nomenclatura, utilizando o termo “responsabilidade parental”, dando ênfase que deixou de ser um poder para ser um exercício de responsabilidade.
Esta autoridade, atualmente como ensina Rizzardo (2009) é conseqüência de entendimento e diálogo, logo cabe aos pais a consciência deste novo papel a ser desempenhado na formação dos filhos. Transformou-se de poder em conduta de proteção, orientação e acompanhamento dos filhos menores, na opinião de Dias (2013). Deixando o sentido de dominação para o sentido de proteção, existindo de fato a igualdade entre os membros da família, preservando assim o elo entre pais e filhos. Para Lôbo (2003), a atual natureza é em relação aos filhos no melhor interesse destes e da convivência familiar. Já para Madaleno é abandonar o poder e assumir o dever natural de proteção.
Preceituou o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, no acórdão do processo 141/1030012032-0, que não deve ser mais a família entendida como uma relação de dominação e sim como uma relação afetiva, significando assim despender atenção às necessidades dos filhos, tanto de afeto, quanto de proteção, não cabendo mais o conceito de que os laços de afeto derivam, exclusivamente, do sangue e sim, derivam de convivência.
As vicissitudes do poder familiar emergiram, segundo Lôbo (2003), à medida em que os filhos foram emergindo em dignidade. E, apenas, justifica-se sob a ótica de proteção dos interesses do menor, Rizzardo (2009) ensina que o bem do filho é a finalidade última. Os direitos dos pais estão enumerados no artigo 1.634 do Código Civil, são direitos em relação a terceiros ficando omissos, neste os deveres dos pais. Não tem um rol expresso dos deveres que ora configuram o instituto, sendo segundo Lôbo (2003), omisso inclusive sobre os preceitos instituídos na Constituição sobre a família.
O poder familiar é o conjunto de deveres atribuídos aos pais, cujo titular é o filho, sua atribuição é definida como uma função semipública, sendo uma série de direitos-deveres, segundo Gonçalves (2014), direitos em face de terceiros e deveres em face aos filhos, tendo em vista a proteção dos filhos menores, pois nesta idade necessitam de quem os crie, eduque, defenda e cuide de seus interesses, dirigindo os mesmos até que tenham capacidade para se dirigirem, como ensina Rizzardo (2009).
As pessoas a quem são impostas estas obrigações pela lei são os pais, pelo viés do princípio da solidariedade entre os membros da família, pelo princípio da proteção integral e pelo princípio da afetividade, princípios esses que norteiam a família sob a ótica constitucional.
Os encargos da paternidade estão apresentados no artigo 1.634 do Código Civil, sendo o inciso I: “dirigir-lhes a criação e educação”, talvez o maior encargo, o que se definirá na opinião de Rizzardo (2009), o sucesso ou insucesso dos filhos e continua definindo que, acrescenta-se nos deveres familiar a formação moral, pois é através dos pais que os filhos adquirem princípios como a honestidade e a dignidade pessoal, entre outras virtudes. Madaleno (2013) vê o encargo como o mais amplo exercício de proteção, remetendo-o ao inciso II, do mesmo artigo: “tê-los em sua companhia e guarda” como fatos decisivos para o desenvolvimento completo e sadio crescimento, ilustra que a troca de sentimentos, informações e experiências é essencial nesta formação.
Ademais não estão centralizadas todas as obrigações e direitos na lei civil, e segundo Dias (2013) deve-se acrescer, igualmente, aos outros que são derivados do poder familiar.
O fato dos pais, apenas, apresentarem condições econômicas não é o suficiente para o bom exercício do poder familiar, faz-se necessário ostentar equilíbrio emocional e capacidade afetiva para proporcionar um desenvolvimento completo dos menores “sob pena de causar-lhes irrecuperáveis prejuízos, com sequelas que, certamente, serão carregadas para toda a vida adulta”, entendimento da Ministra Nancy Andrighi, expresso no REsp 964.836/BA. Como ensina Diniz (2002), o afeto tão necessário a este bom exercício não é fruto da biologia, e sim, derivando da convivência familiar, sendo a humanidade dentro da família.
2.2 Do Abandono
O dever de cuidado impõe aos pais um ônus continuado, além do cuidado sobrevém a convivência, de forma a comprometer-se com a formação da criança. A falta de cuidados e afeto oriundas da paternidade responsável é a característica do abandono que pode apresentar-se de diversas formas. Rodrigues (2004) dispõe que o abandono não consiste em apenas deixar a criança sem assistência material, e sim qualquer descaso intencional por sua educação, moralidade e criação.
A desídia no exercício do poder familiar, a falta de cuidados, a falta de afeto, são situações que caracterizam o abandono, já dizia Camel (2003), os responsáveis pelo filho não podem impor a estes tamanho estado de indigência.
Madaleno (2013) esclarece que privar a prole da convivência familiar, ou privar dos cuidados inerentes ao zelo, ou ainda, não contribuir com a formação moral e material é deixar o filho em abandono. Ainda ensina, que não é incomum em separações a utilização dos filhos na contramão da função parental, com omissões propositadas e inadimplência dos deveres por parte de um genitor como forma de afetar o outro genitor.
Quando o genitor é omissivo no dever de cuidado e proteção que lhe impõe o poder familiar, está infringindo os deveres jurídicos. Há, certas vezes, condutas omissivas de inadimplência de alimentos, caracterizando abandono material, bem como condutas de rejeição à prole para afetar o outro genitor, caracterizando abandono emocional.
Lucyk (2009) define o pagamento da pensão alimentícia como resultado de boa vontade, dedicação e esforço, como uma espécie de compromisso do genitor com o filho e revela o interesse que o filho ocupa na vida do genitor. Vai além ao expressar que prover as necessidades do filho é sinônimo de que este importa como pessoa humana. O genitor que reluta em pagar a pensão, que furta-se do encargo alimentar, não se importa com as condições sociais e materiais do mesmo, está transmitindo sua falta de interesse no filho.
A doutrina não tem posicionamento majoritário sobre a questão do não pagamento de pensão, porém Peluso (1999) tem um posicionamento interessante neste sentido, expondo ser causa possível de exclusão do direito de visitas o inadimplemento do encargo alimentar, para si, o genitor que tem condições financeiras e não solve suas obrigações alimentares, expõe a falta de preocupação natural com o bem-estar dos filhos e vai contra as faculdades do poder familiar, posto que não demonstra como prioridade os cuidados que tem obrigação de prestar aos filhos menores. Frise-se que a posição é para o inadimplemento culposo, naquele que o genitor tem condições de prover o sustento dos filhos e não o faz por capricho.
Madaleno (2013) pontua que pode ser privado do poder familiar o genitor que pratica abandono psicológico, emocional ou material, diz ainda que já foi-se o tempo dos pais estarem acima do bem e do mal, remetendo-se aos pais quando podiam agir sem censura por leis ou pelo Estado, no exercício do poder familiar, ressalta, expressa previsão legal, que os pais tem o dever de agir no interesse dos filhos menores.
Referente à afetividade responsável, Dias (2013) reconhece a responsabilidade civil de reparação por abandono afetivo na falta de afeto no exercício do poder familiar, bem como no exercício com negligência gera inclusive o dever de reparação de dano oriundo da obrigação civil de danos morais ou materiais que decorrerem do mal exercício do poder familiar, na avaliação de Dias (2013), princípio da responsabilidade objetiva, não prescinde de culpa.
Dentro do campo do abandono emocional, Lôbo (2003) preceitua que o direito à companhia entre pais e filhos é recíproco, que qualquer mudança de endereço ou meio de comunicação deve ser informado para que o filho sempre possa se comunicar com qualquer um de seus pais, não expondo, diretamente isto, como forma de abandono, porém fica implícito, que se há o dever de manter aberto os canais de comunicação, a omissão dos mesmos por um genitor é um lapso que caracteriza abandono emocional.
O abandono emocional prescinde de uma prévia relação materna/paterna com o filho, sendo esta relação um pressuposto do dano, segundo Hironaka (2005), apenas a existência de afeto na relação e o posterior abandono afetivo de forma culposa é que geram o abandono material e assim o dano à personalidade do indivíduo.
Abandono afetivo pode ocorrer por omissão do genitor ao dever de educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996, estabelece em seu artigo primeiro todos os pontos que abrangem a educação, considera os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, abrangendo o direito das crianças, não os limitando apenas à matrícula escolar, direito este assegurado no artigo 55, do ECA. O abandono intelectual é previsto pelo legislador no Código Penal, artigo 246.
Hironaka (2005) afirma que em casos de separação ou quando um genitor nunca coabitou com o filho, o descumprimento dos deveres, o abandono afetivo e material, são mais constantes e visíveis.
Frente aos riscos ao bem-estar social e à dignidade da pessoa humana dos filhos, que traria à convivência familiar com pais desajustados que faltam com suas obrigações, cabe ao judiciário reprimir estes comportamentos indesejáveis, isto é, a paternidade/maternidade sem responsabilidade que cause danos irreparáveis aos filhos e à sociedade.
2.3 A Legitimidade do Estado na Intervenção
Quando o pátrio poder era exercido no patriarcalismo, o pai era senhor absoluto do lar e o Estado não limitava seus poderes no âmbito familiar, entendimento de Rizzardo (2009), ao passo que Dias (2013) classifica o poder do chefe familiar como ilimitado e absoluto, neste período histórico. Com a evolução do direito e evolução do pátrio poder para o poder familiar, deixou de ser um auctoritas, para ser um múnus (encargo legalmente atribuído a alguém, a que não se pode fugir), exercido não em interesse próprio e sim no interesse dos filhos menores, interessando ao Estado seu bom desempenho, ou como expõe Dias (2013), o filho passa a ser sujeito de direito e deixa de ser objeto de poder.
Deste múnus público o Estado é o detentor do direito de fixar normas para o seu exercício. Trata-se de uma obrigação de ordem pública imposta pelo Estado, segundo colocações de Gonçalves (2014). Ao fixar os direitos dos filhos menores deve o Estado observar sua efetividade no exercício do poder familiar, posto que a ordem social e o bom desenvolvimento do povo dependem disto, como preceitua Rizzardo (2009). Acrescenta-se que o poder público deve impor sua autoridade, ou como Dias (2013) expõe, não é absoluta a autonomia da família, cabe a salutar intervenção do Estado, adentrando a privacidade da mesma para garantir o cumprimento dos deveres a esta inerente.
Outro aspecto é a irrenunciabilidade do poder familiar, que, no posicionamento de Gonçalves (2014), determina que os pais não podem renunciar, transferir, delegar, abdicar ou substabelecer o poder familiar. Somente decai o poder nas formas e casos expressos em lei e por decisão judicial. Ou no pensamento de Rizzardo (2009), é intransferível o encargo, para evitar a não-aceitação desta obrigação, sendo uma ordem pública. Característica esta imprescindível ao cumprimento das obrigações e na sua fiscalização, pois é aos pais que cabem os deveres do poder familiar e ao Estado cabe salvaguardar os direitos. Em casos de mal exercício, retirar dos pais este poder.
O Estado ao estabelecer os deveres dos pais no exercício poder familiar transcende o que já foi, enquanto pátrio poder, direito privado, para a esfera do direito público, ao passo que, preceitua Gonçalves (2014), ser do interesse do Estado a proteção das crianças pois estas são as futuras gerações, por conseguinte o futuro da nação. O dever de vigilância torna-se um múnus público, prezando pela consonância do exercício do poder familiar com os princípios estabelecidos na lei, assumindo a obrigação de intervir sempre de forma fundamentada, quando houver descumprimento das normas de conduta sociais, previamente estabelecidas.
Quando os pais prejudicarem aos filhos por seu comportamento, fazendo mal uso da função do poder familiar ou desleixando nos cuidados a eles inerentes, ou ainda, omitindo-se na assistência necessária, impõe-se ao Estado que não compactue, no conceito de Rizzardo (2009, p. 623); sendo princípio constitucional a prestação de assistência por parte do Estado à infância e à família, fulcro inciso I, do artigo 203, da Constituição Federal.
Perlingieri (2007) afirma ser a intervenção Estatal justificada quando para garantir direitos fundamentais. Pode ser solicitado por qualquer interessado na conservação do núcleo familiar, que, para ele, é cabível inclusive em casos com a falta de reciprocidade entre os familiares, maus-tratos ou violência física ou psicológica.
Como o exercício do poder familiar cabe, simultaneamente, ao pai e a mãe, em igualdade de poderes, o Estado, igualmente, é legitimado a mediar o conflito entre esses, cabendo aos mesmos, nos casos de discordância do seu exercício, recorrer à autoridade judiciária para a resolução da lide, como expõe Rizzardo (2009).
O Estado além das punições civis ainda é detentor do direito de punir tais condutas penalmente, sendo os delitos: o descumprimento ao dever de prover os meios de subsistência ao filho caracteriza o delito de abandono material, crime do artigo 244, do Código Penal. Já a inércia do genitor ao deixar de prover ao filho, sem justa explicação, a instrução primária, configura o delito de abandono intelectual no crime do artigo 246, do Código Penal, abandono moral no crime do artigo 247, do Código Penal, abandono de incapaz no artigo 133, do Código Penal, e o abandono de recém-nascido no artigo 134, do Código Penal. Inclui-se a punição por maus-tratos do artigo 136, do Código Penal, que visa punir quem não cumpre com os cuidados necessários, ou quando o genitor tenta renunciar o seu múnus irrenunciável delegando a terceiros, o filho menor, pode constituir o crime previsto no artigo 245, do Código Penal, de entregar filho à pessoa inidônea.
Se o Estado é legitimado inclusive a aplicar penas severas como a perda da liberdade do agente que realizar a conduta de omissão de cuidados ao filho menor, pois tipificou-as como delitos passíveis de pena de reclusão, muito mais brandas são as sanções civis, que apresentam uma tutela imediatista do direito, não havendo justo motivo que obste sua aplicabilidade ou não efetive a atuação do Estado com tempestividade.
2.4 Da Aplicabilidade das Sanções Jurídicas
O descumprimento do bom exercício do poder familiar deverá impor responsabilização dos pais que, de alguma maneira, incidirem em abandono, descumprindo com os seus deveres, deixando os filhos menores em situação de desarrimo, negligenciando atenção, carinho e amor, estes desmazelos mostram que tais pais são incapazes de exercer o poder familiar. Justificando, dessa forma, a aplicação da destituição do poder familiar, como preceitua Tomizawa. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, Decreto nº 99.710, estabelece que a criança é o sujeito de direitos e este deve ser o ponto de partida para as decisões sobre a perda do poder familiar nos casos de abandono.
O Código Civil regula a perda do poder familiar quando certos comportamentos, dolosos ou culposos, demandam limitações ao exercício destes, sendo a decisão cabível ao magistrado que a determinará sempre de forma fundamentada, garantindo no procedimento, o contraditório e ampla defesa, como ensina Gagliano (2014), este ainda a expõe como uma medida para acautelar a situação dos menores em casos de comportamento reprovável dos pais.
Rodrigues (2004) ensina que, caso se verifique, que o comportamento dos pais prejudica os filhos, o ordenamento jurídico possui o instituto para a reação do judiciário a esta situação, e, ainda considera que as sanções não têm intuito punitivo aos pais, e sim, intuito de preservar o interesse dos filhos.
As sanções devem ser impostas, aos pais quando descumprirem os deveres genéricos, no intuito de proteger o menor, sempre preservando o interesse deles, deve haver punições, tanto nas infrações menos graves, como nas infrações genéricas, inerentes aos deveres dos pais.
Dias (2013) considera que deve ser afastado o menor do convívio dos pais, apenas nos casos de perigo, para preservar a integridade física e psíquica das crianças, e entende que a perda gera uma sequela grande a eles, porém, ainda afirma que o direito de convivência dos filhos, é um direito das crianças e não dos pais, logo apesar de admitir o afastamento em casos extremos, frisa o posicionamento de que o direito é dos filhos.
Gonçalves (2014) afirma que não se trata de intuito punitivo aos pais, e sim proteção do interesse dos filhos. Se o objetivo é a proteção sempre dos menores transparece desta forma a sutil diferença entre afastar o menor dos pais e preservar seus interesses.
A perda do poder familiar aplica-se quando estão presentes faltas graves no cumprimento dos deveres dos pais, como dispõe o artigo 1.638, do Código Civil, faltando com os deveres a eles inerentes.
Lôbo (2003) expõe que a perda do poder familiar deve ocorrer quando a falta colocar em perigo permanentemente a segurança e a dignidade do menor, impondo, ainda, outra condição, que é a impossibilidade de recomposição dos laços de afetividade. Apesar de entender que a perda do poder familiar por abandono redunda em mais problemas, afirma, ainda, que são os laços de afetividade e o cumprimentos dos deveres por parte dos pais, que determinam a preservação do poder familiar.
Ora, se estes preservam o poder familiar, nosso entendimento é que não os existindo e incorrendo os pais em abandono, deve sim, ocorrer a perda do poder familiar para restaurar o equilíbrio jurídico, assegurando o direito dos filhos menores.
Passando então a analisar o inciso II, do artigo 1638, do Código Civil, temos que poderá ser decretada a destituição do poder familiar quando os pais abandonarem os filhos. No entanto, é encarada no judiciário ainda como última ratio, quando inexistir mínima possibilidade de manter os vínculos naturais, ou então, é encarada como medida violenta que somente se justifica em situação extrema, vide julgado Apelação nr. 2001.001.15663 TJ/RS.
No entendimento de Rodrigues (2004), a destituição do poder familiar não é medida facultativa, e sim medida imperativa, ainda que alerte sobre a rigorosidade do judiciário nesta análise.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto do poder familiar rompe com o absolutismo do parentesco sanguíneo, impondo a necessidade de laços de afetividade e respeito para o seu exercício responsável. A ausência desta afetividade resulta em diversas formas de abandono e no mau exercício do poder familiar. Não cabe na atualidade o conformismo com apenas a manutenção material dos filhos, isto é, esse requisito é insuficiente perante tamanha necessidade que um ser em formação tem. Há que se contribuir ativamente, preservando o interesse dos menores, provendo carinho, cuidado, afeto e proteção, deveres afetivos, morais, materiais, sendo qualquer conduta avessa a esta, incompatível com a dignidade da pessoa humana das crianças.
Ante tamanha proteção jurídica, que gozam os interesses dos menores delega-se ao poder público e ao judiciário, a intervenção na entidade familiar com as sanções, culminando na perda do poder familiar para ministrar justiça, nos casos que seja observado abandono material, intelectual ou emocional. Encerrando todos os laços das crianças com seus genitores.
Os pais têm obrigações legais para a manutenção do poder familiar, que antes, historicamente abordada, era forma autoritária, pois os filhos eram “propriedade” dos pais. Com a evolução das relações familiares, evolui a forma de responsabilização dos genitores. A manutenção saudável das relações familiares é direito das crianças e deveres dos pais.
Não há justificativa para a não aplicabilidade da responsabilização de pais negligentes, pois os institutos priorizam proteção ao interesse dos menores, ante a vontade do adulto. A primícia é o desenvolvimento da criança como indivíduo salubre em todos os âmbitos da convivência familiar, sendo que esta deva ser mantida por ambos os genitores, podendo, como dito anteriormente, no descumprimento, sofrerem sanções conforme preceitos legais.
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Suzy Mara Rolloff [1]
Marcia Fernanda da Cruz Ricardo Johann [2]
[1] Acadêmica de direito da Faculdade Assis Gurgacz, rolloff.suzy@gmail.com.
[2] Docente orientadora na Faculdade Assis Gurgacz no curso de direito.
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