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Artigo 1.698 do Código Civil: Divergências doutrinárias acerca de sua natureza jurídica na ação de alimentos
RESUMO: Tem-se por objetivo colaborar com a interpretação do artigo 1.698 do Código Civil-2002, analisando a controvérsia doutrinária existente acerca de sua natureza jurídica ser uma nova intervenção de terceiros criada, especificamente, para a ação de alimentos.
Palavras-chave: artigo 1.698 do CC; controvérsia doutrinária; natureza jurídica.
ABSTRACT: Has the objective to contribute to the interpretation of Article 1698 of the Civil Code-2002, analyzing doctrinal controversy on its legal nature be a new third-party created specifically for the action of food.
Keywords: Article 1.698 of the CC; doctrinal controversy; legal nature.
Sumário: Considerações iniciais. 1.Legitimados passivos da obrigação de alimentar definidos no art. 1.698, CC-2002. 2. Art. 1.698 do Código Civil e sua natureza jurídica de Denunciação da Lide. 3. Art. 1.698 - 2002 do Código Civil e sua natureza jurídica de Chamamento ao Processo. 4. Art. 1.698 do Código Civil e sua natureza jurídica de uma intervenção de terceiros específica para a ação de alimentos na modalidade de Litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples por provocação do autor ou réu. Conclusão. Referências.
Considerações iniciais
Com a vigência do atual código civilista, passaram a existir divergências doutrinárias a cerca de quem são os legitimados passivos da obrigação de alimentos previstos no artigo 1.698 do CC-2002 . Também, qual seria a sua natureza jurídica: a) Denunciação da Lide; b) Chamamento ao Processo; c) Intervenção de Terceiros específica para a ação de alimentos.
Segundo NEVES (20??, p.02) “a solução para tal questão não tem benefícios meramente acadêmicos, considerando-se que a definição da natureza jurídica de um instituto jurídico mostra-se essencial para sua melhor compreensão e, por consequência natural, para sua aplicação prática.”
1. Legitimados passivos da obrigação de alimentar definidos no art. 1.698, CC-2002
O jurista Cassio Escarpinella Bueno, analisando os legitimados passivos na ação de alimentos habilitados pelo artigo 1.698, entende que seriam os mesmos do artigo 1.694, ambos, do Cód. Civil-2002: parentes, cônjuges ou companheiros.
Ou seja, de acordo com BUENO (20??, p. 03) “O dispositivo em exame dispõe em que condições [...] – parentes, cônjuges ou companheiros (Novo Código Civil, art. 1694, […]) - podem vir a ser 'chamados' a juízo.” (grifo nosso)
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. (grifo nosso)
Art. 1.698, CC. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. (grifo nosso)
Sobre o mesmo ponto, mas com entendimento divergente, o jurista Fredie Dider Jr., trazendo as lições de Yussef Said Cahali, afirma que o artigo 1.698, CC-2002 autoriza, apenas, aos parentes como legitimados passivos, excluindo os cônjuges e companheiros.
Desta forma, para DIDIER JR (20??, p. 02, apud SAID, 1999, p.167) “A novidade está na terceira e última parte do art. 1.698: intentada a ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar o processo. Observe que o art. 1.698 somente menciona os alimentos devidos entre parentes, não cuidando dos alimentos entre cônjuges e companheiros.”. (grifo nosso)
2. Art. 1.698 do Código Civil e sua natureza jurídica de Denunciação da Lide
Segundo MARINONI (2010, p. 186) na Denunciação da lide “se pretende incluir no processo uma nova ação, subsidiária àquela originariamente instaurada, a ser analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal. Em regra , funda-se a figura no direito de regresso, [...].”
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta;
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Assevera Neves (20??, p.03) que “Uma das principais características do instituto da denunciação da lide é que não existe qualquer relação jurídica entre o denunciado e a parte contrária ao denunciante, […] o que inclusive impede que a demanda seja originariamente proposta por ou contra ele.”.
Um dos defensores da Denunciação da Lide com sendo a natureza jurídica do artigo 1.698 do CC, é o civilista Renan Lotufo. De acordo com sua doutrina, não sendo divisível, nem solidária, a integração no polo passivo se dá sob o argumento da efetivação da justiça.
A tônica, pois, no direito contemporâneo é a de não se fixar em conceitos formais mas se buscar a efetividade da justiça, […]. Importa distinguir que não sendo divisível, nem solidária, a integração no pólo passivo se dá por características exclusivas do direito de Família[…]. (BUENO, 20??, p. 05, apud LOTUFO, 2001, p.78).
De forma divergente, para o jurista Daniel Amorim Assumpção Neves, no artigo 1.698 do CC - 2002 não existe um direito de regresso entre quem vem participar do processo na ação de alimentos.
“[…] uma vez pagos os alimentos por obrigado [...], ele jamais poderá cobrar daquele que deveria ter pago mas não o fez. Dessa forma, a ideia principal existente na denunciação à lide, da existência de um direito regressivo não se encontra presente na intervenção ora analisada.”(Neves, 20??, p.10 e 11).
Também, lastreado na inexistência do direito de regresso, entende Fredie Diddier Jr., ser este um motivo inviabilizador de se ter a Denunciação da Lide como natureza jurídica do artigo 1.698.
“Se não há possibilidade de direito de regresso, não se pode falar nem de denunciação da lide, que o tem como pressuposto fundamental, […].”(DIDIER, 20??, p. 425).
Seguindo a mesma tese argumentativa, Alexandre Freitas Câmara afirma não vislumbrar no artigo 1.698, CC - 2002 “qualquer possibilidade de utilização da denunciação da lide, eis que não há qualquer previsão de existência de direito de regresso de um dos codevedores em face dos demais” (CÂMARA, 2010, p. 203)
3. Art. 1.698 do Código Civil e sua natureza jurídica de Chamamento ao Processo
Segundo Luiz Guilherme Marinone, Chamamento ao Processo “é uma modalidade de criar litisconsórcio passivo facultativo por vontade do réu e não pela iniciativa do autor” (MARINONE, 2013, pág. 187).
O réu originário passa a dividir as responsabilidades com o outro réu chamado ao processo por ele. Embora sempre provocada pelo réu, não é obrigatória e o chamado responde no polo passivo da ação de forma solidaria com o chamante.
No Chamamento ao Processo, embora sempre provocada pelo réu, não é obrigatória e o chamado responde no polo passivo da ação de forma solidária com o chamante. Sobre o Chamamento ao Processo afirma Daniel Amorim Assumpção Neves que “essa espécie de chamamento ao processo trata de obrigações solidárias, admitindo-se ao devedor demandado o chamamento dos demais coobrigados para responder pela cobrança diante do credor.”(Neves, 20??, p.13).
Analisando a natureza jurídica do art. 1.698, afirma Cassio Scarpinella Bueno que “o caso parece ser de chamamento ao processo para os fins do art. 77, III, do Código de Processo civil.” (BUENO, 20??, p. 03).
Art. 77. É admissível o chamamento ao processo:
III — de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum (grifo nosso).
O referido jurista, por uma técnica de elastecimento interpretativo do conteúdo jurídico, afirma ser necessário, apenas, haver uma ampliação do termo solidariedade para os fins do art. 77, III, do CPC para abranger, também, o chamamento dos devedores comuns do artigo 1.698 do Código Civil:
“O que penso possível - e desejável, à luz do direito material - fazer é ampliar o termo 'solidariedade' empregado no inciso III do art. 77 do Código de Processo Civil para nele admitir, pelo menos na hipótese a que aqui me refiro, também o chamamento de devedores comuns. […].” (BUENO, 20??, p. 05 e 06).
Apesar das críticas sobre a inexistência do requisito da solidariedade na obrigação alimentícia e que faz-se necessária sua existência no chamamento ao processo para os fins do art. 77, III, do CPC, o referido jurista, por uma técnica de elastecimento do conteúdo jurídico afirma ser necessário, apenas, haver uma ampliação do termo solidariedade para abranger, também, o chamamento dos devedores comuns do artigo 1.698 do Código Civil:
O que penso possível - e desejável, à luz do direito material - fazer é ampliar o termo 'solidariedade' empregado no inciso III do art. 77 do Código de Processo Civil para nele admitir, pelo menos na hipótese a que aqui me refiro, também o chamamento de devedores comuns. Além de não ver qualquer prejuízo para o processo […] as diversas obrigações alimentares manifestam-se de forma bastante próxima à solidariedade. […].(BUENO, 20??, p. 05 e 06).
“Sendo o chamamento ao processo intervenção fundada em obrigação solidária e não sendo solidária a obrigação alimentar, como seria possível afirmar-se que o art. 1.698 do CC é espécie de chamamento ao processo?”(Neves, 20??, p.13).
De forma contrária argumenta (DIDIER JR, 20??, p. 02) “[...]. Se não há solidariedade, também por isso a alusão ao chamamento não se justifica.”
Não é possível exigir-se o pagamento de toda a dívida alimentar de um dos devedores. Cada obrigado deve responder e acordo com as suas possibilidades, o que pode gerar uma participação desigual, Não há uma obrigação divisível entre os devedores, mas tantas obrigações quantas sejam as pessoas envolvidas. Cada quota constitui dívida distinta. Tanto é verdade que se um dos devedores cumpre a sua obrigação, nos limites da sua possibilidade, não pode voltar-se, regressivamente, contra os outros.(DIDIER JR, 20??, p. 01, apud Said, 20??, p.160).
4. Art. 1.698 do Código Civil e sua natureza jurídica de uma intervenção de terceiros específica para a ação de alimentos na modalidade de Litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples por provocação do autor ou do réu
Segundo alguns doutrinadores o código civilista de 2002 criou uma hipótese de intervenção de terceiros nova, própria e destinada para ações alimentícias.
Assim é o posicionamento doutrinário de (DIDIER JR., 20012, p. 424): “O art. 1.698 trouxe inovação sem precedente no direito processual civil brasileiro: criou hipótese de intervenção de terceiro.” E, acrescenta: “Aqui se visualiza a importância do art. 1.698 do CC-2002. Ao que nos parece, este artigo autoriza a formação de um litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples, por provocação do autor.” (DIDIER JR., 20012, p. 426) (grifo nosso)
Corroborando com mesmo entendimento doutrinário, afirma a doutrina de Alexandre Freitas Câmara: ”[…] parece melhor sustentar que é do autor o ônus (por ser dele o interesse) de provocar a intervenção do terceiro. [...].” (CÂMARA, 2010, p. 204).
Em que pese compartilhar com o mesmo entendimento doutrinário de Fredie Didier Jr, e outros doutrinadores, a ser o artigo 1.698 do Código Civil um caso de intervenção de terceiros específico para ação de alimentos, o jurista Daniel Amorim Assumpção Neves entende, diferentemente, quanto ao fato de dever ser por provocação do réu:
[...], independente da qualidade jurídica que o chamado ao processo adquire na demanda na qual ingressa […] jamais poderá o autor simplesmente rejeitar o ingresso desse terceiro no processo. […]. O mesmo não se poderá dizer da intervenção prevista especificamente para a demanda de alimentos, admitindo-se nesse caso a possibilidade do próprio réu demandado convocar os demais codevedores para formar o litisconsórcio passivo ulterior.(NEVES, 20??, p. 16). (grifo nosso).
Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves, o art. 1.698, CC criou uma Intervenção de Terceiros anômala, com regra de procedimento específico, criada pelo Direito material de forma heterotópica, ou seja, por ser regra de procedimento deveria constar no Direito processual, entretanto, excepcionalmente, foi criada pelo Código Civil de 2002.
[…] a respeito do art. 1.698, CC, entendo que o dispositivo legal criou uma nova espécie de intervenção de terceiro, que não se confunde com nenhuma daquelas previstas no Capítulo IV, do Título II, do Livro I, do código de Processo Civil. Quanto à criação de uma nova espécie de intervenção de terceiro. Não se trata propriamente de novidade, porque já existem intervenções de terceiro que não se amoldam em nenhuma das espécies previstas pelo estatuto processual, e nem por isso deixam de ser tratadas como formas de intervenção de terceiro.(NEVES, 20??, p. 19).
Em que pese corroborar com o mesmo entendimento doutrinário de Fredie Diidie Jr, e outros, a ser o artigo 1.698 do Código Civil, um caso de intervenção de terceiros específico para ação de alimentos, Daniel Amorim Assumpção Neves entende, diferentemente, quanto ao fato de ser um caso Litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples por provocação do réu:
Já foi devidamente consignado que, independente da qualidade jurídica que o chamado ao processo adquire na demanda na qual ingressa […] jamais poderá o autor simplesmente rejeitar o ingresso desse terceiro no processo. Na realidade nem ao menos se ouve o autor a respeito, que deverá suportar a amppliação subjetiva da demanda sem qualquer possibilidade de oposição quanto a essa circunstância. […]. O mesmo não se poderá dizer da intervenção prevista especificamente para a demanda de alimentos, admitindo-se nesse caso a possibilidade do próprio réu demandado convocar os demais codevedores para formar o litisconsórcio passivo ulterior.(NEVES, 20??, p. 16). (grifo nosso).
Conclusão
Após a vigência do art. 1.698 do Código Civil de 2002, seu texto legal trouxe fortes divergências doutrinárias no que se refere a quem seriam os seus legitimados passivos (parentes ou estes com inclusão dos cônjuges e companheiros) bem como, qual seria a sua natureza jurídica: Denunciação da Lide; Chamamento ao Processo; Intervenção de Terceiros específica para a ação de alimentos. Em apertada síntese e sem pretensão exauriente, algumas certezas apresentam-se: trata-se de uma inovação no campo processual civil, seja considerando como algumas das intervenções de terceiros do do atual CPC brasileiro com aplicação ampliativa através de técnica de elastecimento interpretativo, seja como uma nova Intervenção de Terceiros específica para a ação de alimentos e não prevista no CPC. Num segundo momento, a certeza da absoluta razão de ser (ratio assendi) do referido artigo: oferecer máxima efetividade a prestação alimentícia. Porém, no campo das dúvidas doutrinárias, quais sejam, quem são os legitimados passivos e qual é a natureza jurídica do art. 1.698 do Código Civil de 2002, em que pese, ainda, suas incertezas, em subsunção ao principio do melhor interesse da criança e do adolescente adotado pelo Brasil, - Decreto nº 99.710/90 – que ratificou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente aprovada em 20 de novembro de 1989 na Assembléia Geral das Nações Unidas, coaduna-se o entendimento de ter o art. 1.698 do Código Civil de 2002 natureza jurídica de nova categoria de Intervenção de Terceiros específica para ação de alimentos, com legitimados passivos - parentes, cônjuges e companheiros - realizada por provocação de autor ou réu, e com amparo em direito material específico que é o direito aos alimentos.
Referências
BUENO, Cassio Scarpinella. CHAMAMENTO AO PROCESSO E O DEVEDOR DE ALIMENTOS: Uma proposta de interpretação para o art. 1.698 do Novo Código Civil. Disponível em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Chamamento%20ao%20processo%20e%20alimentos%20_RT_.pdf
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil - 18. ed. Rio de Janeiro. Editora: Lumen Juris. 2008. v. 1.
Código Civil brasileiro. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm
Código Processual Civil brasileiro. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm
Decreto nº 99.710/90. disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil - 14. ed. Salvador: Podium, 2012.v.1.
DIDIER JR, Fredie. A nova intervenção de terceiro na ação de alimentos (art. 1.698 do CC-2002). Disponível em: www.didiersodrerosa.com.br/artigos/Fredie Didier Jr. - A nova intervenção de terceiro na ação de alimentos.pdf
MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento/Luiz Guilherme Marinone, sérgio Cruz Arenhart - 8. ed. rev. e atual.- São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais. 20010. - (Curso de Processo civil; vol. 2).
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Intervenção de terceiros e a ação de alimentos. Disponível em:www.professordanielneves.com.br/artigos/201011151804040:intervencaodeterceiroseacaodealimentos.pdf
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